Crítica: A Baleia (The Whale)

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Diretor: Darren Aronofsky

Elenco: Brendan Fraser, Hong Chau, Sadie Sink, Ty Simpkins, Sathya Sridharan e  Samantha Morton.

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A escrita serve com um refúgio, uma exposição de nossa maneira de entender o mundo… que talvez fosse improvável dizer de outra forma. A arte de se posicionar num mundo de pré-julgamentos necessita de uma força ainda maior; e como tal, elementos servem como forma de compartilhar conhecimento e incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo, o resultado tona-se ainda mais satisfatório.

Dito isso, esse A Baleia do diretor Darren Aronofsky poderia servir inicialmente nesse contexto de autoajuda se não estivéssemos falando do diretor de obras tão perturbadoras como Réquiem para um Sonho, O Lutador, Pi, Cisne Negro ee! Ele explode na face do espectador as falhas humanas sem sutilezas em seus filmes, onde Jared Leto e Jennifer Connelly chegam ao fundo do precipício por drogas, Mickey Rourke transforma sua vida numa roleta russa constante devido ao amor pela luta livre, Natalie Portman é símbolo da busca pela perfeição artística com tons psicóticos e Jennifer Lawrence sofre a pressão da maternidade em forma de horror, dentre outros.

Vivendo recluso num pequeno apartamento, Charlie (Fraser) administra aula on-line sobre redação sem que os alunos possam vê-lo pela câmera devido ao medo da reação com sua aparência. Pesando quase 300 quilos e com a pressão arterial passando de 200, Charlie recusa ajuda médica mesmo que um colapso seja iminente e o único contato externo dele é a amiga Liz (uma excelente Hong Chau) que tenta a todo o custo fazê-lo mudar de ideia e procurar ajuda. Mas o passado de Charlie acaba batendo a porta e trazendo toda forma de traumas, e também oportunidades de se redimir.

O que torna esse A Baleia, baseado na peça de Samuel D. Hunter (com tons autobiográficos, mas até onde não poderia dizer), tão significativo quantos os citados, é justamente a capacidade de o diretor deixar o espectador incomodado, sem abrir mão das discussões diversas; até porque o diretor tenta a todo o momento imprimir seu estilo numa obra teatral sem ficar constantemente preso nessa fórmula; mesmo que tal sensação nunca seja desfeita, devido a estarmos na maioria das vezes no mesmo ambiente.

Claro, a questão trazendo conceito de obesidade mórbida abre reclamações sobre gordofobia – e mesmo que o roteiro tente se associar mais com o romance Moby Dick de Herman Melville, o título e a aparência do personagem acabam tornando a tarefa quase impossível. Mas, reafirmo que Aronofsky nunca foi um diretor prazeroso (elogio) de se ver, sendo impossível que tal sensação de mal-estar não seja marretada constantemente na mente do público, cujos alívios para seus protagonistas são efêmeros. A questão principal: como ou quais motivações levaram Charlie a uma posição de autodestruição de corpo e mente? Razões essas que passam por outros tantos problemas, como abandono paternal, divórcio, políticos, homossexualidade e depressão motivados principalmente pela opressão religiosa. Portanto, acho muito raso a discussão abordar somente a aparência do protagonista e ignorar outros motivos tão complexos como os citados.

O filme pontua a personalidade de Charlie com uma positividade e indulgência irritante, como se o personagem evitasse a todo o custo desagradar às pessoas (mesmo que essas o agridam) numa espécie de autopunição. Esse falta de amor próprio é uma negação em não admitir seu estado problemático avançado, o que traz a própria presença de Brendan Fraser numa espécie de metalinguagem pelo próprio ator ter passado também um longo processo de traumas, depressão e abusos sexuais que quase o fizeram desistir da carreira; e acredito que o fato dele usar O Método (processo de atuação criado por Stanislavski) nessas condições, torna o trabalho de Fraser ainda mais significativo. Um risco, acredito, levando em conta que tais interpretações podem despertar gatilhos num papel preparado meses antes do filme estrear.

