Atualização Sim, Mas Sem Perder a Essência

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Defenders of the Realm

 

Esse artigo “Atualização Sim, Mas Sem Perder a Essência” trata do fenômeno da atualização que ocorre nas novas versões dos board games modernos. Essas atualizações algumas vezes são para o bem, outras vezes para o mal, especialmente no que tange à arte dos jogos.

 

A indústria dos jogos de tabuleiro modernos vive à base da novidade e do “culto ao novo”, e isso é um fato. Não é à toa que o HYPE e o FOMO sejam tão fortes e influentes nesse setor econômico, talvez mais do que em qualquer outro. E isso não é nem uma exclusividade do mercado brasileiro, porque no nível internacional ocorre algo bem parecido. Isso faz um enorme contraste com empresas gigantes do setor de jogos/brinquedos, como Mattel e Hasbro (nível internacional), e Estrela e Grow (nível nacional).

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Obviamente esse verdadeiros colossos empresariais também investem em novidades. Mas alguns de seus principais produtos são vendidos há décadas, com atualizações mínimas, e mesmo assim gerando milhões em lucros. Só para citar alguns exemplos desses clássicos de jogos e brinquedos basta lembrar dos produtos que todo mundo conhece. No caso da Mattel há a Barbie e o Scrabble (vendas fora dos EUA e do Canadá, o mercado interno norte-americano é da Hasbro). Já a Hasbro possui o catálogo das marcas Milton Bradley, Parker Brothers e Avalon Hill, empresas de jogos norte-americanas que fizeram história nos board games. Basta citar os jogos Monopoly, Clue e o Jogo da Vida, que atualmente pertencem à Hasbro. Na parte de brinquedos a Hasbro possui as marcas Transformers, G.I. Joe, Nerf, My Little Ponnie, Mr. Potato Head, bonecos Trolls, e muitas outras.

 

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Imagem BGG: Monopoly, Game of Life, Scrabble e Cadyland – Jogos Clássicos dos EUA

 

No Brasil as duas maiores empresas de jogo e brinquedos são sem dúvida a Estrela (maior empresa do setor na América Latina) e a Grow. A Estrela lança os jogos da Hasbro há décadas (desde 1944), especialmente o Banco Imobiliário (Monopoly) e o Detetive (Clue). A Grow não fica atrás e é dona simplesmente do WAR, jogo fortemente baseado no Risk da Parker Brothers (atualmente Hasbro), mas com diferenças significativas. Aliás o WAR é um caso muito interessante de jogo de tabuleiro, onde a novidade conta tanto. Esse jogo é basicamente o mesmo desde seu lançamento em 1972, quando ainda usava seu título original “1914”, algo que nem todo mundo sabe.

 

Nesses 50 anos recentemente completados, o jogo continua sendo basicamente conquistar territórios, para cumprir objetivos, usando rolagem de dados para isso. Mas mesmo datado, ultrapassado e antiquado, o WAR ainda é um campeão de vendas. No nosso mercado interno de jogos, provavelmente, o WAR sozinho vende mais que todos os outros board games modernos “superiores”.

 

Claro que existem outros fatores envolvidos nessa supremacia do WAR, como, por exemplo, ser de uma época em que não havia muitas opções de jogos. O mesmo se aplica a outros jogos clássicos como Banco Imobiliário, Detetive, Imagem e Ação, Interpol, Scotland Yard, Jogos da Vida e Perfil. Ao longo de décadas, esses clássicos se tornaram as principais referências em jogos de tabuleiro, integrando o imaginário coletivo e memória afetiva da sociedade brasileira. Também conta bastante a acessibilidade desses jogos clássicos. O fato de todos eles terem produção nacional, em escala industrial, permite farta distribuição e preços mais baratos.

 

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Imagem BGG: Detetive, Banco Imobiliário,  War e Scotland Yard – jogos clássicos do Brasil

 

Mas mesmo com tudo isso, ainda assim é impressionante a diferença de escala, impacto e importância desses jogos clássicos, frente aos jogos modernos. Se de uma hora para outra, o Carcassonne não for mais vendido no país, literalmente quase ninguém vai ligar para isso. Agora se isso acontecer com o WAR ou o Detetive, a conversa muda totalmente de figura.

