Direção: Charlotte Wells

Elenco: Paul Mescal, Frankie Corio, Celia Rowlson-Hall, Sally Messham e Spike Fearn

Anúncios

Aftersun é sobre memórias e tentar se colocar no lugar de alguém. Não necessariamente passar pelo mesmo processo, mas entender os mecanismos quando se vai criando maturidade diante de seus próprios dilemas; criando assim um exercício de empatia e entendimento de sua própria existência – algo que o cinema faz de maneira única!

Já me peguei várias vezes interpretando, às vezes condenando ou até mesmo repetindo os erros de pessoas próximas quando reativo esses acontecimentos de quando era mais jovem, e isso faz parte do nosso aprendizado, um fluxo de comportamento para entendermos nossas próprias ações futuras.

Portanto, esse ótimo longa de estreia da diretora escocesa Charlotte Wells é claramente uma obra com contornos biográficos e contemplativos da dinâmica de autoconhecimento quando a jovem Sophie (Corio) e seu pai Calum (Mescal) vão passar as férias num resort na Turquia para ficarem mais tempos juntos, uma vez que pai e filha pouco conseguem se ver durante os restante do ano.

Trabalhando esteticamente de maneira delicada, a diretora molda as emoções através, não somente do convívio dos dois, mas também pelo fato que a já adulta Sophie é tomada por um sentimento de percepção dos conflitos do próprio pai no passado, mais especificamente naquele período de férias ocorrido no inicio dos anos 90. Somos compelidos por uma sensação misturada de melancolia, prazeres momentâneos e consternação do jovem pai para se reaproximar da filha mesmo que ciente que aquele breve período entre uma piscina e outra seja efêmero.

Até porque a direção deixa inteligentemente lacunas para o que realmente Calum pode estar passando, sua inquietude e seus medos, o que é importante para manter um clima de preocupação constante quanto ao destino dele (claro que fica subentendido um estado de desencanto e depressão); como visto nos planos simbolizando o estado daqueles personagens, evocando tais sensações em momentos corriqueiros, mas cheios de significados; seja comprando um tapete como metáfora para as recordações de Calum ou uma Polaroid sendo revelada aos poucos – essa segunda, ainda mais importante, por simbolizar algo surgindo no relacionamento, no caso “o” relacionamento. Não sendo coincidência que as primeiras imagens dos dois sejam vistas através das imagens desgastadas de vídeo de uma filmagem caseira.

Mérito também para Paul Mascal, surgindo sempre ciente do seu amor pela filha e mantendo sempre uma posição não de autoridade, mas de suporte e aconselhamento para Sophie, e mesmo que vamos identificando seu estado psicológico de abatimento, ele tenta sempre manter um ambiente confortável para a filha falar abertamente, mesmo em situações em que há um confronto.

Ademais, como numa espécie de pedra fundamental do filme, Sophie demonstra total afinidade com uma maturidade dura, misturada com a inocência e doçura de uma menina de 11 anos, ao ponto de tentar compreender o estado psicológico do pai “parece que seus órgãos não funcionam e tudo está cansado e afundando… não sei, é estranho”. Ao mesmo tempo em que o roteiro flui sem artificialidades entre os dois, cujo relacionamento aberto mostra o amadurecimento da jovem com relação a sua sexualidade, a curiosidade sobre os corpos alheios e desejos ainda em construção, tornando aquele período ainda mais tocante.

Trazendo elementos quase como de natureza onírica da então adulta Sophie, tal representação (boate quase às escuras com luzes estroboscópicas representando esse flash de memória sob o som de Under Pressure de David Bowie e Queen) soa como um elo, desejo de viajar metaforicamente para aquele resort para dizer para seu pai que ela o compreendia, entendia seu estado. Até mesmo um símbolo das memórias que seu pai tardiamente adentrou, ficando uma dualidade dentro de abraços e contextualização de como aquele relacionamento pode ter progredido até ali.

Assim como podemos interpretar que aquele momento seja um ponto de partida para uma redenção (seja pessoalmente ou não); e acredito muito mais nessa segunda, que seria dramaticamente ainda mais eficiente.

Aftersun é simples em sua forma, mas deixa impressões no espectador, bastando apenas que se faça um pequeno exercício aberto de suas próprias marcas. Isso, para mim, é o maior elogio que se pode fazer ao filme.

printfriendly-pdf-email-button-notext Crítica: Aftersun
The following two tabs change content below.
FB_IMG_1634308426192-120x120 Crítica: Aftersun

Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

3 thoughts on “Crítica: Aftersun

  1. filme com diversos gatilhos emocionais pra quem tem problemas paternos ou pra pais com problemas com os filhos

    1. Bem vindo
      Isso é um elogio para qualquer critico.
      Obrigado e espero que goste do filme.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *