Crítica: The Banshees of Inisherin

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Direção: Martin McDonagh

Elenco: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Pat Shortt, Gary Lydon, Sheila Flitton, David Pearse e Barry Keoghan

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Mesmo com uma filmografia curta, o diretor Martin McDonagh tem mostrado qualidade ao trabalhar contextos da natureza humana quase como um teatro burlesco, mas com níveis trágicos suficientes sem que haja um desequilíbrio narrativo dessa própria disposição humana diante do público.

Se no bom Na Mira do Chefe (2008) e no premiado Três Anúncios para um Crime (2017) temos uma tentativa de redenção diante da perda irrecuperável, nesse Os Banshees de Inisherin ele mantém o nível ainda mais elevado ao discutir a relação entre indivíduos aparentemente simples, mas prisioneiros de suas próprias ambições e rotinas, cercados de outros tantos personagens nas mesmas condições num contexto de perpetuação do legado humano; criando também uma espécie de rede uníssona e pitoresca ambientada numa bucólica cidade litorânea irlandesa no ano de 1923. Uma obra que ganha contornos cômicos em seu formato, mas exponencialmente aprofundada num drama sombrio, denotando a habilidade de McDonagh em criar atmosferas difusas sem comprometer suas abordagens.

Assim, quando Pádraic (Farrell) questiona ao seu amigo Colm (Gleeson): “Você costumava ser legal! E agora, você sabe o que você é?” e, após um breve silêncio para uma autoconclusão, “Peraí, talvez você nunca tenha sido!” soa como escopo da dinâmica entre os dois amigos. Se o primeiro traz uma conduta inocente, quase apedeuta (o fato de andar com um burro como animal de estimação não é toa), o segundo já mostra um enfurecimento silencioso por não suportar as mesmas conversas do companheiro numa mesa de um bar moribundo no meio do nada. Aliás, logo de cara, já vemos o excelente roteiro ao mostrar inicialmente Pádraic sem muita noção ao ponto de sequer notar rapidamente a indiferença do amigo mesmo com a insistência do segundo em dizer preferir ficar distante e trabalhando essa essa sensação de afastamento – ora aparentemente definitivo, mas em outros momentos como se ainda restasse uma fagulha de esperança para as coisas voltarem ao normal.

Os Banshees de Inisherin acaba moldando constantemente nossa percepção dos personagens e suas motivações – algumas nobres – mas sem jamais deixar de atingir aqueles em que se ama de maneira definitiva. Como acabei de mencionar o roteiro e dinâmica, é válido notar com elas se dão entre Pádraic e Colm, durante boa parte dos diálogos notamos sempre certa vantagem para Colm, o que é normal uma vez que o personagem é o reagente à insistência sobre seu estado (“Em breve vou morrer sem nada para mostrar, exceto as conversas que tive com um homem limitado”).

Repetindo uma parceira 14 anos depois, tanto Colin Farrell como Brendan Gleeson entendem a força e fragilidade de seus personagens; Farrell tem aqui uma das suas melhores atuações ao trazer para Pádraic vulnerabilidade, demonstrada com seu andar quase inseguro, e com frases que soam quase como um misto de decepção infanto-juvenil na maneira de pensar diante de um mundo adulto cheio de pensares e responsabilidades existenciais; Ao ponto que Gleeson não tem dificuldade de se impor como indivíduo amargurado, semblante fechado e sempre imprevisível em suas ameaças em tentar deixar um legado para a história (aqui sua autoindulgência sequer permite reconhecer seu falho conhecimento sobre música ao discursar sobre Mozart).

Inclusive, é interessante percebermos com a direção tenta, através da mise-en-scène  da cena (marcação dos atores, iluminação), igualar a posição deles dentro do contexto do filme por alguns momentos, seja um deles tomando a posição anterior do outro na mesa do bar alocada fora do estabelecimento ou ao ver o amigo pela fresta da janela como uma obra de arte a ser decifrada.