 

Novamente, a atualização, inovação e reformulação são fundamentais, mas desde que se mantenha a essência do jogo. Nesse aspecto, a tradição é igualmente fundamental. Os jogos clássicos estão aí, vendendo uma fábula ano após ano, para mostrar que é possível atualizar sem alterar aquilo que é essencial. O Banco Imobiliário possui “maquininha de cartão”, o Detetive dá dicas pelo celular, e o WAR adotou outros temas como “Império Romano” e “Batalhas Mitológicas”. Mas nem por isso eles deixaram de ser o Banco Imobiliário, o Detetive e o WAR, “véios de guerra”.

 

Infelizmente, como dito antes, o mercado dos board games modernos segue por outro caminho. Nesse setor econômico, a novidade continua sendo um elemento vital, e muitas vezes a novidade apenas pela novidade. Evidentemente uma novidade não é necessariamente ruim, mas ela também não é necessariamente boa por si só. Também vale lembrar que novas versões e novos jogos surgem com base nas eventuais deficiências dos jogos e versões anteriores, até para sanar tais falhas. Considerando essa evolução, é lógico e natural, que versões e jogos mais recentes melhorem as versões originais nas quais se baseiam. Quem chegou a jogar o Mansions of Madness original sem aplicativo, e a nova versão com esse recurso, sabe a melhora incontestável que ocorreu.

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Imagem Ludopedia: Mansions of Madness 2ª Edição

 

Porém, mesmo sendo o mais natural, o que mais acontece, a melhora das novas versões dos board games não é uma verdade fundamental, gravada em pedra. Algumas vezes as coisas dão errado, e isso é especialmente verdade no que diz respeito à arte dos board games.

 

Um exemplo claro de melhora, fugindo um pouco dos board games, aconteceu com o RPG, especificamente o AD&D, da antiga, e lendária, TSR. As primeiras capas do Players Handbook, do Dungeon Master Guide e do Monster Manual, não eram feias, porque para isso elas precisariam melhorar muito. Na verdade elas eram horrendas, e tão horrendas, que era algo de dar pesadelo mesmo, coisa de fazer inveja à Medusa. O pessoal da chamada “Geração Xerox”, que jogava RPG nos anos 80, com cópias dos originais, está aí para não me deixar mentir.

 

E vejam só como eram as coisas nessa época, o que comprova que a necessidade e a dificuldade, são o pai e a mãe da inventividade, engenhosidade e da criatividade. Na década de 1980, dados poliédricos eram raríssimos nessas bandas, e um luxo para poucos, que poderiam importar, mesmo custando muito caro. Se a pessoa morasse longe dos grandes centros e capitais do país, podia esquecer porque dificilmente chegava alguma coisa, um pouco mais diferente e exótica.

 

Atualmente, apesar da internet, ainda é um pouco assim, em alguns casos. Então dá para imaginar como eram as coisas 50 ou 40 anos atrás, quando a “grande rede” ainda era obra de ficção científica. Diante desse cenário árido, para jogar RPG, muita gente “dava o seu jeito” e se virava para jogar, usando um copinho com fichas ou papeizinhos representando cada número dos dados poliédricos. Isso era uma dureza, mas a galera compensava com muita disposição, vontade de jogar e imaginação, muita imaginação.

 

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Imagem Google: Comparativo das Capas das Primeiras Versões do AD&D

 

Fechando esse parêntese nostálgico (e sei que isso vai tocar muita gente ”mais vivida”), na segunda edição do AD&D, a arte mudou da água para o vinho, e para muito melhor. Basta comparar a versão original com a versão posterior, para não restar nenhuma dúvida a esse respeito.

 

Também acontece da atualização ser apenas isso, ou seja, uma atualização. Mantendo esse universo RPG da TSR um exemplo emblemático de uma atualização que não alterou a essência são as capas da famosa trilogia Dragonlance Chronicles de Margaret Weis e Tracy Hickman. Para quem não conhece esses livros, recomenda-se fortemente conhece-los, porque eles são fantasia no mais alto nível. Para muita gente a Trilogia dos Dragões não supera o Senhor dos Anéis, até porque convenhamos Tolkien é insuperável, mas chega bem perto. Nas edições nacionais, tanto da Devir quanto da Jambô, os livros são Dragões do Crepúsculo do Outono, Dragões da Noite de Inverno e Dragões do Alvorecer da Primavera.

