Crítica: Os Rejeitados (The Holdovers)
Direção: Alexander Payne
Elenco: Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da’Vine Joy Randolph, Carrie Preston, Brady Hepner, Ian Dolley, Jim Kaplan, Michael Provost, Andrew Garman e Naheem Garcia
O diretor Alexander Payne é hábil ao fazer a gente se importar com personagens inicialmente desagradáveis. Se a solidão e a personalidade rabugenta deles é um item em comum para uma identificação, o diretor não o faz de maneira apressada ao permitir que o espectador compreenda o caminho percorrido até ali, suas frustrações, medos e falhas. Road movies de emoções e reencontros como uma busca quixotesca de “Nebraska” , as perdas de As Confissões de Schmidt e os Os Descendentes , todos soam como obras sensíveis, com um humor na medida certa através de seus isolamentos físicos e psicológicos (Ruth em Questão é outra boa obra).
Dito isso, o mais interessante é que nesse Os Rejeitados, o diretor mantém sua pegada sobre esses indivíduos pautados pela melancolia, rejeição e afeto.
Quando o rígido professor Hunham (Giamatti) é recrutado para passar os últimos dias do ano de 1970 dentro da universidade para jovens abastados que não tem para onde ir nas festas de fim de ano, percebemos como o conhecimento sobre civilizações antigas é inversamente proporcional ao seu estado de próprio isolamento que a vida o levou. Encontrando paralelo em Tully (Sessa), seu problemático e promissor aluno, que é evitado pela mãe que se encontra viajando com o padrasto.
Os Rejeitados – assim como Nebraska – não foi escrito por Payne e teoricamente por isso a história seja uma das mais fáceis de uma pré-absorção por parte do público. Claro, que um filme é sobre como ele é, e não sobre o que ele é, mas evidentemente um filme sobre o relacionamento de professor e aluno se passando no Natal se torna teoricamente mais acessível que, por exemplo, que um enólogo viajando pelo interior dos Estados Unidos como visto no inesquecível Sideways.
Com leves pinceladas de Sociedade dos Poetas Mortos de Peter Weir e Clube dos Cinco de John Hughes, Payne parece moldar qualquer temática à sua narrativa, mesmo que tal elemento obrigatoriamente o jogue durante momentos nos clichês de temas natalinos. Mas ratificando, o filme não é sobre o natal em si ou algum aspecto religioso ou consumista, mas a data sendo usada de modo menos acintosa para fornecer um peso a mais por muitas pessoas estarem mais suscetíveis às perdas e distâncias da família por motivos diversos.
Claro que a dinâmica entre Hunham, Tully e Mary é vista como pessoas se tornando uma família, onde esse processo de descobrimento é o maior atrativo do longa, assim como as discussões sobre nosso passado e como pessoas nos influenciam ao darmos importância desnecessárias a coisas que somente a experiência de vida nos fará despertar.
Tomamos as dores deles, assim como seus defeitos, sentimentos e por vezes reações (na maioria das vezes justificáveis) e me comove muito a visão de Hunham diante de Tully ao compreender sobre si mesmo ao confrontar um jovem ainda tentando compreender o mundo, e assim como todo adolescente permeado de autossuficiência, acha que sua geração sofreu mais ou é mais feliz que a anterior (“A história não é simplesmente o estudo do passado. É uma explicação do presente”).
Demonstrando uma dureza acima da média por não permitir que aqueles jovens nascidos em berço de ouro desperdicem a oportunidade que a vida deu, Paul Giamatti é novamente fabuloso ao não deixar seu personagem cair em qualquer personificação do estereótipo de um “Grinch” de meia idade com doença ocular, cujos relacionamentos passados (caso tenham ocorrido) são um mistério. Não que professor naquele contexto seja uma ideia distante – e a inteligência de Hunham somente é possível para alguém com décadas de estudo -, mas nesse ponto de vista esse era único caminho e o fato de praticamente ter passado a vida toda dentro da mesma instituição vendo alunos chegando a cargos de diretoria somente aumenta sua autopenitencia e nossa identificação com ele.
O relacionamento com o ótimo Dominic Sessa transita entre um orgulho não dito do professor ao aluno e controle como pai com um filho, igualmente velado, ao ponto de Hunham não desejar tal função em virtude da necessidade de Tully conseguir algum contato com a mãe. Inteligente, portanto, que o diretor mantenha sempre o interesse do espectador, não deixando jamais a narrativa descair para o melodrama completo ou que o humor se sobressaia, onde o grande exemplo é a presença de Da’Vine Joy Randolph. Tendo nela a dor maior dos três, Mary demonstra força suficiente para, quando não pode mais suportar a saudade pela sua perda, fazer o espectador desabar com ela.
Aliás, o humor é outro ponto forte, como de costume, de Alexander Payne. Com total controle desse elemento, sem perder a sutileza mesmo usando gags físicas, o diretor é capaz de momentos em que consegue ir do humor sombrio até o drama rapidamente, quebrando assim, nossa expectativas e julgamentos. Acho brilhante, por exemplo, dois momentos em particular: Um é quando, através da montagem, o diretor mostra nomes de ex-alunos que perderam a vida na primeira guerra, usando como ironia para o momento de reclusão aos cuidados de Hunham para no momento seguinte cortar para outra perda; mas essa recente e totalmente inserida no contexto do filme. Outro é durante uma festa, onde prevemos um desfecho envolvendo o próprio Hunham, para vermos nossa expectativa quebrada novamente quando isso não acontece. Em ambos os casos somos surpreendidos e sentimos igualmente junto com o personagens.
Os Rejeitados é um filme encaixado em todos os sentidos (trilha sonora também vale pela delicadeza e bom gosto) e sobre como encaramos o passado e os caminhos futuros, nossas dores e como podemos contar com uma família que nem sempre imaginamos, mas é a melhor que poderíamos ter. São pessoas que entendem os outros, confrontam suas dores e têm seus defeitos como todos nós . Mas não importa, torcemos por eles onde as mais simples comemorações são as mais significativas.
Rodrigo Rodrigues
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filme pra deixar seu coração quentinho, recomendo a todos!