Limite de 4 jogadores dos BGs, balanceamento e matemática

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Imagem BGG: Splendor

 

Esse artigo (“BGs apenas para 4 jogadores, Balanceamento e Matemática”) abordar uma série de aspectos menos discutidos sobre board games. Entre esses aspectos está o limite de 4 jogadores, o balanceamento, e a matemática por trás disso.

 

Para quem não sabe, o país onde os board games mais se desenvolveram foi a Alemanha, e até hoje os principais designers de jogos são de lá. Os jogos mais badalados são alemães, o principal prêmio dessa indústria, o Spiel des Jahres também é, assim como o evento de maior prestígio, a convenção de Essen.

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Um dos motivos para isso foi a derrota da Alemanha na II Guerra Mundial. Ao final do conflito, o país estava totalmente destruído, de maneira que não havia mais cinemas, teatros, parques, salas de música, nem quaisquer outras formas de lazer. Além disso, o grosso da população quase não tinha dinheiro. Por isso, para se distrair o povo alemão precisava de algo que fosse simples, fácil de produzir e barato. Mas esse não é o único motivo. Outros países foram igualmente bombardeados e reduzidos a escombros, como a Itália, embora não tanto quanto a Alemanha, e mesmo assim não desenvolveram os board games.

 

Além da necessidade de uma forma de lazer barata, havia ainda a questão do rigoroso inverno alemão. Durante meses, as famílias alemãs ficavam praticamente confinadas ao interior de suas casas, saindo o menos possível. Com isso, os board games eram uma solução excelente, porque além de ser uma forma de lazer acessível, ainda podiam ser desfrutados dentro de casa.

 

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Imagem Ludopedia: Xadrez

 

Obviamente, não foram apenas esses dois fatores, que transformaram a Alemanha na potência que ela é hoje, me termos de board game. Basta pensar que a Rússia (antiga União Soviética), se enquadrava nessas mesmas condições (destruição durante a guerra e inverno rigoroso), mas não desenvolveu uma indústria de jogos como a alemã. Por outro lado, os russos durante décadas foram os principais expoentes do Xadrez, e ainda são uma verdadeira potência nessa área. Além disso, para se desenvolverem as editoras de jogos precisavam de um mercado consumidor, e esse nunca foi o forte do comunismo. Isso sem falar que board games, entre outras formas de lazer, eram vistas como atividades pequeno-burguesas nos países comunistas e totalmente reprimidas pelo Estado. O Xadrez era diversão suficiente em termos de jogos para os russos, e demais povos por trás da cortina de ferro.

 

Por outro lado, outros países da Europa Ocidental capitalista, com invernos tão rigorosos quanto o alemão (Dinamarca, Noruega, Finlândia), também foram bombardeados durante a guerra. Mas nem de longe, experimentaram o mesmo nível de devastação que a Alemanha. Portanto, nesses países, ainda havia outras formas de lazer, e os board games não eram tão fundamentais assim, apenas mais uma opção.

 

 

POR QUE 4 JOGADORES?

 

 

Assim sendo, a família alemã padrão se tornou o foco principal da indústria dos board games, e normalmente essa família era composta por pai, mãe, filho e filha. Em alguns casos também havia os avós, mas isso era mais raro e a família padrão normalmente possuía apenas 4 membros. Essa também era a composição padrão das famílias europeias em outros países.

 

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Imagem Google: Cidades alemãs arrasadas

 

Após passar por duas devastadoras guerras mundiais, em um curto período de apenas três décadas, a sociedade europeia adotou uma atitude muito sombria em relação ao futuro. E se houvesse outra guerra? Isso provocou uma diminuição considerável no tamanho das famílias, até porque criar vários filhos demanda muito mais dinheiro do que as pessoas dispunham. O resultado foi uma queda drástica na densidade demográfica do continente, que sofre os efeitos disso até hoje. Desse modo, os jogos começaram a ser criados pensando em uma família de 4 pessoas. Com o passar do tempo, esse passou a ser o padrão dos board games.

 

Outro fator que favorece o estabelecimento de 4 jogadores como padrão dos jogos, é o tempo entre os turnos de cada jogador. Jogos mais simples, como o festivo, podem ter uma grande quantidade de pessoas jogando ao mesmo tempo, porque o turno de cada jogador é bem rápido. Isso vale também para os board games clássicos, especialmente aqueles baseados em rolar o dado e andar a quantidade de casas. Nesse caso não há muita variedade de ações, pois é basicamente rolar e andar. Em jogos como Detetive/Clue, Jogo da Vida, e o “Scotland Yard brasileiro”, cada jogada é bem rápida. O WAR é outro caso, mas ele não se baseia em deslocamento por uma trilha, conforme o resultado dos dados.