 

Logo após saiu Lendas de Dragonlance (Tempo dos Gêmeos, Guerra dos Gêmeos e Teste dos Gêmeos), com a história dos personagens-irmãos Raistlin e Caramon Majere. Anos depois surgiu a duologia Herança de Dragonlance (A Segunda Geração e Dragões da Chama do Verão), contando a história dos descendentes da trilogia original. Esses livros posteriores estão um pouco abaixo do nível da trilogia original por pouca coisa, mas ainda assim são excelentes. Isso principalmente considerando o nível daquilo que se produz atualmente, nesse segmento da literatura. Também, nem dava para ser diferente, porque Dragonlance Chronicles foi um verdadeiro marco na literatura de fantasia. Assim sendo, os livros posteriores da dupla Weis e Hickman ainda são sensacionais, mesmo que não tanto quanto a trilogia original.

 

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Imagem IMDB: Dragões do Crepúsculo do Outono, o Filme de Animação…

 

Para os interessados, as edições nacionais de todos estes títulos estão disponíveis na Amazon. Para quem curte, também deve valer a pena, conferir o longa de animação que fizeram baseado no livro “Dragões do Crepúsculo do Outono”. Essa é uma produção de 2008, da Paramount, mas a animação lembra bastante os desenhos para TV dos anos 80, em especial o lendário “Caverna do Dragão”. Por isso, não dá para esperar grande coisa, mas ainda assim vale a pena, especialmente para os fãs de Dragonlance, apesar do visual antiquado e animação sofrível.

 

E isso é inclusive meio estranho e possivelmente propositado. Esse filme de animação é uma produção de um grande estúdio e conta com um elenco estelar nas vozes. Além de Kiefer Sutherland, ainda participam Lucy Lawless (Xena), Michael Rosenbaum (o Lex Luthor de Smalville) e Michelle Trachtenberg (de Bufy a Caça-Vampiros).

 

Portanto, aparentemente dinheiro não foi problema para a produção, o que reforça ainda mais a impressão de que a animação é propositadamente datada e antiquada. Pode ser também que a animação seja ruim, simplesmente porque a produção resolveu não gastar dinheiro nisso. As empresas envolvidas sabiam muito bem que os fãs dos livros comprariam o DVD, independente da qualidade lamentável da animação.

 

Algo assim também ocorreu com o primeiro filme do D&D, de 2000, que é igualmente bem mequetrefe, mesmo contando com Jeremy Irons, um ator excelente. Possivelmente a maior parte do orçamento da produção foi gastando contratando esse ator, porque ele é o único nome conhecido do elenco. Aliás, comparando com o filme D&D de 2000, o mais recente “Honra entre Rebeldes” parece uma obra prima, no nível de Casablanca ou Cidadão Kane. Apesar disso tudo, o fato é que a animação do primeiro volume de Dragonlance Chronicles existe, e quem for fã, talvez goste dela.

 

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Imagem IMDB: Filmes D&D – A Aventura Começa (2000) e Honra Entre Rebeldes (2023)

 

Algo que é comum a praticamente todos os livros do selo Dragonlance, é que as ilustrações das capas chamam muito a atenção, dando um show à parte. A belíssima arte das capas da trilogia original é do famoso ilustrador Larry Elmore, que fez inúmeros trabalhos para a TSR, nos produtos D&D. As edições posteriores, da trilogia original, tem arte de Matt Stawicki, e foram essas as edições lançadas nacionalmente. Alguns preferem a arte original, enquanto outros preferem a arte das edições mais recentes. Mas independente do gosto pessoal de cada um, não se pode negar que o trabalho tanto de Elmore, quanto de Stawicki são fenomenais. Também chama a atenção o fato de Stawicki imprimir o seu talento e a sua arte, mas mantendo a essência daquilo que Elmore fez originalmente.

 

Uma alteração ou inovação, nesses termos, é sempre positiva, porque apresenta algo novo, sem se desvincular totalmente do antigo. Isso só faz engrandecer tanto o livro em si, como o próprio trabalho dos dois artistas, porque a essência foi mantida e respeitada.

 

Todavia, pode ocorrer também, da nova arte “enfeiar” bastante um livro ou board game. No caso dos livros, um dos primeiros exemplos que vem à mente é a série a Roda do Tempo. O artista das edições originais foi Darell K. Sweet, famoso ilustrador de diversos livros de Sci-Fi e fantasia, indicados ao Hugo, o Oscar da categoria. A arte dessas capas é linda (Sweet desenhou todas menos a última), transmitindo muito bem o ambiente de fantasia medieval, onde a história acontece. Já a versão nacional trocou ilustrações belíssimas, e únicas, por um padrão escuro e genérico, sem nenhum sabor a mais, um verdadeiro “picolé de xuxu”.

