Crítica: Sem Tempo para Morrer (No Time to Die)
Direção: Cary Joji Fukunaga
Elenco: Daniel Craig, Léa Seydoux, Lashana Lynch, Jeffrey Wright, Ralph Fiennes, Rami Malek, Ana de Armas, Ben Whishaw, Naomie Harris, Rory Kinnear, David Dencik, Dali Benssalah, Billy Magnussen e Christoph Waltz
Nota 4/5
(contém alguns leves spoilers)
Durante 15 anos assumindo o papel do agente secreto, Daniel Craig se tornou a imagem do personagem em sua fase mais pessoal com um ciclo ainda mais definido que os filmes das décadas passadas. Com ele, conhecemos um personagem ainda cru e rústico com o ótimo Cassino Royale (2006) para passarmos quase batido no mais fraco da série atual, Quantun of Solace (2008); terminado às pressas devido à greve dos roteiristas em Hollywood. Se Operação Skyfall (2012) se tornou um dos melhores de todos os filmes de James Bond (senão o melhor), 007 Contra Spectre correu riscos desnecessários ao girar dentro do próprio eixo da franquia quando esperávamos que fosse a última vez em que o ator assumisse o personagem.
Mas retornando ao papel nesse Sem Tempo para Morrer, Craig retorna à nova realidade do personagem, apresentando as questões pessoais de maneira ainda mais pessoais. Claro que vimos George Lazenby se casando e vingando a esposa em A Serviço Secreto de sua Majestade (1969) ou Timothy Dalton igualmente vingativo em Permissão para Matar (1989), mas ainda assim eram elementos aleatórios dentro dos filmes, ao contrário de todo o arco visto com Daniel Craig e seus sentimentos por Vesper (Eva Green) em Cassino Royale se estendendo para os outros filmes e a busca por respostas pela perda da amada – ao mesmo tempo que tenta levar uma vida “normal”.
Enfim, chegamos a Sem Tempo para Morrer com o personagem estabelecido e passando sua aposentadoria ao lado de Madeleine (Seydoux), entretanto, o surgimento de uma nova organização traz um novo perigo “ao mundo”, e com ajuda de seu amigo de longa data da CIA, Felix Leiter (Wright), irão investigar a ameaça sem ajuda governamental, mas com auxílio de uma nova agente.
Roteirizado pelo próprio diretor em conjunto com Neal Purvis, Robert Wade e Phoebe “Fleabag” Waller-Bridge, a trama traz o mesmo de sempre: um vilão possuindo uma nova tecnologia (agora envolvendo DNA/Nanotecnologia) que não somente visa à limpeza da humanidade como obtenção de lucro com isso, tendo como base uma instalação secreta no meio do oceano. O que não torna o filme irrelevante apesar de achar o fato de envolver o espolio da SPECTRE e esticar tal relação um pouco desnecessário. Mas o que realmente me decepciona foi que o vilão Safin seja vivido pelo ator Rami Malek com sua expressão gelada (não o personagem) e decisão de sempre manter um tom de voz único, que irrita mais do que necessariamente gera um padrão de comportamento de um ator que já me irrita há um tempo – ainda bem que o tempo de tela dele não é dos maiores.
Contudo, as evoluções do personagem não param somente em Bond. Trazendo personagens novos, como a atual 007 (Lynch) e seu visual imponente, chegamos a conhecer um lado mais multifacetado de “M” (Fiennes) mostrando que o poder nem sempre permite tomar decisões aparentemente corretas, assim como uma breve nuance de um romance de Q (Whisaw); até mesmo a participação de Blofled (Waltz) é bem vinda, pois apesar de ainda representar uma ameaça, mesmo aprisionado, sua presença (e destino) é importante para não deixar nenhuma ponta solta na saga do 007 interpretado por Craig.
Iniciado a ação com o passado de Madeleine quando ainda criança, a direção de Fukunaga começa a estabelecer contrastes e rimas visuais que serão aplicadas no restante do filme, como o fato da sequência se iniciar por um plano aéreo que terminará na superfície gelada de um lago num plano mais fechado. Assim como a direção foca, através de uma claraboia meio que triangular na residência de Madeleine, um símbolo para o renascimento da jovem que rima com o mesmo enquadramento da área subterrânea da fortaleza de Safin – simbolizando a ligação (vida e morte) entre eles; assim como a direção de fotografia traz constantemente Madeleine – e sua filha – em planos com uma forte contraluz quase não diegetica (que não faria parte daquele universo, mas faz) representando um significado quase religioso (salvação) para Bond; até mesmo um rápido enquadramento dentro de um corredor escuro que invoca a famosa abertura do personagem atirando dentro de um círculo fornece um interessante aspecto visual.