 

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Imagem Ludopedia: Jogos da Tabuleiro Clássicos “Rolar e Andar”

 

Assim sendo, uma partida de Detetive/Clue com 6 pessoas, o número máximo de jogadores, não demora tanto assim. Mas no caso de jogos mais complexos a situação é completamente diferente. Quanto se tem uma maior gama de ações disponíveis, e essas ações têm de ser sopesadas com mais cuidado, a duração da jogada de cada participante é muito maior. Nesse cenário, um jogo com 6 pessoas, em que cada uma demore em média 5/6 minutos por jogada, um jogador terá de esperar meia hora para voltar a jogar. Em outras palavras, esse participante só joga novamente, depois que cada um dos outros 5 jogadores faça a sua jogada. Isso que dizer que, em uma partida de uma hora e meia, cada um só jogará 3 vezes. Evidentemente as coisas não são tão regulares, mas dá para dar uma ideia.

 

Já em um jogo com 4 pessoas, essa demora é de apenas 15 minutos, o que é muito mais viável. Esse é o problema da AP (analysis paralysis, ou paralisia de análise) que afeta tantos jogos. Com isso, chegou-se à conclusão de que o limite de 4 jogadores, além de atender bem ao mercado consumidor, também permite que o jogo tenha uma boa complexidade.

 

O problema é que como o limite de 4 jogadores acabou se tornando o padrão dos jogos, mesmo aqueles que não são tão complexos. São board games para apenas 4 jogadores, mas que são relativamente simples, como Catan, Stone Age, Kingdomino, Sagrada, Azul, Splendor, Barenpark, Invasores do Mar do Norte, Santorini, Survive, Takenoko, entre muitos outros. Por isso, a questão da complexidade não é apenas o que conta, para a adoção do limite de 4 jogadores dos board games.

 

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Imagem BGG: Kingdomino

 

Ocorre que esse limite talvez até atenda a uma realidade europeia, e uma realidade de décadas atrás, mas nem sempre se aplica a uma realidade brasileira, por exemplo, ou a uma realidade mais atual no mundo todo. Se um sujeito é casado, mas a esposa não curte board games, ele pode chamar 4 amigos para jogar tranquilamente. Porém se o camarada for casado, ou até mesmo ter apenas namorada, que curta board games, mais pesados, a coisa fica mais complicada. Nessa situação, esse casal só poderá convidar apenas mais um casal para a jogatina e a mesa já fica cheia. Se a quantidade de amigos do casal do exemplo for de apenas outro casal, ou apenas duas outras pessoas, tudo funciona. Só que normalmente, as pessoas têm mais que dois amigos, e certamente vai querer apresentar os jogos que tanto curte para o seu grupo social.

 

Aquilo que algumas pessoas enxergam como “problema”, as editoras de board games identificaram com uma forma de ganhar dinheiro. Nesse momento, entram em cena as expansões com o material do 5º jogador. Um jogo como Kingdomino poderia muito bem ter sido lançado para 5 jogadores. Inclusive muito jogos mais simples são originalmente para 5 ou mais jogadores (King of Tokyo, Mysterium, Alhambra, Camel Up, Jamaica, etc). Entretanto, é muito mais rentável lançar o jogo para 4 jogadores, e depois vender expansões que aumentem esse número.

 

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Imagem Ludopedia: Alhambra

 

Infelizmente, essa estratégia de aumentar quantidade de jogadores apenas nas expansões é dificulta, e muito, a vida dos boardgamers brasileiros. Para que um jogo tenha uma expansão lançada nacionalmente, é necessário que esse jogo seja um verdadeiro campeão de bilheteria. E às vezes nem assim. O próprio Kingdomino vendeu, e ainda vende, horrores, mas nem isso justificou aos olhos da editora o lançamento da expansão Age of Giants que aumenta a quantidade de jogadores.

 

O Love Letter, um dos melhores “jogos festivos” do mercado, também tinha esse problema de ser para apenas 4 jogadores. Por isso, surgiram diversas adaptações “não oficiais”, que incluíam algumas cartas (como o Bobo), para aumentar a quantidade de participantes. Seguindo essa tendência, a segunda edição oficial do jogo aumentou para 6, o número máximo de jogadores.

 

Em outros casos, única solução é mesmo recorrer às famosas “house rules”, e “adaptações caseiras” que permitem que se jogue com mais pessoas quando isso é possível.

 

E é aí que entra a questão do balanceamento.

 

BALANCEAMENTO E MATEMÁTICA

 

O balanceamento é a característica que confere equilíbrio a um jogo, dando a mesma chance de vitória para todos os jogadores. E isso deve ocorrer independente da posição do jogador em cada turno, ou da facção escolhida. Nos jogos simétricos isso é mais fácil, porque todos os jogadores jogam da mesma forma. Já nos jogos assimétricos a coisa complica, porque os pontos fortes de cada facção/papel dos jogadores têm de ser contrabalançadas, com pontos fracos. Se não for assim, se houver facções mais fortes do que outras, os jogadores com estas terão ampla vantagem em relação aos demais.

 

Um jogo que exemplifica isso de modo inteligente, e elegante, é o Rising Sun, com a regra que confere vantagens a quem joga por último no turno. Outra forma muito comum de balanceamento são os jogos que distribuem mais recursos a quem joga depois do primeiro jogador.