 

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Imagem Google: Comparativo das Capas das Primeira Edições de Dragonlance Chronicles (Elmore à esquerda e Stawicki à direita)

 

A nova arte da versão nacional é um verdadeiro sacrilégio. E isso para uma série que é outro marco na literatura de fantasia medieval, com 90 milhões de cópias vendidas no mundo todo. A Roda do Tempo foi indicada ao prêmio Hugo e muitos também a consideram, como bem próxima de Senhor dos Anéis. Infelizmente ela não ganhou o prêmio em 2104, devido ao sistema de votação, que dá peso desproporcional para a segunda e terceira opção dos votantes. Mas o que interessa é que essa série entrou para a história, o que não se pode dizer da série literária vencedora.

 

Com a mudança da arte nas as capas das edições nacionais de Roda do Tempo, elas ficaram tão insossas, quanto a lamentável e equivocada série da Netflix, e bota lamentável equivocada nisso. Com todo o respeito aos profissionais envolvidos, mas essa obra prima de Robert Jordan merecia muito mais, mas muito mais mesmo. E isso, tanto em relação à série, quanto às capas das edições nacionais dos livros, que continuam excelentes, mas “embarangaram” bastante.

 

Retornando aos board games, duas alterações para pior na arte ocorreram em Descent: Lendas da Escuridão e no fenomenal Village. Em se tratando do primeiro basta citar aquele elfo estranhíssimo, que parece tudo menos um elfo. Já no caso do segundo, a nova arte do tabuleiro, da versão Big Box, mais parece um trabalho de ensino fundamental feito no Paintbrush. Se a ideia era pegar um tabuleiro lindo e transformar em uma versão “Minecraft xexelenta”, Jacqui Davis e Chris Quilliams, os autores dessa “façanha”, acertaram em cheio. O detalhe da igreja literalmente é de “chorar de raiva” dos sujeitos. Não tem “fidelidade” à arte do período que justifique isso. Ninguém trocaria a belíssima arte do Stone Age, por rabiscos rupestres, só para manter a fidelidade!

 

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Imagem Ludopedia: Comparativo de tabuleiros do Village

 

 

Ainda no caso do Village a “justificativa” foi deixar a arte mais próxima daquilo que se produzia na Idade Média, época do jogo. Mas pegar o Village, certamente um dos melhores trabalhos de um artista do nível do Dennis Lohausen (Ark Nova, Terra Mystica, Banquete à Odin, Marco Polo I e II, Bonfire, entre outros jogos top), disputado à tapa pelos maiores designers de board games de todos os tempos, e reduzir a uma imagem pixelada, que talvez até uma criança consiga fazer, é algo no nível de “crime contra a humanidade”. Não importa o quão mais temático o jogo fique, certos equívocos, simplesmente não se comete.

 

Obviamente nem sempre é possível utilizar a arte original de um jogo, ou capa de livro, por falta de um acordo entre editora e artista. Em alguns casos a razão é outra. No exemplo mesmo de Roda do Tempo, Darell Sweet faleceu em 2011, antes do lançamento do último volume “A Memory of Light” de 2013. Mas por uma questão de respeito ao trabalho do ilustrador original e de manter a essência da série, Michael Whelan (artista do último volume), fez um trabalho não igual e não copiado, mas no mesmo estilo das capas anteriores. Assim sendo, se não for viável manter o artista original o mínimo que se pode fazer é manter ao menos o mesmo estilo de arte.

 

Nos jogos modernos, o “culto ao novo”, um verdadeiro dogma resultante do HYPE e do FOMO, também funciona de outra forma bastante deplorável. No mercado de board games, para uma parte muito grande da comunidade boardgamer, conta bem mais o fato do jogo ser novo, do que ele ser bom. A impressão que se tem é que o jogo ser bom ou ruim é um mero detalhe, desde que ele seja novo.

 

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Imagem Google: Capas das Primeiras Edições de Roda do Tempo

 

E isso nem dá para se espantar, porque as editoras de jogos investem muito dinheiro fomentando o HYPE e o FOMO. E isso ocorre especialmente entre boa parte da mídia visual especializada. Não são todos evidentemente, porque muita gente ainda produz conteúdo por amor à causa, mas diversos outros fazem isso “a soldo”.