Trazendo sequências de ação que não são apenas para encher os olhos, mas também funcionando como pano de fundo para a personalidade do agente, Sem Tempo para Morrer traz dois momentos em particular que me atraíram bastante. A primeira é a cena em que conhecemos todo o poder de fogo do Aston Martin do agente. Reparem no momento em que o veículo esta sendo alvejado e a direção toma uma ótima decisão de transformar o tiroteio não somente em ameaça de vida, claro, mas também como a perturbação mental e raiva de Bond ao perceber que Madeleine poderia ter lhe traído através de um plano mais fechado no rosto do ator enquanto a ação desenrola fora do carro; portanto, seu silêncio que precede sua reação torna o desfecho ainda mais eficiente do ponto de visto dramático. Assim como a sequência que se passa em Cuba, onde o personagem é capaz de atirar, mas não sem antes tomar seu drink. E essa ação, levemente pastiche, somente funciona porque Craig esta absolutamente confortável no papel como nenhum outro depois de quatro filmes. Sequência mostrada sem cortes absurdos ou alguma confusão gráfica e ainda contando com a participação da ótima Ana de Armas (que é Cubana de nascimento), repetindo a parceria com Craig depois de Entre Facas e Segredos; onde me torno cada vez mais fã dessa atriz que consegue trazer uma naturalidade a qualquer papel.
Agindo com um agente sem respaldo de seus superiores que não inspiram mais confiança, 007 tem um clímax que torna sua missão de escala global em algo potencialmente pessoal devido ao seu envolvimento com Madeleine e sua filha e a vingança pela morte do amigo; repetindo, isso aconteceu antes na franquia? Sim, mas não nessa complexidade. Assim, ao percebermos que o filme se caminha para um final irreversível e inesperado, a direção fornece uma escala épica sobre o personagem, jamais vista anteriormente e mesmo sabendo que nada no cinema é para sempre, ainda dá para apreciar, sendo amargo ou não, os sacrifícios aqui vistos.
Rodrigo Rodrigues
Latest posts by Rodrigo Rodrigues (see all)
- Crítica: Coringa – Delírio a Dois - 11/10/2024
- Crítica: Os Fantasmas Ainda se Divertem – Beetlejuice Beetlejuice - 13/09/2024
- Crítica: Alien – Romulus - 24/08/2024
- Crítica: Caça-Fantasmas (Ghostbusters) - 18/06/2024
- Crítica: Furiosa: Uma Saga Mad Max - 11/06/2024
parabens pela analise, bastante coesa e interessante, gostei muito
essa fase Craig foi sem duvida a dos melhores filmes da franquia… tirando um ou outro antigos como 007 contra Moscow, 007 contra a Chantagem Atomica, 007 viva e deixe morrer…
bom filme, fechou bem a fase Craig na franquia… vejamos o que vem pela frente
Craig é baixo e loiro, enquanto Bond é alto e moreno. As criticas a essa escolha so diminuiram pq o filme Casino Royale foi bom. No fim, os filmes com o Craig foram bons, com excecao de Quantum of Solace e esse ultimo pra mim é no maximo aceitavel. Ja as escolhas da produtora… cada vez mais afastadas do personagem criado por Fleming. Quem diria que a loirice do Craig seria o menor dos problemas dos fãs…
nao entendi… mataram o Felix, o Bond tb… agora a 007 é outra… aposta arriscada… a continuacao vai manter essa linha e correr o risco de ter um prejuizo consideravel ou vao rebootar tudo e o bom e velho james bond volta?
outra coisa que sempre me intrigou: a chefe do Bond Craig era a mesma atriz (Dench) do Bond Brosnan… mas Casino Royale foi um reboot… como isso faz sentido? se a Dench conhecia o Bond do Brosnan, ele era experiente… ai a Dench aparece sendo chefe do Bond do Craig novato…???
Gostei bastante do desfecho, mas agora os produtores estão com um problemão em escalar o próximo ator…dificilmente encontraram um substituto de Graig a altura. A Ana de Armas é lindinha…mas infelizmente as cenas dela foram poucas, cada vez mais apaixonado pela atriz, ela pode ser a nova Scarlett Johansson se não fizer besteira.
Alias, assim como Graig, também sentirei bastante falta do Felix Leiter do Jeffrey Wright, um baita d eu um ator sensacional.
por mais que a memoria afetiva me traga boas lembranças dos 007 do Connery e do Moore, tenho que admitir que os filmes do Craig sao melhores… talvez so o Quantum of Solace nao seja tao bom