Aliás, por falar em janela e arte, é elogiável que tais elementos sejam simbolicamente vistos como uma prisão e fuga, pois ao olhar o horizonte pelo pequeno espaço ao por do sol, Colm vislumbra uma saída não somente física, mas mental através da musica que compõe a arte presa dentro de si como algo superior diante do cenário que se encontra. Não sendo coincidência que o excelente trabalho de design de produção traga na residência de Colm elementos artísticos significativos para seu contexto, como máscara, marionetes. Ou seja, sua decisão que levou ao conflito seja algo que estava sendo alimentado há tempos.

E o elemento religioso (obvio, pois estamos falando de uma historio dentro do conflito católico e protestante), ao trazer crucifixos espalhados pela projeção, é tão simbólico para Colm dentro de um processo de autodestruição e culpa que o humor sombrio do filme consegue – eficientemente – tratar tal componente como algo complexo para aqueles personagens, quando apenas tinham os ingleses como inimigos.

Além do mais, os dois contam com uma base dramática quase que paralela que, para mim, chega a ser tão eficiente quando a principal, que é a presença de Siobhán (Condon) como irmã de Pádraic e Dominic (Keoghan) um filho de policial que vê em Pádraic um espelho e caminho devido a seu interesse em Siobhán. Se Dominic possui uma limitação intelectual, sua doçura é comovente em reconhecer seu estado e ao mesmo tempo demonstrar uma destreza em enxergar o seu redor com mais clareza e as mudanças no comportamento de Pádraic, mas não uma violência doméstica, assumindo uma postura acidental de mártir.

Assim, são justificáveis as indicações para Kerry Condon, sua Siobhán talvez seja também afetada, principalmente numa época que uma mulher culta e solteira seja vista com preconceito e até misticismo; e sua função de servir com um norte intelectual ao ponto de torcemos mesmo para que ela se livre daquele mundo que a prende.

A incredulidade dos amigos com as atitudes do outro traz ares de conflito e atitudes inevitáveis, tornando-os aquilo que evitaram a vida toda ou nem saberiam que poderiam ser. No caso, em Pádraic cria-se maturação como toda guerra exige, e se posicionar mesmo como as explosões distantes de uma armada ainda invisível é irremediável para a sobrevivência; uma hora a conta chega e mesmo que seja nobre a intenção de Colm (um ser odioso a essa altura) em criar um legado artístico para eternidade – como Mozart -, sacrifícios e crimes são feitos.

É brilhante como Os Banshees de Inisherin (uma música antiga que agrada Colm pelo som dos “sh”) deixa a sensação também para fora da tela desses sentimentos entre eles. Rancores são expostos mutuamente, vinganças são praticadas, ódio toma conta da alma humana em que todos deixam de ser apenas vítimas sem saber quando esses demônios ocultos emergiram, lapidados ao fogo da ira.

Ao final, a pureza aqui não tem mais espaço… ou foi morta.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

6 thoughts on “Crítica: The Banshees of Inisherin

  1. Independente de opinião do crítico diante de títulos prévios de Martin McDonagh, a verdade é que “Os Banshees de Inisherin” fideliza fãs de longa data, reconquista os que se tornaram detratores de seu cinema e encanta passageiros de primeira viagem. A razão está em prosseguir fornecendo uma autoria reconhecível em narrativas com indivíduos de algum modo estagnados emocionalmente diante da banalidade e barbaridade da vida, mas agora em um contexto mais sutil e introspectivo. Espero que entenda meu comentário.

  2. Pra que todos saibam e os haters babem, Os Banshees of Inisherin apresenta notas muito altas nos principais sites especializados em críticas de cinema. No Rotten Tomatoes, a produção conta até o momento com 97% de aprovação baseada em 312 críticas da mídia especializada e 76% de aprovação do público, com mais de 500 críticas publicadas. Já no Metacritic, a nova obra da Searchlight Pictures está com a nota 87 de 100, baseada em 62 críticas da mídia especializada, e nota 7.4 de 10 baseada em 165 críticas do público geral. Em ambos os sites dos Estados Unidos, estas notas indicam aclamação universal.

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