Survive – Evolução e Releitura de um BG Clássico

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Survive - Caixa de Aniversário de 30 anos 2015

 

Recentemente chegou ao Brasil o Survive the Island, que é a nova versão de um excelente board game dos anos 80: Survive Escape from Atlantis. Esse board game marcou história, e mesmo sendo originalmente norte-americano, ele conseguiu agradar o público europeu, inclusive o exigente mercado alemão.

 

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Imagem BGG: Survive com seu Criador Julian Courtland-Smith

 

Porém, antes de continuar é necessário dar uma contextualizada histórica, em relação à data de lançamento do Survive. Ninguém duvida que o Catan de 1995, deu origem à Era dos Board Games Modernos. A questão é que esse conceito de “jogo de tabuleiro moderno” é bastante abrangente e extrapola o limite temporal. Assim a condição de jogo moderno, ou não, independe de sua data de lançamento e sim de suas demais características intrínsecas. Isso faz com que existam board games modernos lançados antes de 1995, como também board games clássicos lançados após essa data. Alguns exemplos de boards games modernos anteriores a 1995 são: Acquire (1964), Contatos Cósmicos (1977). Magic Realm (1979), Dune (1979), Die Macher (1986), Arkham Horror (1987), Fury of Dracula (1987), entre outros.

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Imagem Ludopedia: Board Games Modernos Anteriores ao Catan

 

O que o Catan fez, com todo seu sucesso comercial, foi mostrar à indústria de jogos, que havia espaço para um novo tipo de jogo. O “role e mova” tão característica dos jogos clássicos não era mais a única opção. Na Europa, especificamente na Alemanha, havia uma demanda crescente por jogos menos dependentes de sorte, mais estratégicos, mais focados em gestão de recursos, e que utilizassem mecânicas mais inovadoras. Porém, alguns jogos mais antigos já traziam essas inovações, elementos e características tão presentes nos jogos modernos, e Survive é um deles.

 

Diferentemente de outros board games clássicos (Monopoly, Clue e Game of Life), o Survive não se baseava na quase onipresente mecânica “role e mova”. Ao invés disso, o jogo usava pontos de movimento, de modo que cada peça tinha uma quantidade própria de pontos para sua movimentação. O uso do dado é restrito à movimentação dos animais marinhos. Outro elemento diferente do Survive era a pontuação escondida e só se sabia quem ganhou ao final da partida. Um jogador poderia salvar três meeples cada um com pontuação “1” e perder para outro jogador com um único meeple de pontuação “6”. A questão da alta interação entre os jogadores, a famosa “Toma Essa”, foi outro fator de grande sucesso do Survive.

 

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Imagem Ludopedia: Survive! Caixa da Edição Original de 1982

 

A versão original do jogo, chamado apenas de Survive! é de 1982, lançado pela tradicionalíssima Parker Brothers, e o designer é Julian Courtland-Smith. Em 1986 a centenária empresa britânica Waddingtons licenciou o jogo, e lançou uma nova versão, com algumas diferenças. A nova versão modificou o nome do jogo, que passou a ser “Escape from Atlantis”, como também modificou algumas regras. Mas a maior, e mais drástica mudança, ocorreu nos componentes com a substituição dos tiles originais de papelão, por peças 3D de plástico.

 

As jangadas também deixaram de ser de papelão e passaram a ser de plástico e com uma vela no meio. Essa vela deixava o jogo mais temático, obviamente, mas atrapalhava a jogatina, porque dois dos meeples ficavam atrás da vela, o que dificultava a sua contagem. Os meeples originais, que tinham um formato muito estranho, apenas uma cabeça em cima de uma base mais larga, viraram peões de ludo.

 

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Imagem BGG: Edição Original da Parker Brothers, de 1982 (esquerda) e

Primeira Edição da Waddingtons de 1986 (direita)

 

Essas mudanças deixaram o jogo mais com cara de “brinquedo” do que de jogo, uma verdadeira heresia para boardgamers atuais, mais puristas. Isso pode parecer em um primeiro momento, como uma sentença de morte para um board game, que estaria fadado ao fracasso. Ocorre que o Survive não era um jogo comum, mas sim um board game excelente, e que já tinha um considerável sucesso de vendas.

 

Além disso, pelo menos do ponto de vista comercial, essa aposta deu muito certo, porque o jogo vendeu bastante no mercado europeu e foi essa versão, com cara de brinquedo que chegou aos mercados dos demais países europeus. Essa versão da Waddingtons também foi lançada na Grécia pela MIKA, e na Suécia pela Joker, com o mesmo nome, os mesmos componentes 3D de plástico e a mesma imagem da caixa, inclusive.

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Imagem BGG: Edições Europeias do Survive dos anos 1986 e 1988

 

Na Alemanha quem lançou o jogo em 1986, com os tiles 3D de plástico, foi a Schmidt Spiele. Porém, a editora encurtou o nome para apenas “Atlantis”, o que foi mantido em edições posteriores. Outra mudança é que a caixa original da versão alemã era diferente da versão da Waddingtons, também de 1986, utilizada em outros países europeus.

 

Um dado curioso é que a primeira caixa dessa versão alemã mostrava um grupo de fugitivos em um drakkar viking, com um herói loiro na proa, enfrentando uma serpente marinha. Essa era praticamente uma imagem saída direto de uma saga nórdica ou de uma ópera de Wagner. Além disso, a parte inferior da ilustração da caixa trazia a imagem do tabuleiro do jogo, para facilitar a identificação. Nessa versão, ao invés do dado para determinar a movimentação dos monstros marinhos, havia uma roleta. Essa edição de 1986 também tem uma versão em francês, com a mesma ilustração, curiosamente também da Schmidt Spiele. Além disso, a editora holandesa Selecta Spel em Hobby também utilizou essa ilustração em sua edição de 1988.

