Direção: Todd Field

Elenco: Cate Blanchett, Nina Hoss, Noémie Merlant, Sydney Lemmon, Jessica Hansen, Adam Gopnik, Kitty Watson, Fabian Dirr, Allan Corduner e Mark Strong.

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Cadê nossa garota? Você ainda a ama?

Tais perguntas, feitas ao público, que iniciam esse ótimo Tár, foram fazendo ainda mais sentido quando vamos compreendendo esse estudo de personagem, moldado de maneira elegante ao trazer discussões complexas dos limites e formas de atingir um ideal profissional e pessoal; além do mais, insere de forma igualmente fluida outros temas atuais como a visão de como o erudito pode ser visto através de novas gerações sobre a arte e seu artista.

Mas não pense que o diretor Todd Field entregará pontas soltas para serem amarradas simplesmente numa discussão rápida, pois o que recebemos é um jogo psicológico de sedução, afetando a mente e comportamentos de todos ao redor da protagonista, proporcionalmente genial à sua própria visão egocêntrica.

Portanto, adoraria deixar a atuação de Cate Blanchett mais para frente do texto, mas chega ser impossível, uma vez que irremediavelmente a atriz tem umas melhores performances da carreira, senão a maior, dentro de tantas excepcionais.  A naturalidade de Cate Blanchett transitando em outras línguas e pelos nuances da sua personagem é fundamental para nos identificarmos com aquele universo distante do grande público.

O controle do tempo do maestro nos pequenos gestos (do delicado ao mais intenso, regendo a orquestra), o detalhe em degustar cada nota, a sensação quase religiosa em estar sozinha diante do público – e Deus, como ela mesma diz – e compreender os sentimentos que a música pode tocar em cada pessoa, fazem seu desempenho algo único.

Lydia Tár não permite concessões, sua posição na comunidade musical é escudo e lança ao mesmo tempo, invejada por músicos medíocres e bajulada pelos homens de negócios. Seu pedestal a transforma em uma pessoa asséptica e com contatos passando pelo seu crivo.

Iniciado com uma interessante montagem privilegiando o silêncio dos objetos em cena, somos apresentados à maestrina Lydia Tár através de seu extenso currículo antes de uma entrevista sobre uma apresentação adiada pela pandemia que irá ser finalmente realizada futuramente. Mas o diálogo contendo termos que poderia fugir do grande público é facilitado pela agilidade da direção e da própria atriz em dar credibilidade a aquelas palavras, cuja apresentação será um forma de transmitir o mais puro sentimento: o amor. Mas como dito, o caminho é longo e a destruição de tal elemento é possível, principalmente pelo não reconhecimento de uma das partes ou até mesmo pela falta de fidelidade; isso obviamente serve para música e assuntos em geral em que muitas das discussões são pautadas por “especialistas” vindo das redes sociais.

Transmitindo elegância e força, Blanchett é a própria representação das camadas do filme, seja falando sobre música clássica ou sua vida pessoal; sendo assim, temos uma rica base para analisar a protagonista, uma vez que visualizarmos três segmentos que vão se misturando aos poucos, como as notas musicais. Méritos para a sempre forte e expressiva Nina Hoss como companheira da protagonista (vítima do comportamento de Lydia e transmitindo quase uma resignação) e de Noémie Merlant como Francesca, secretária de Lydia. Aliás, não é coincidência a presença de Merlant, seu desempenho no belíssimo Retrato de uma Jovem em Chamas funciona como uma fonte para alimento para o ego de Lydia, uma vez que, devido o relacionamento passado das duas, Francesca é outra vítima do temperamento da chefia por manter próxima afetivamente e profissionalmente, mas ciente que talvez nunca seja permitido seu avanço na carreira musical; tanto que nesse momento percebemos o tal desmembramento da protagonista nas suas três frentes do cotidiano, existindo, assim, uma zona cinzenta que será a porta de entrada para seus maiores conflitos.

É nesse ponto que a obra se aprofunda de maneira ainda mais fluída ao demonstrar a complexidade da protagonista.

Trazendo sequências que vão mudando de acordo com o aspecto moral da maestrina, o diretor Todd Fiel transita em estilos ao usar planos mais abertos para ampliar o poder dela diante de outros músicos, como no inicio da cena que conta sua intenção de demitir um antigo membro da orquestra; ao mesmo tempo em que vão trazendo planos mais fechados enquanto Lydia corre pela cidade, simbolizando seu estado mental se afunilando ou na cena em que ela nada por corredores escuros a procura de sua aluna entre gritos supostamente reais.

O que no traz à engenhosidade do roteiro em inserir densas sensações quase como um filme de suspense de algo ou alguém à espreita, no entanto, funcionando como reflexo interno do seu estado mental. Aliás, não sendo à toa que por alguns momentos vemos Lydia através de espelhos, como simbolismo de sua obsessão e seu desenvolvimento psicológico, remetendo até um pouco a Cisne Negro de Aronofsky. Portanto, esse possível estágio seria o limite da personagem, seria uma culpa?

Assim, vamos desvendando mais da alma e comportamento espinhoso de Lydia, permeados de mentiras e vícios, e se em determinado momento durante a entrevista mencionada anteriormente, Lydia expõe todo seu erudito como forma de posicionamento seguro e natural, é intrigante vermos suas contrapartidas e perda do controle, que tanto a manteve na sua posição. Sejam problemas no casamento devido ao interesse em uma jovem aluna ou no confronto em sala de aula sobre cancelamento ou não de gênios da música devido ao sua orientação sexual/comportamento racial; e se esse dilema em separar arte do artista para Lydia seja algo óbvio em não definir a importância da obra do autor, ela sabe que tal discussão é maior e mais complexa que um debate de internet disseminado por vídeos manipulados para expor apenas uma opinião e agredir um lado.

Sua descida aos porões de sua mente – como um recomeço para sua carreira e vida pessoal – transforma a obra numa referência a Apocalipse Now; entretanto, aqui, sua busca é por uma individualidade, para resgatar o que se perdeu pelo caminho, e essa busca passa – ironicamente – por um segmento que sempre pareceu entender a arte como escapismo.

Assim, voltando rapidamente a aquela discussão da arte e artista, o fato de ter que usar seu imenso e inigualável talento profissional como último refúgio para ganhar uma sobrevida, soa quase como uma descida ao inferno pessoal; e não tenho certeza ser ela irá conseguir fugir disso.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

7 thoughts on “Crítica: Tár

  1. parabens pela analise um filme muito interessante mas que a geração tik tok vai achar chato e parado demais

  2. essas cinebiografias eu detesto… vc nao sabe o que é real e o que é liberdade poetica do roteiro, prefiro nem ver do que me sentir em duvida sobre o que eu to vendo

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