Crítica: Anora

Direção: Sean Baker
Elenco: Mikey Madison Mark Eydelshteyn, Karren Karagulian, Vache Tovmasyan, Paul Weissman, Yura Borisov, Lindsey Normington, Emily Weider, Anton Bitter, Darya Ekamasova e Aleksey Serebryakov
Trabalhando como “dançarina erótica” na boate Quartel General, Anora (Madison) é outro exemplo das figuras de trabalhadores sexuais e/ou à margem da sociedade do diretor Sean Baker; vide Tangerine (2015), Projeto Califórnia (2017) e Red Rocket (2021).
Morando no subúrbio com a irmã e raramente vendo a luz do dia devido ao seu trabalho, Ani (como prefere ser chamada) vive suas noites em satisfazer os clientes em procura de prazer. Mas, ao conhecer Ivan (Eydelshteyn) um jovem e imaturo, mas filho de um bilionário russo, Ani – facilitada pela capacidade de falar o idioma -, começa a prestar seus serviços com exclusividade a Ivan e convive com a ideia de mudança de vida durante o relacionamento entre eles.
Falando assim, é claro que vem a mente imediatamente Uma Linda Mulher com Julia Roberts e Richard Gere, mas aqui, a fábula do “sonho americano” apresenta contornos contextualmente mais dramáticos e um humor absolutamente mais eficiente que necessariamente o tom inocente do filme de 1990.
Uma distopia do capitalismo exacerbado, de sentimentos moldados pelo dinheiro e luxo, cuja inocência de Ani é esmagada pela realidade. Falando dessa maneira, soa até como uma tragédia social, mas esse verniz temático é muito bem administrado pela direção de Baker, onde o humor, mesmo ocupando boa parte da narrativa, permite ao filme apresentar esses nuances críticos; seja sobre a própria situação da protagonista, negligência familiar, solidão e a falta de estrutura do pensamento dos jovens mais interessados na imagem que propriamente em ideias.
Portanto, é bem vindo como o diretor vai construindo as situações inusitadas com seus personagens de maneira fluida. Inclusive, depois de quase um terço de projeção, tinha dúvidas para onde e como a obra iria se desenrolar; mas como um bom filme de quebra de expectativas, Anora surpreende como infortúnio quando “funcionários” dos pais do jovem precisam persuadir Ani da ideia do casamento que os dois consumaram em uma capela de Las Vegas, depois de uma noite de festa.
Liderados por Toros (Karagulian) – um padre que serve como espécie de testa de ferro dos pais russos -, cujos ajudantes Garnick (Tovmasyan) e Igor (Borisov) são vistos claramente como aquela típica dupla de capangas atrás da imagem rude (mas jamais estúpidos o suficiente para soarem cartunescos), são facilmente vítimas dos acontecimentos motivados pela protagonista. Assim, o eficiente humor é feito com agilidade, contendo até algumas gags mais físicas, mas sem jamais perder ou quebrar o ritmo. Como se tudo soasse uma grande sequência iniciada no apartamento do jovem e estendida depois pelas ruas de Manhattan à noite. Valendo ressaltar o bom trabalho da direção de fotografia que às vezes busca quase um tom documental nessa hora através das lentes granuladas ou tremidas (ou uma rápida câmera lenta para exaltar o lenço vermelho em cena com reflexos no final do filme) e também pelo visual da boate com o complexo jogo de luzes, sem tomar o local como sombrio e sim um ambiente que reflete a personalidade daquelas trabalhadoras de cores e sonhos.
As mudanças de tom do filme vão sutilmente se alternando entre a melancolia e o escrachada, mas, repito, sem soar banal ao ponto de não sentirmos por Ani e os outros personagens. Essa imprevisibilidade tem como óbvia força a presença de Mikey Madison, pois com doce aparência (ainda que tenha os reflexos e atitudes característica da profissão), a atriz confere uma fragilidade como contraste para suas explosões surpreendendo os outros personagens (explosões físicas que soam ainda mais eficiente para o humor). Mas o detalhe da personagem é que mesmo com todos os acontecimentos levando para o cômico, ainda sentimos por Ani durante o desenrolar da historia. Identificamo-nos com o risco social que se abate sobre ela, mas também estamos cientes que aquele cenário de abundância é tão efêmero para ela como os sentimentos que envolvem sua profissão.
Inclusive, quando um desses personagens solta um gargalhada por todo o absurdo da situação que os levaram até ali, ficamos com aquela sensação quase definitiva de que tudo acabará voltando a sua normalidade dentro pirâmide social em que o filme se iniciou. De certo modo, não é errado pensar assim, mas sabendo controlar aqueles sentimentos diante do público, Anora é suficientemente capaz de surpreender.
Mas a ausência de um pequeno gesto tão importante num relacionamento – e quase proibido na profissão dela – acaba significando um doloroso silêncio por trazer uma realidade que deverá encarar novamente

Rodrigo Rodrigues

Latest posts by Rodrigo Rodrigues (see all)
- Crítica: Emilia Pérez - 03/03/2025
- Crítica: Anora - 03/03/2025
- Crítica: Conclave - 07/02/2025
- Crítica: Malu - 02/12/2024
- Crítica: Ainda Estou Aqui - 28/11/2024