 

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Imagem BGG: Edição Alemã da Schmidt Spiele de 1988

 

 

Todavia, em algum momento alguém da editora alemã deve ter percebido, que a ilustração da caixa do jogo não fazia muito sentido. Isso porque a lendária Atlântida era uma ilha mítica situada entre a África e o Brasil. Portanto, o povo originário da Atlântida, dificilmente se encaixaria no “estereótipo nórdico”. Por isso, na caixa da edição alemã de 1988 o drakkar foi substituído por um barco mais genérico, e seus tripulantes passaram a ter cabelos escuros e traços mais mediterrâneos.

 

Em 1996, dez anos após o lançamento original da Waddingtons, a editora lançou uma nova edição com algumas modificações especialmente na imagem da caixa. Os meeples deixaram de ser “peões de ludo genéricos” para tomarem uma forma mais humanizada. Além disso, cada cor de jogador possuía um formato de meeple específico. Os tiles também se sofisticaram com as praias ficando cinza, as florestas mantendo o verde, mas com algumas construções e as montanhas ficando beges com palácios e cidades. O tabuleiro também ficou diferente, com o fundo azul mais escuro. Isso resultou que as divisórias entre os hexágonos ficassem mais evidentes. Curiosamente, tanto a Waddingtons quanto a Parker Brothers lançaram versões dessa mesma nova edição, inclusive em diversos países europeus com Grécia, Itália, Alemanha e França.

 

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Imagem BGG: Edição de 1996 lançada pela Hasbro e pela Waddingtons (esquerda) e Edição de 2010 da Stronghold Games (Direita)

 

Em 2010 houve uma reimpressão do jogo original, que incluía a expansão com os golfinhos. Os tiles 3D de plástico ficaram no passado e o jogo voltou às origens com uma abordagem minimalista. Isso fez com que as edições mais atuais do Survive ficassem mais próxima dos board games modernos. Infelizmente a edição comemorativa de 30 anos, de 2012, excluiu a expansão dos golfinhos. Foi essa edição que chegou ao Brasil em 2015, no início dos lançamentos nacionais.

 

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Imagem Ludopedia: Edição de Aniversário de 30 anos (2012), lançada no Brasil em 2015

 

O Survive fez tanto sucesso ao longo das décadas, desde seu lançamento original em 1982 que ele extrapolou até mesmo o mundo dos board games. Evidentemente o tema Atlântida esteve presente em inúmeros jogos para computador e vídeo games. Isso faz com que os títulos tanto de boardg games, quanto de jogos digitais acabem ficando bastante parecidos. Os mais “experientes” certamente se lembrarão do clássico “Indiana Jones and the Fate of Atlantis” para DOS de 1992. Fora esse, também houve o “Escape From Atlantis” para o NES, de 1991, bem mais obscuro. Só que esses jogos não eram uma versão digital do Survive, que só surgiu em 2011, com o nome de End of Atlantis.

 

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Imagem Google: Indiana Jones and the Fate of Atlantis DOS 1992 (acima) e                  Escape From Atlantis NES 1991 (abaixo)

 

Curiosamente, a escolha desse título alternativo, talvez devido ao alto custo da licença, acabou gerando confusão com outro board game. Em 2011, mesmo ano da versão digital surgiu um jogo polonês chamado Zaglada Atlandyty da editora Galakta, totalmente diferente, e cuja tradução literal é “A Destruição de Atlantis”. Ocorre que dois anos depois, em 2013, esse jogo foi relançado com o nome “End of Atlantis”, o que gerou alguma confusão na época.

 

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Imagem Google: Jogo de PC End of Atlantis de 2011

 

Recentemente o Survive foi relançado por essas bandas, em 2024 com o novo nome de Survive de Island. A caixa adotou uma imagem mais infantilizada, talvez mirando em um público alvo mais jovem (os filhos dos boardgamers mais “cascudos”). Isso faz todo o sentido, porque o jogo não tem texto, é fácil de explicar e rápido de jogar. A  principal mudança em termos de regras e componentes foi a substituição da baleia pelo “kaijun”. Esse monstro marinho serve não apenas para atrapalhar os adversários, mas também para ajudar o próprio jogador a movimentar seus meeples. Esse novo monstro também pode andar na terra (tiles).

 

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Imagem Ludopedia: Survive the Island 2024

 

 

Por fim, independente da versão que se tenha, o fato é que o Survive é um dos grandes board games da história do hobby. Ele atende a toda a família e pode ser jogado tanto de uma forma leve, como também com alguma estratégia para os jogadores mais competitivos. Isso sem falar que a dependência do fator sorte é moderada, e o blefe fundamental.

 

Sem dúvida o Survive passou com louvor na “prova do tempo”. Isso é um feito memorável, ao se considerar o quão competitivo é o mercado de board games e a quantidade absurda de jogos lançados todos os anos. Nada mal para um “jovem senhor” de 42 anos, entrando na meia idade.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

 

P.S. Quem porventura tiver interesse em textos no mesmo estilo pode encontrá-los acessando o canal iuribuscacio no Ludopedia ou a seção de Jogos de Tabuleiro no portal maxiverso.com.

https://ludopedia.com.br/canal/iuribuscacio

https://maxiverso.com.br/blog/category/nerdgeek/jogostabuleiro/

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

2 thoughts on “Survive – Evolução e Releitura de um BG Clássico

  1. Que historia interessante! parabens! Gostaria de um artigo nessa pegada com relação ao jogo Duna, citado aqui tb como um dos jogos que poderia ter marcado a era dos jogos modernos, mas perdeu o posto pro Catan…

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