Crítica: Maestro
Direção: Bradley Cooper
Elenco: Carey Mulligan, Bradley Cooper, Sarah Silverman, Brian Klugman, Josh Hamilton, Scott Ellis, Matt Bomer, Yasen Peyankov, Miriam Shor Zachary Booth, Michael Urie Gideon Glick Tim Rogan e Maya Hawke.
Leonard Bernstein alcançou a fama de maneira precoce.
No inicio da década de 40, aos 25 anos, dirigiu, mesmo acidentalmente, a filarmônica de Nova Iorque sem um ensaio sequer. Tal ato transmitido pelo rádio para todo país o tornou um herói, e a partir desse momento sua carreira deslanchou até se tornar regente permanente da orquestra durante anos. Além do mais, Bernstein se aventurou no teatro e cinema culminando em um dos mais influentes musicais de todos os tempos: West Side Story (1957).
Bissexual, gênio, militante (algo praticamente ignorado no filme) e “professor” de Lydia Tár (piada inevitável), Bernstein teve uma vida típica dos grandes nomes da arte, com seus conflitos e dramas pessoais. Mas nada disso seria possível caber nesse Maestro (dirigido e “protagonizado” por Bradley Cooper) até porque a carreira em si não é o foco narrativo do filme, mas sua orientação sexual (mesmo que aparentemente o filme esqueça-se de discutir tal elemento devido à época que se passa o filme) e seu casamento com a atriz Felicia Montealegre (Mulligan); essa, claro, o principal motor emocional do filme, numa atuação tocante da atriz.
Assim, as perguntas permeiam toda existência da personagem: como lidar com um marido famoso e seus casos extraconjugais com homens? Como abrir mão da carreira como atriz em nome da família? Como reagir, depois de anos, ao preço que pagou por seguir seus sentimentos por Leonard? Como aceitar as decisões do marido apenas porque isso dá prazer a ele, ou mesmo servir de consciência quando esse passar por uma figura desleixada de talento e arrogância.
Narrativa essa que o diretor tenta sempre seguir bem certinha e com apuro visual, com momentos inspirados bem vindos, principalmente por ser um diretor em início de carreira, sempre se preocupaando com esse aspecto (qualidade essas já vistas na versão recente de “Nasce uma Estrela”); mesmo que ainda soe esquemáticos por momentos. Seria como se atendesse uma cartilha da academia do Oscar e evitasse ofender alguém ou a imagem do retratado, principalmente pelo fato de que nos créditos finais surgem os nomes de Scorsese e Spielberg como produtores (esse segundo influenciado por Bernstein devido a West Side Story).
Então correr grandes riscos não seria algo provisionado por parte de Cooper!
Iniciado numa entrevista já no final da vida em que Leonard relembra sua esposa, a obra logo em seguida corta para décadas atrás, aproximadamente quando o então jovem Bernstein aspira à carreira de maestro na filarmônica de NY, ao mesmo tempo em que conhece Felicia, cuja sequência de ônibus remete a um contexto clássico (o veículo chegando do nada em meio à rua escura, como algo desconhecido prestes a surgir).
Emitindo uma persona sempre espontânea e com um sorriso no olhar que por muito esconde suas dores, mas mantendo certa dose de realidade com o mundo que a cerca, Felicia é a âncora do relacionamento por Leonard aparentar mais efusivo e contagiado inicialmente pelo mundo do espetáculo e festas.
Portanto, todos os esforços de Cooper vão para essa dinâmica, e repito o que disse anteriormente: méritos para um diretor que, apenas em seu quarto filme, sempre busque fazer o mínimo dentro da direção (mesmo soando tudo certinho demais).
Assim, suas decisões soam na maior parte elogiáveis e criativas. Pode soar até chato da minha parte, mas não consigo deixar de mencionar tais elementos, como por exemplo, a cortina do “quarto” que ele se revela (artística e sexualmente) para o público; as transições de cenas típicas de musicais servindo como metáfora para sua orientação sexual e amor por Felicia, confirmado pelo movimento de câmera que foca o dançarino e Leonard juntos e depois volta para ela; cuja cena tem a continuidade num bonito corte com os dois entrelaçados na cama. Ou num mesmo movimento da câmera repetido mais para o final do filme, mas num contexto bem diferente devido ao estagio desgastado do relacionamento. Assim como em um plano específico dela atuando, quando a sombra do marido ressaltado sobre sua figura com força reflete como ele subjuga sua carreira, etc.
Além do mais, Cooper sabe explorar a doçura do rosto de Mulligan quando essa sente um dos últimos momentos de autoestima ao retornar a carreira de atriz e vê algum interesse romântico novo. Ou até mesmo do namorado de Bernstein, quando esse é “trocado” por Felicia, sentimos a decepção do rapaz.
Ou seja, exemplos não faltam.
Fora que é importante ressaltar a fotografia de Matthew Libatique, enquadrando o casal seguidamente entre as frestas das portas, como se o relacionamento ficasse cada vez mais sufocado, ou quando não, afastando a câmera demonstrando a distância que já estamos deles, e que estão um do outro.
Isso, claro, pelo fato de usar um razão de aspecto reduzida (tela quadrada) de maneira que sirva ao filme por maior parte do tempo. Se o uso do preto e branco tem a conotação clara do aspecto clássico/antigo do filme em sua primeira parte, a mesma razão se mantém quando o filme se torna a cores, no final dos anos 50 (coincidindo com a chegada da TV colorida?). E qual seria o motivo? O que teria mudado? Bem, como a primeira imagem que surge é Felícia de costas, fica claro o significado que, apesar das cores e glamour que atingiram aquele relacionamento, ele não é o mesmo e ela não tem mais interesse em manter aquelas condições.
Mas o roteiro do próprio diretor com Josh Singer tem sim problemas.
Ao tentar amarrar as motivações de Leonard, meio que maneira atropelada (algo pelo ódio, amor e fé em conjunto ao poder ensinar jovens), Maestro sofre pela sua estrutura de flashback ficando meio que no caminho da real identidade ou indeciso ao tentar preencher as lacunas comportamentais do biografado, sem grande clareza. Uma espécie de gangorra, ao ter que abordar as ações de Leonard, mas lembrando de que a força do filme não é exatamente ele. Um fardo muito complexo, que o roteiro não consegue exprimir.
Usando seus minutos finais para criar uma carga dramática eficiente devido ao desempenho de Mulligan (e qualquer cena a partir desse momento é de uma dor e tristeza penetrantes), a obra tenta a todo custo ressaltar a figura da esposa (ratificando e simbolizando pela palheta de cores frias com o azul predominando) como uma espécie de figura principal (e ela é, óbvio) para no momento seguinte jogar Leonard numa boate predominantemente vermelha (repare um vulto passando de azul rapidamente à frente, como se aquilo fosse efêmero) e depois como mestre paciente e idolatrado junto a jovens músicos.
Mas saímos do filme com a imagem de Leonard como um dos maiores músicos do século passado, mesmo que essa ideia é mais por questões mais fora da tela do que mostradas necessariamente no filme. A cena dele regendo a orquestra com ímpeto único é um dos pontos altos do filme e o desempenho de Cooper é para agraciar indicações (fora a elogiável maquiagem feita no ator, transformando-o no maestro, que os closes não deixam de exaltar).
Mas a imagem final que temos é de Felicia.
Rodrigo Rodrigues
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Filme bem monótono e parece sem sentido
deixa ver se entendi bem, o filme sobre um dos maiores musicistas de todos os tempos não é sobre sua carreira, mas sim sobre sua orientação sexual, só que o filme não discute essa questão, é isso mesmo? obrigado, passo…