 

O resultado é que muitas pessoas compram dezenas de jogos, com quase nenhuma diferença para aqueles que elas já possuem, só porque são novos. No fim, o sujeito termina com uma coleção inchada e “inadministrável”, superior a 100 jogos, muitos dos quais não se consegue vender, nem passar adiante. Isso porque, em alguns casos, passada a novidade, aquele jogo que parecia tão bom, quando era novidade, às vezes se revela não tão bom assim. Inúmeras pessoas dentro da comunidade boardgamer já passaram por isso, e esse é um dos principais desafios que se enfrenta atualmente no hobby.

 

E o que isso tem a ver com a manutenção da essência dos board games? Absolutamente tudo.

 

Em alguns casos são feitas apenas “mudanças cosméticas”, com uma alteração aqui e uma inovação acolá. Isso inicialmente pode parecer bom, porque nesse caso, realmente se mantém a essência do jogo. O problema é que a manutenção da essência que deveria ser a preocupação principal, na verdade é totalmente acessória, em relação ao “fator novidade”.

 

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Imagem BGG: Battlestar Galactica e Insondável, reimplementação que manteve a essência

 

Claro que isso, apesar de frequente, não acontece em toda e qualquer reimplementação de um jogo antigo, um fenômeno nos board games, usado há décadas. Isso sem falar que em alguns casos a reimplementação acontece por motivos de força maior.

 

Uma quantidade enorme de boardgamers mais recentes já ouviu falar do, hoje lendário, Battlestar Galactica Board Game, que nem todos conseguiram chegar a jogar. O relançamento da versão original esse jogo é praticamente impossível. E isso, não apenas pela questão dos direitos de imagem dos atores da série, um enorme complicador, mas dos direitos do próprio jogo em si. A solução encontrada foi relançar o jogo como Insondável, mantendo quase toda a essência do jogo original, mas no universo lovecraftiano. Vale lembrar que a obra de H. P. Lovecraft já está em domínio público, mas isso não se aplica a todo o universo lovecraftiano. E isso porque parte dos Mitos de Cthulhu, criados posteriormente à Lovecraft, ainda pertencem à Chaosium (Call of Cthulhu RPG), e também à Arkham House.

 

Assim sendo, guardadas as devidas alterações de cenário e pequenas atualizações, a reimplementação (Insondável) mantém muito da essência do jogo original (Battlestar Galactica). O mesmo se pode dizer de Mombasa, que devido à sua temática polêmica, foi relançado como Skymines. No outro lado do espectro, existem novas versões de jogos que falharam miseravelmente, por fugir àquilo que o jogo original tem de melhor. O San Juan, que foi uma tentativa desastrosa de fazer um “Puerto Rico de cartas” é um claro exemplo disso. Na mesma categoria há o Invasores de Cítia, que, nem de longe, repetiu o grande sucesso do excelente Invasores do Mar do Norte.

 

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Imagem BGG: Survive Space Attack, uma Versão Sofrível de um BG Clássico

 

Em se tratando de novas versões ruins, não se pode deixar de falar da reimplementação “estilo Sci-Fi” do Survive, o Survive Space Attack. Essa versão espacial é basicamente um “Survive no espaço”, e mantém praticamente a mesma mecânica e funcionamento. Mas mesmo assim, não há a menor dúvida de que a mudança de uma ilha que afunda, para uma estação espacial, foi um desastre, mesmo mantendo todo o resto. Não é à toa que o jogo foi um fiasco de vendas. A diferença abissal do ranking BGG, entre a versão original e essa reimplementação dispensa maiores comentários, até para quem não curte rankings de board games.

 

Recentemente foi anunciada a nova versão do jogo Defenders of the Realm, a Legends Edition. Aliás, o jogo original tem uma excelente resenha do companheiro MuciLOn do Ludopedia, cujo link segue abaixo:

 

https://ludopedia.com.br/topico/83935/quando-arkham-pandemic-e-talisman-se-encontram

 

A arte da versão original é do fantástico e já citado Larry Elmore dos romances Dragonlance e RPGs da TSR. Já arte na nova edição ficou por conta de Jacob Croft e Nolan Nasser. O primeiro tem apenas sete entradas no BGG, todas as outras referentes ao mesmo jogo Adventure Tatics: Domianne’s Tower. O segundo artista tem um cartel melhor, e fez parte da equipe do Spirit Island.