Ate porque, mesmo com um excelente trabalho de maquiagem/prótese que traz um aspecto ainda mais expositivo de Charlie, Fraser não permite que tal elemento ofusque sua atuação. Conseguindo expressar o misto de conforto de um homem culto, mas fragilizado emocionalmente, o ator nos convence de seus traumas psicológicos e dificuldades em realizar gestos simples, como levantar da própria cadeira ou pegar uma chave no chão; e se a razão de aspecto menor (tela quadrada) criar essa sensação de pouco espaço para o protagonista, temos a percepção ainda mais acentuada devido ao trabalho de design de produção trazendo corredores estreitos cujos aposentos trazem lembranças, livros amontoados, gavetas ocultas de doces e quartos intocados.

Contando com um elenco competente, A Baleia contextualiza muito bem seus debates através deles e sua dinâmica. Portanto, é interessante notar que Liz não evita a fazer as vontades de Charlie com doces e guloseimas mesmo que isso seja um combustível que acelere seu estado. Seria como, por estar ligada diretamente a um dos motivos de Charlie se autodestruir, ela tivesse um respeito tão grande por compartilhar uma dor semelhante que não impedirá mais a decisão do amigo; qualquer que seja.

O que traz a outro debate: a questão religiosa! E se em Mãe!, protagonizado por Jennifer Lawrence, têm claras as conotações sobre paraíso e inferno, aqui tudo é mais velado, mas ainda representativo como metáfora; como se os personagens assumissem-se como anjos, demônios e salvadores. A Baleia insere no apartamento de Charlie algo como um altar intocado, uma recordação de seu relacionamento passado, cujo amor foi destruído pelas “Palavras de Deus”. Não sendo coincidência a presença do jovem missionário Thomas (Simpkins) ser um exemplo do poder destrutivo da alienação, uma vez que o próprio Thomas não aparenta ser exatamente o que diz, mas acaba cedendo a algo como um refugio de seus próprios traumas e abandono. O que nos levas a presença de Mary (Sink, uma boa atriz conhecida pela série Stranger Things, mas me parecendo aqui um pouco acima do tom mesmo para um papel de típica adolescente) como filha de Charlie e personificação das consequências das decisões de Charlie.

Se o abandono faz um pessoa não ter apreço por nada, Charlie nutre um misto de admiração e uma passividade em ver alguma qualidade na escrita da filha; mesmo que sejam palavras de ódio. O que acaba, mais uma vez, retornando a discussão da personalidade do protagonista e sua percepção (doçura ou negação) que pode irritar o público. Mas finalizando de maneira cuja redenção pode ser vista com um tom de satisfação (juro que não consigo inserir otimismo dentro de um filme de Aronofsky), temos ciência da dor de Charlie, seus amores, seus acertos e principalmente seus erros. A Baleia pode ser tudo (preconceituosa, alimentadora de estereótipos e até desprezível), mas ainda prefiro cometer o erro de discutir seus defeitos e premissas de uma obra autoral.

Sim, pode-se julgar/condenar o texto que escrevi sobre o filme, o próprio Charlie e obviamente Aronofsky. Seria justo, mas o que vale é que ainda tivemos a discussão.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

5 thoughts on “Crítica: A Baleia (The Whale)

  1. ia dizer que é um absurdo uma pessoa fazer aquilo com ela mesma, mas ta cheio de obeso por ai que faz isso ne, acho que é bem possível

  2. um otimo filme esse e o ex-Mumia ta bem no papel mas fico na duvida se chegou a merecer o Oscar se bem que a academia adora historias de volta por cima de ator e adora atores que colocam proteses e nesse caso juntou as duas coisas ne

  3. imagina uma baleia dando um tiro em uma outra baleia, a manchete no jornal seria “Baleia baleia baleia!”

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