Crítica: Folhas de Outono

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Direção: Aki Kaurismäki

Elenco: Alma Poysti, Jussi Vatanen, Martti Suosalo, Janne Hyytiäinen, Sakari Kuosmanen e Nuppu Koivu

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Tenho uma queda por filme sobre casais unidos (ou não unidos) pelo acaso e destino, independente do cenário ou contexto. Podendo passar por obras primas clássicas como Hiroshima Meu Amor de Resnais, mais contemporâneas como a trilogia do amor de Richard Linklater ou Amor à Flor da Pele de Wong Kar-Wai. Em todos os casos, em um nível maior ou menor, os amores e certa melancolia sempre estão presentes.

Assim, o diretor finlandês Aki Kaurismäki mantém essa capacidade quase particular de misturar sentimentos diversos em um filme (curto, diga-se de passagem) e ainda soar como uma homenagem ao cinema; algo já abordado em sua filmografia com a trilogia do proletariado da década de 80 (“Sombras no paraíso”, “Ariel” e “A garota da fábrica da caixa de fósforos”).

Aparentemente soando sempre como uma simples obra romântica de acasos e imprevistos, esse delicado Folhas de Outono possui várias camada de um verniz melancólico de humor sutil sobre dois indivíduos sem grandes perspectivas experimentando a satisfação de encontra sua alma gêmea; uma obra com pitadas de viés sociopolítico (como a falta de direitos, assédio no trabalho e o patriarcado) característico, tendo como pano de fundo uma guerra num num mundo com poucos risos e cores. Mas ainda assim, somos cooptados por uma atmosfera de leveza.

Trabalhando em um pequeno mercado, a personagem interpretada por Alma Pöysti, cuja vigilância para que os funcionários não roubem produtos é constante (vencidos, diga-se de passagem, como referência a aqueles personagens e as suas próprias percepções de si). Enquanto isso, Holappa (Vatanen) trabalha limpando peças pesadas e sofrendo com alcoolismo e sua única forma de escape são os encontros às sextas para cantar em um karaokê; igualmente preenchido de indivíduos tão infelizes quanto ele, com suas faces duras e inexpressivas.

Sonhadora, mas sempre com pés no chão dentro de seu pequeno apartamento no subúrbio de Helsinki, a jovem tem poucas distrações que não sejam suas preocupações para pagar suas despesas ao pular de emprego em emprego. Enquanto Holappa é igualmente acostumado com a solidão, com uma autoimagem desfigurada como um espelho quebrado, atormentada inconscientemente pela bebida. Mas a direção de Kaurismäki leva o espectador a experimentar a dinâmica sutil entre os dois sem grandes assaltos, e temos espaço para o romantismo nas pausas constrangedoras entre as poucas palavras que conseguem dizer no primeiro encontro. E as discussões e tristeza dos pequenos desencontros são incrementadas pelas constantes intromissões radiofônicas sobre acontecimentos da guerra da Ucrânia dando o tom trágico ao fundo.

Ela é sonhadora e apesar de tudo ainda nutre um carinho por Holappa, mesmo diante de seu vício e sua fala quase robótica para tentar expor seus sentimentos. Aliás, os sentimentos ainda podem ser explicitados através da adorável trilha sonora. Trilha essa que é praticamente diegética (faz parte daquele universo) por extenuar de maneira inesperada as ações internas do casal; seja principalmente ouvida no karaokê cantada pelo amigo de Holappa ou por uma banda de meninas cantando coisas como “Até cemitérios tem cercas”.

Tudo na narrativa tem seu tempo certo, o tom certo, externando uma gama de sensações na medida certa da narrativa em seus detalhes, como por exemplo, o figurino da protagonista vai mudando sempre do vermelho para cores mais escuras de acordo com o estado do relacionamento para em seguida retornar a cor original quando há esperança do relacionamento ir adiante. Kaurismäki não desperdiça nada e cria um constante exercício de empatia para o casal diante das dificuldades pessoais e sociais.

Folhas de Outono é sublime também ao homenagear o cinema de maneira quase metalinguística, e mesmo que o espectador não reconheça tais referências, ele é capaz de entender que tem algo cinematográfico ali devido a sua plasticidade. Seja o papel sendo levando pelo vento, o adeus dentro do bonde partindo, no enquadramento através da janela durante a chuva ou até mesmo nos inúmeros cartazes espalhado no filme, como Rocco e Seus Irmãos, Duas Vidas ou até mesmo deboche dos filmes de Godard; isso sem contar, na referência a cena da sessão do cinema de Taxi Driver (no caso, comicamente, sai filme erótico e entra filme de Zumbi de Jim Jarmusch).

Folhas de Outono não é um filme de riso solto, drama explícitos ou choros copiosos, pelo contrário. Admirar esse equilíbrio, seu ritmo e pequenas reviravoltas se dá justamente por permitir apreciarmos cada detalhe e acompanharmos aqueles duas pessoas absolutamente comuns; mas que caminharão juntos em busca da recompensa, com um sorriso na estrada à frente.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

2 thoughts on “Crítica: Folhas de Outono

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