 

Além disso, outros jogos menos conhecidos do Nolan Nasser demonstram que ele sabe desenhar e desenhar bem. Esse é o caso de jogos como New Bedford e Fate of Elder Gods. Além disso, Nolan Nasser sabe ser inovador (basta procurar seus trabalhos no google), com também fazer algo no estilo da arte do jogo original. Basta citar a arte da caixa do jogo Fleet de Eric J. Carter, e a arte da caixa do Fleet Dice Game, de Nolan Nasser.

 

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Imagem BGG: Diferença das artes das versões do Defenders of the Realm

 

Já o primeiro artista, Jacob Croft tem um estilo muito cartunesco, lembrando bastante a arte dos mangás infantis, mas que não foge disso. Basta dizer que ele trabalhou em um único board games, conforme o BGG, e mais nenhum outro até o Defenders of the Realm Legends Edition. Infelizmente a arte dessa nova versão cai mais para o lado de Jacob Croft (provavelmente o artista principal) do que para o Nolan Nasser. E isso é uma pena, porque conseguir uma cópia do Defenders of the Realm original, deve ser mais difícil do que um Hobbit matar um dragão, com uma colher de pau.

 

Vale lembrar e ressaltar mais uma vez, que o mundo evolui, as coisas se transformam, e o velho dá lugar ao novo. Isso não é nem uma questão de entendimento, mas um simples fato da vida, com o qual não adianta brigar. Na verdade é até bom que as coisas sejam assim, porque se nunca surgisse nada novo, em lugar algum, a vida seria de um tédio e de um marasmo totais. Além do que, todo mundo quer e trabalha para que as coisas evoluam e melhorem. Esse é o verdadeiro espírito da filosofia kaizen, “hoje melhor que ontem, amanhã melhor que hoje”, muitas pessoas e empresas adotam.

 

Mas a novidade por si só não garante nenhuma melhora, principalmente quando se afasta dos valores que tornaram “algo” bom e fizeram desse “algo”, um sucesso. Para terminar fica aqui uma imagem e uma reflexão: que futuro uma árvore pode ter, se seus novos galhos implicam, obrigatoriamente, em cortar sua raiz.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

 

P.S. Quem porventura tiver interesse em textos no mesmo estilo pode encontrá-los acessando o canal iuribuscacio no Ludopedia ou a seção de Jogos de Tabuleiro no portal maxiverso.com.

 

https://ludopedia.com.br/canal/iuribuscacio

https://maxiverso.com.br/blog/category/nerdgeek/jogostabuleiro/

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

6 thoughts on “Atualização Sim, Mas Sem Perder a Essência

    1. Cara Luciana Pam

      Sinceramente, não se o caso do Pandemic e do Pandemic Legacy se aplicam a essa discussão, porque em termos gerais, não houve mudança significativa nas características essenciais do produto de uma versão para outra. Outro exemplo disso é o Ticket to Ride e o Ticket to Ride: Lendas do Oeste.

      Tanto em um caso quanto no outro não apenas a arte, mas a essência do jogo não sofre qualquer alteração. A diferença é que o conceito de jogo Legacy, pega um jogo original e insere um sistema de campanhas, cujos resultados de uma partida, influencia diretamente na partida seguinte.

      Claro que as versões Legacy adicionam novos elementos. Mas basta pegar os tabuleiros tanto do Pandemic quanto do Ticket to Ride e colocar ao lado dos tabuleiros das suas respectivas versões Legacy, para ver o quão pouco mudou. Ainda no caso do Pandemic e do Pandemic Legacy, muito da própria arte do jogo original foi reaproveitada na nova versão (Season 1).

      Na minha opinião essa é uma estratégia proposital para, no sentido de mostrar mesmo sendo uma nova forma de jogar, o Pandemic Legacy ainda tem bastante do Pandemic original que tantos amam. Isso sem dúvida facilitou bastante a aceitação da versão Legacy. Basta dizer que o conceito de jogos Legacy não surgiu com o Pandemic Legacy, mas com o Risk Legacy. Porém, até o surgimento do Pandemic Legacy as pessoas nem sabiam, ou e sabiam não davam a menor importância a esse conceito. Mas depois que o Pandemic Legacy saiu, a coisa mudou da água para o vinho e versões Legacy de jogos consagrados para todo o lado.