 

No processo de criação de um jogo, o balanceamento é certamente um dos trabalhos mais difíceis. São necessários centenas de testes com configurações diferentes, até se chegar ao formato ideal do jogo, que será finalmente comercializado. Qualquer mudança nas regras do jogo pode alterar o seu balanceamento, e transformar um jogo equilibrado em um jogo “quebrado” (desbalanceado). Por isso é fundamental que se tenha muito cuidado ao adotar as famosas “house rules”, ou regras da casa. Esse recurso pode ser muito útil, no sentido de adequar e customizar o jogo ao gosto de uma determinada pessoa ou grupo. Inclusive existem casos de “house rules” que se tornaram “oficiais”, nas edições seguintes de alguns jogos.. Entretanto, como podem eventualmente desiquilibrar um jogo, a aplicação das “house rules” necessita cautela, para que elas não façam mais mal do que bem.

 

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Imagem BGG: Splendor com adaptação para 6 jogadores

 

Além disso, o balanceamento está muito ligado às relações matemáticas entre os elementos do jogo. Diferentemente daquilo que a realidade parece indicar é a matemática, e não o inglês, a linguagem universal. Todo o universo conhecido se baseia em relações matemáticas, entre tudo aquilo que o compõe, mesmo que algumas delas ainda escapem à compreensão humana. Os board games não fogem à regra.

 

Um excelente exemplo disso é o jogo Splendor, em que o jogador adquire gemas preciosas, para comprar cartas, e acumular 15 pontos de vitória. Nesse jogo existem cartas e gemas de 5 cores diferentes (Azul, Verde, Vermelho, Preto, Branco – o Amarelo são para as gemas “coringa”). As cartas se dividem em três categorias, cujo custo e quantidade de pontos de vitória são crescentes. Na categoria 1, cada cor tem 8 cartas (um delas dá 1 ponto de vitória), que custam no total 33 gemas, atribuídas diferentemente. Já na categoria 2, as cartas de cada cor são 6, que dão 11 pontos de vitória, e custam 41 gemas. Por fim, na categoria 2, o custo total das cartas é de 43 gemas, dividido por 4 cartas, que concedem 43 pontos de vitória.

 

O Splendor é um jogo simples, com alguma estratégia, e principalmente muito divertido de jogar. Isso faz dele um excelente “jogo de entrada”, ou “jogo para mostrar a quem nunca jogou BGs”. Só que ele tem o problema de comportar apenas 4 jogadores, no máximo. Para solucionar isso, existem “house rules” para adaptar o jogo para 5 jogadores, tiradas do BGG. Nesse caso, se utiliza 2 gemas a mais de cada cor (pecinhas plásticas coloridas comuns), e aberta uma quinta coluna de cartas. As demais regras permanecem as mesmas.

 

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Imagem Ludopedia: Dobble

 

Outro jogo em que a matemática brilha é o Dobble que é de uma simplicidade impressionante, mas com um enorme potencial de diversão. A premissa é bem básica: o jogo possui 55 cartas, com 8 símbolos diferentes em cada uma, e qualquer par de cartas tem apenas um único símbolo em comum.

 

O jogo parece bem simples, e realmente é, mas muito divertido, especialmente com crianças que ainda não aprenderam a ler. Nesse sentido seria muito interessante uma versão do Dobble com menos símbolos por carta, e que elas fossem feitas de papelão mais grosso, para os pequeninos na “idade da rasgação”, pré-operatório de Piaget, ou segunda infância. Todavia, independente da simplicidade do Dobble, a matemática para obter esse resultado simples (55 cartas 8 símbolos), que incluí a organização de grades com números primos, é bastante complicada. O vídeo abaixo explica essa relação, mas infelizmente está em inglês (a segunda principal linguagem do universo). Isso dificulta um pouco a situação, porque entender algo complicado, como matemática avançada e ainda em um vídeo em outro idioma, não é para qualquer um.

 

https://www.youtube.com/watch?v=VTDKqW_GLkw&t=836s

 

Não se pode esquecer também que a matemática levou à criação do “Magic: The Gathering”, que, mais do que um jogo, se tornou um verdadeiro fenômeno cultural. Seu criador Richard Garfield é um PHD em matemática, e segundo reza a lenda, criou o jogo para explicar análise combinatória, probabilidade e estatística a seus alunos, de uma forma divertida.

 

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Imagem Ludopedia: Magic The Gathering

 

Do mesmo modo, outro gigante dos board games, o Prof. Reiner Knizia, com mais 700 jogos publicados, também é PHD em matemática. Além de ser um dos designers com maior número de indicações aos prêmios internacionais de BG, ele ainda possui no currículo o Spiel de Jahres 2008 com o “Keltis”, e do Kinderspiel des Jahres com o Whoowasit?, e 5 prêmios Deutscher Spiele Preis (só para citar alguns dos mais importantes).

 

Por fim, além dos jogos citados acima, existem muitos outros “exemplos lúdicos” de aplicações geniais da matemática. Isso demonstra, sem sombra de dúvida que, tal qual “queijo e goiabada”, matemática e board games têm tudo a ver.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

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