Crítica: Entre Mulheres (Women Talking)

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Direção: Sarah Polley

Elenco: Rooney Mara, Claire Foy, Judith Ivey, Kate Hallet, Sheila McCarthy, Jessie Buckley, August Winter, Michelle McLeod, Ben Whishaw e Frances McDormand

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Enquanto rascunhava o texto sobre o filme, tinha acabado de ler poucos dias atrás que o estado americano do Wyoming – controlado pelos Republicanos – queria derrubar o direito constitucional do aborto das mulheres, adquirido desde 1973. Obviamente que tais decisões são oriundas de “homens de bem”, “tementes a Deus” e em “defesa da família”. Isso me levou a pensar, com certa exaustão, pelo absurdo que ainda tentem controlar as decisões das mulheres sobre seus rumos e corpos em pleno ano de 2023 ou qualquer outra época.

Sendo assim, quando uma personagem diz: “Perdoar à força é mais genuíno que não perdoar uma violência?” ou “Se Deus é tão bom, porque permite que tais violências aconteçam?” é apenas um dos diversos questionamentos pertinentes que este significativo Entre Mulheres, dirigido habilmente por Sarah Polley, tem a dizer quando um grupo de mulheres decide se levantar contra o patriarcado depois de uma delas sofrer violência sexual; cujos homens – obviamente – serão inocentados.

Vivendo numa comunidade basicamente agrícola, alimentada à luz de lampiões, onde as vestimentas pesadas dos séculos passados não conseguem esconder as marcas das criminosas agressões físicas e psicológicas sofridas (ressaltadas por rápidos e impactantes flashbacks), tais mulheres são o típico exemplo de que a influência religiosa nos costumes pode causar, sendo a sororidade a única chance que elas têm de conviver e enfrentar isso.

Roteirizado pela própria diretora, baseado na novela de Miriam Toews, a obra se passa quase inteiramente dentro de um celeiro e mantêm intactas suas discussões e dilemas transformando o local em um microcosmo feminino atemporal de luta contra a resignação feminina diante de um mundo hostil ao tratar também de aborto, independência e homossexualidade.

Demonstrando uma força gritante de seu excelente elenco (Rooney Mara, Claire Foy, Judith Ivey, Kate Hallet, Sheila McCarthy, Jessie Buckley, August Winter), Entre Mulheres é um expurgo a favor de herança cujos princípios sejam baseados pelo amor incondicional para as futuras/atuais gerações. Precisando, assim, criar a coragem para tomar uma decisão entre elas sobre qual seria a melhor opção (se lutam alimentadas pelo senso de justiça, permanecem no estado atual ou fogem, correndo o risco de serem ainda mais punidas) numa votação ludicamente infantil por não terem mínima capacidade de leitura (uma das marcas do fundamentalismo diante das mulheres). E mesmo com opiniões diferentes entre choques de gerações, fica evidente que não são somente opções e sim uma questão de sobrevivência do gênero feminino; um exemplo desse conservadorismo ou subserviência é visto na figura de Frances McDormand (uma das produtoras do filme junto com Brad Pitt) que reluta inicialmente em participar desse levante.

Fotografado com elegância por Luc Montpellier com cores ora lavadas, representado a rotina sem vida daquele contexto, ora exaltando o ambiente do celeiro como um templo à meia luz des lamparinas, conota-se um pouco seu tom teatral devido aos seus enquadramentos metódicos em sua mise-em-scene como se transformasse cada plano numa pintura com movimento de câmera sutil para visualizar suas personagens de cima, como se estivessem sendo julgadas por Deus em suas discussões; julgamento esse que depende muito do próprio espectador.

Afiadíssimo ao permitir indagações que possam questionar que os homens – e seu atos – sejam feitos da imagem e semelhança de Deus, o filme nos compele a vê-las carregando culpa, devido à religião, e qualquer mínimo ato pensante de luta para terem algum tipo de respeito e não serem caçadas (uma palavra que torna o conceito da tirania do homem ainda mais perverso) reforça isso. Perdoar seus algozes seria quase uma permissão para perpetuar seus atos, pois as religiões são dominadas por homens, usando a “vontade de Deus” (seja lá qual for) e parábolas como forma de controle, desvirtuando qualquer ensinamento sobre amor ao próximo que possa existir, não somente como uma forma de controlar, mas de punir qualquer força que ousa questionar seu poderio.

Não sendo a toa que uma das propostas seja justamente uma nova religião baseada no amor e que haja respeito por parte dos homens entre e para com as mulheres, cujo respeito seja algo ensinado desde criança para os meninos não se tornarem, quando adultos, babacas misóginos ou autores de feminicídio. Um exercício de desconstrução da misoginia simbolizado na figura de Ben Shaw como realmente o único ator masculino com tempo de cena. Inicialmente contratado para ser testemunha dos atos discutidos nas pautas que decidiriam o futuro delas, o ator transmite a fragilidade e traumas no ponto ideal para representar a pressão dessa masculinidade tóxica para com a necessidade de se mostrar sempre forte e ocultando seus medos numa sociedade que vê tais sentimentos como fraqueza; no entanto suas atitudes em desejar certas responsabilidades com relação ao amor por umas das mulheres são mais dignas que qualquer outra atitude de masculinidade.

Num cenário de repressão, em que o tempo corre contra aquelas mulheres, a liberdade é sempre presente quando se há dois espaços narrativos. Um deles, o celeiro e o que esta por trás das motivações que a levaram a lutar, o outro espaço que o público (e nem aquelas mulheres) não visualiza, somente sabe-se que será tão hostil quanto o atual, mas elas precisam mudar. Aquele celeiro será visto como ponto de partida para as discussões do mundo de hoje. Um simbolismo, independente de aonde chegarão, a coragem delas é a força para cada ato de resistência; e é angustiante pensar que todos esses acontecimentos, tomados como uma passagem histórica em que muitos acharão um conto, esta mais perto que imaginamos.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

4 thoughts on “Crítica: Entre Mulheres (Women Talking)

  1. eu gostei do filme, é meio chatinho mas mesmo assim te prende, se vc aguentar ate o final nao ai se arrepender

  2. Não, não parece um estudo de caso. E sobre o contexto histórico aconselho ver o filme.

  3. parece mais um estudo de caso do que um filme com uma historia completa, mas mesmo assim é muito pertinente pelo contexto historico e a critica aos abusos contra as mulheres

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