      Claro que outras pessoas podem achar que o Pandemic original e o Pandemic Legacy são totalmente diferentes, e que não tem nada a ver um com o outro. A percepção da intensidade de mudança varia grandemente de uma pessoa para outra. Uma pessoa pode achar que uma versão Legacy muda absolutamente tudo, enquanto que outra pessoa pode achar que muda alguma coisa, mas muito pouco como é o meu caso. Só para dar um exemplo basta lembrar que tanto o Pandemic Legacy quanto o Ticket to Ride Ledas do Oeste não muda drasticamente a forma de jogar, que é basicamente através da compra e utilização de cartas. Nenhum dois dois largou totalmente as cartas e passou a utilizar apenas dados, e isso sim seria uma senhora mudança. Por outro lado, o fato do final de uma partida influenciar diretamente no início da partida seguinte, para algumas pessoas pode representar uma mudança fundamental, opinião que eu respeito, mas simplesmente não concordo.

      Aliás, na minha humilde opinião, justamente o fato do Pandemic Legacy ter mantido fortemente o estilo de arte, e a essência do jogo original, foi fundamental para o sucesso estrondoso da nova versão.

      No fundo, como quase tudo na vida, se a versão Legacy do Pandemic é totalmente diferente, ou apenas um pouquinho diferente da versão original, vai depender inteiramente dos parâmetros e do entendimento de cada um.

      Um forte abraço e boas jogatinas!

      Iuri Buscácio

  1. E o que dizer das versoes diferentes do Coup? Cada pais parece que tem sua arte, entao nao da pra considerar versao nova ou relançamento, mas como teve uma arte “originalmente lançada” eu incluo nessa categoria.

    1. Caro Cintro

      Só para esclarecer, eu não tenho nada contra o relançamento de um jogo ou livro com uma arte nova, desde que se mantenha o estilo da arte original. O que eu não acho legal é pegar e “atualizar” a arte para algo totalmente diferente, como foi feito com a nova edição Defenders of the Realm: Legends Edition. Eles pegaram a arte original e fizeram praticamente uma versão mangá do jogo. Do mesmo modo, eu também não concordaria em pegar o One Piece, que é uma marco na história do mangá, e relançar com o estilo do Spawn do Todd Mcfarlane, pelo mesmo motivo.

      Eu prefiro que se mantenha a essência e a arte original do produto, como aconteceu no exemplo que eu citei em que o trabalho do Larry Elmore foi reimaginado pelo Stawicki, mas mantendo o mesmo estilo como ocorreu com uma série de outros artistas excelentes como Clyde Caldwell, Jeff Easley, Todd Lockwood, só para citar alguns.

      Claro que isso não que dizer que eu seja contra qualquer versão, e talvez isso não tenha ficado claro no meu texto. Uma coisa é uma versão, e quanto a isso eu não vejo problema, justamente porque se está lidando com a forma como outra pessoa enxerga aquela arte. Outra coisa bem diferente é lançar uma nova edição, que é basicamente um novo produto relançado com nova roupagem.

      Mantendo o exemplo do mangá, uma coisa é você pegar o Rurouni Kenshin, também conhecido como Samurai X, ou marco na história do mangá, manter o mesmo enredo transportando a história para o faroeste norte-americano, trocar os samurais por pistoleiros, trocar a ordem dos quadrinhos para o formato ocidental de leitura de HQs, colocar o Frank Miller para desenhar, e dizer que esse é o novo Rurouni Kenshin.

      Nesse caso, essa reedição fica tão distante do original, que até poderia ser outro produto, com outro título, apenas com a indicação de ser levemente baseado no Rurouni Kenshin. Só que aí não seria uma reedição, mas sim uma nova versão do original.

      Esse exemplo que eu dei foi exatamente o que Hollywood fez com “Os Sete Samurais” do Akira Kurosawa, mas que chamou de “The Magnificent Seven”, ou “Sete Homens e Um Destino”, um clássico e um dos melhores faroestes já filmados (o de 1960 e não aquelas baboseiras que vieram depois).

      Para terminar, gostaria de reforçar ainda mais, que essa é apenas uma opinião muito particular minha, e respeito totalmente quem pensa que essas novas versões, que se afastam o máximo possível do jogo original são ótimas. Apenas não concordo com isso.

      Um forte abraço e boas jogatinas!

      Iuri Buscácio

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