Crítica: A Esposa (The Wife)

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Diretor: Björn Runge

Elenco: Gleen Close, Jonathan Pryce, Max Irons, Harry Lloyd, Annie Starke, Alix Wilton Regan, Linnea e Christian Slater

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Nota 3/5

Durante toda a história, é notável que a subjugação do feminino ocultasse grandes feitos das mulheres em detrimento ao papel do homem em diversas áreas da sociedade. É fato! Ciências, esportes, economia, literatura… e em todas as outras áreas, grandes mulheres tiveram seu reconhecimento quase que apagado dos livros e da história pela sociedade patriarcal, ou ficaram renegadas ao papel de coadjuvantes, se muito – a escultora Camille Claudel, por exemplo, morreu em um manicômio sem que o mundo reconhecesse sua importância artística diante do famoso marido, o pintor Rodin, como visto no filme de 2013 estrelado por Juliette Binoche; e há diversos filmes recentes que exemplificam tais elemento como Estrelas Além do Tempo, Grandes Olhos e até mesmo o clássico de Frank Capra, A Mulher faz o Homem, que devido a época (1939), obviamente trazia elementos misóginos – isso sem comentar a cultura popular que sempre propagou o dito de “Atrás de um grande homem, sempre há uma grande mulher”.

Assim, chegamos a este A Esposa, do diretor Bjorn Runge, que transforma este não reconhecimento em uma análise do comportamento feminino através do ponto de vista de Joan Castleman em um drama familiar de um casal da terceira idade (onde as decisões, pelo tempo de vivencia e acúmulos da rotina, se tornam ainda mais definitivas), mas também uma crítica generalizada ao machismo do dia a dia, auxiliado principalmente pela belo desempenho de Glenn Close, que faz o papel de Joan que, de uma promissora escritora na juventude, decidiu se casar com seu professor e escritor Joe Castleman (Pryce), passando a vida inteira como suporte moral para o famoso marido. E quando este é condecorado com o prêmio Nobel de literatura, o longa começa a mostrar o quanto pode ser destrutivo o ego masculino, assim como a consequente aceitação em ver a mulher apenas como um mero figurante que deixou de seguir seus sonhos e talentos, principalmente depois que o repórter Nathaniel Bone (um Christian Slater ardiloso e caricato), desconfia que por trás de todo o talento de Joe, a esposa seja na verdade a “autora” real, ou seja, sua ghost writer. Portanto, a questão não é simplesmente respeitar o fato de que Joan tenha decidido virar a esposa e cuidar dos filhos por conta própria, mas sim por ela ter desistido – no passado – por saber que jamais teria uma chance de publicar algo apenas por ser mulher; ou seja, independente de suas qualidades como escritora, qualquer editor jamais a levaria a sério, principalmente naquela época em que um livro escrito pelo sexo feminino fatalmente acumularia poeria e nunca seria lido.

Elogiável, portanto, que o roteiro baseado na novela de Meg Wolitzer insira de maneira orgânica situações que simbolizam a posição da mulher diante de uma figura masculina; como por exemplo, no momento em que Joe apresenta a esposa durante a premiação e é visível o fato dos organizadores da premiação a ignoram. Assim como o fato de que como mulher, uma noite de tratamento de beleza seja o suficiente para atender sua necessidades – tanto que a primeira oportunidade de sair sozinha é aproveitada em um bar.  Ademais, é sintomático que pequenos detalhes da interação entre o casal seja um reflexo da nossa sociedade, como o fato de Joan ser vista como suporte moral do filme e apoio para o narcisismo e machismo velado do marido, como o fato dele recriminar a esposa quando sente o cheiro de álcool nela, sendo que ele próprio diversas vezes descumpre as recomendações médicas para evitar doces.

Elogiável, novamente, que Jonathan Pryce entregue um personagem cujo arco vai sendo desenvolvido através de pequenas atitudes que denuncia todo seu cinismo, hipocrisia e pela insensibilidade de reconhecer que a esposa não precisava de reconhecimento total, mas que a trouxesse para seu lado. Não é o fato de dizer o nome da esposa como fonte de inspiração (até porque exatamente não foi), mas que pelo menos respeitasse o seu silencio e dor pelas coisas que teve que abrir mão no passado. Assim, nada mais emblemático que ao ter seu primeiro livro publicado ele diz “Vamos ter nosso livro publicado“, mas ao ganhar o Nobel, quarenta anos depois, sua fala se transforme em “Eu ganhei o Nobel“!

Servindo como o maior trunfo do filme, Glenn Close ressurge novamente com grandes chances de ser nomeada pela sexta vez ao Oscar de melhor atriz. Com um nível de atuação que somente poderemos ver em atrizes do porte, por exemplo, de Meryl Streep, Close traz um elegância e sentimentos contidos de uma mulher que se dedicou totalmente a família. Trazendo também certa introspecção e humildade por sempre manter o olhar baixo, Joan é uma mulher que atingiu seu limite diante do comportamento do marido que a acusa de estóica, mas que vivem um relacionamento de respeito (amor aqui é algo bem mais complexo de admitir); capaz de entregar também momentos de intensidade, a atriz domina todas as cenas em que surge (praticamente todas), como podemos ver na seqüência em que atende ao telefone da filha grávida que é quase um monólogo convincente, ou na cena em que discute com o marido dentro do carro.

Mas claro que narrativamente, A Esposa não evita maniqueísmo e clichês baratos principalmente nas transições entre as épocas, como o fato de Joan olhar um relógio e sermos transportados à época de quando ela conheceu Joe, ou quando ela fica olhando para o horizonte antes do corte para esta mesma época – assim como papéis caindo durante uma cena de beijo, etc… Enfim, recursos óbvios que enfraquecem a narrativa ao apostar mais em uma espécie de folhetim que algo mais criativo; mas ainda sim, a direção de Björn Runge consegue trazer no geral elementos que se mostram eficientes dentro na narrativa, como o fato de ser econômico na movimentação de câmera (quando o faz é eficiente por sempre procurar a personagem de Close durante uma discussão, ou quando há a movimentação maior é apenas para exaltar aqueles curtos momentos de tensão). Inclusive, quando durante a premiação de Joe, o diretor usa de maneira inteligente de planos; reparem quando Joe faz seu discurso, a atriz é colocada em segundo plano e primeiro plano, contrastando com o que ele diz no palco.

Intrigante em seu contexto e julgando a sociedade que renega mulheres como Joan, A Esposa não é exatamente um filme que faz justiça de maneira pública a personagem; entretanto, ela sabe de sua capacidade e de como recomeçar sua vida depois de tudo que suportou. Mas nem sempre esta inversão de papéis é viável e comum, e por isso é importante trazer tal pensamento para fora.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

4 thoughts on “Crítica: A Esposa (The Wife)

  1. Nao me lembro pq nao tinha me interessado em ver esse filme mas depois de ler essa critica vi que o mesmo merece muito ser assistido obrigado Rodrigo por conseguir passar pra gente uma nocao boa de como é o filme pra gente ver se quer assistir ou nao

    1. Bolone
      Bem vindo
      Obrigado pelo elogio, e fico feliz que tenha agregado um pouco a discussão sobre o filme e o cinema em si!
      Abraço

  2. bom filme, boa critica, finalmente chegou a hora da Glenn Close qe da devia ter recebido a estatueta pelo papel em Atração Perigosa!

    1. Dimenor
      Bem Vindo
      Obrigado pelo comentário!
      Sim, é agora ou nunca rs
      Abraço

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