Star Wars Destiny, Uma Lição Sobre os Riscos de Inovar
Inovar e tentar lançar moda é sempre algo muito arriscado, porque pode dar muito certo ou muito errado. Michael Jordan foi um dos primeiros atletas profissionais a raspar totalmente a cabeça, o que não era comum na época. Pouco tempo depois diversos outros atletas, inclusive fora do basquete, faziam a mesma coisa. Essa foi uma inovação que deu muito certo.
Por outro lado, Ronaldo Fenômeno tentou lançar o penteado Cascão, mas não deu muito certo. Muito se especulou na época que essa foi uma tentativa de distrair a mídia e tirar o foco da lesão no joelho, para o novo penteado, e isso faz sentido. Pelo menos ele ganhou a Copa do Mundo de 2002. Porém, Vampeta que não tinha nenhuma lesão para disfarçar, também tentou lançar um novo penteado, chamado “samurai”, e o resultado foi um desastre.
Imagem Google: Ronaldo e Vampeta com seus penteados “marcantes”
Recentemente a Fantasy Flight lançou o seu novo card game tendo como cenário o universo Star Wars, o aclamado Star Wars Unlimited. Como não poderia deixar de ser o investimento da editora em hype foi e está sendo imenso. Em decorrência disso, e pelas boas qualidades do jogo, o Star Wars Unlimited está fazendo muito sucesso. Um card game, com cenário em uma das maiores franquias do entretenimento de todos os tempos, não tem como errar, ou será que tem…
Na verdade tem como errar sim, e a própria Fantasy Flight já cometeu esse erro. Quem já tem algum tempo de board game vai ter uma sensação de “deja vu”, com todo esse alvoroço atual em torno de um card game Star Wars. E não é para menos, porque em 2016 a Fantasy Flight lançou o Star Wars Destiny. E essa mesma comoção que se vê hoje com o Star Wars Unlimited também se viu oito anos atrás com o Star Wars Destiny.
O Star Wars Destiny foi um enorme sucesso no lançamento e no ano seguinte, aparentando ter um futuro muito promissor. Muitos fãs gastavam fortunas com os boosters, algo no estilo do que aconteceu com o Magic The Gathering, guardadas as devidas proporções, evidentemente. Esse sucesso continuou no ano seguinte ao lançamento, mas apenas quatro anos depois a Fantasy Flight descontinuou o jogo. Quatro anos de duração pode até parecer um bom tempo para um jogo de tabuleiro, mas não para um CCG. Os CCG vivem de novidades, ou seja, tem de haver material sendo produzido o tempo todo. Além disso uma vez descontinuado, um CCG não volta nunca mais. Já os board games saem de catálogo, mas eventualmente são reimpressos, ou lançados em uma segunda edição. Mas o que será que deu errado?
Imagem Ludopedia: Destiny
Antes de tratar dos possíveis motivos do fracasso, é bom esclarecer algo fundamental. Por razões óbvias, as decisões das empresas, e os motivos que levam a essas decisões, não são disponibilizados ao público. Esses são dados estratégicos e importantíssimos, e tanto que as empresas não revelam nenhum deles, de forma alguma. No caso das editoras de board games não se pode saber, com certeza, nem o tamanho exato das tiragens, nem o desempenho em vendas dos jogos. Assim sendo, tudo o que se pode fazer é especular em cima das poucas informações divulgadas, e assim mesmo de forma não oficial.
Uma coisa é certa, nenhuma empresa encerra um produto se ele estiver rendendo dinheiro e atendendo as expectativas da empresa em relação a ele. Então são dois fatores a considerar, porque não basta o produto dar lucro. Também é preciso que esse lucro valha a pena, ou seja, que atenda as expectativas da empresa. Então mesmo que o produto dê lucro, ainda assim ele pode ser descontinuado. E talvez tenha sido isso o que aconteceu com o Star Wars Destiny. Só que isso levanta a seguinte pergunta: por que o Star Wars Destiny não teria atendido a expectativa da Fantasy Flight?
Outra coisa que precisa ficar clara é que para empresa não conta apenas o quanto o jogo custou para produzir, o quanto ele rendeu em vendas e se o saldo foi positivo. Em alguns jogos, a inovação no design pode ser uma ideia inicialmente muito boa, e que na teoria isso tenha tudo para ser um sucesso. Porém, algumas vezes ao invés dessa inovação ser um sucesso, ela pode ser mostrar na prática um pesadelo de logística, produção e distribuição.
Imagem Ludopedia: Descent Lendas da Escuridão
O Descent Lendas da Escuridão é um exemplo dos riscos de inovar. Quando a Fantasy Flight resolveu incluir os cenários 3D no jogo base, isso foi uma inovação, e também uma aposta, que não funcionou. Os cenários 3D do jogo aumentaram tanto o volume, quanto o peso da caixa. Uma caixa maior e mais pesada diminui a quantidade de cópias que se consegue colocar em um container, durante o frete. Isso também afeta a quantidade de unidades que se consegue empilhar, sem esmoronar, ou sem danificar as caixas de baixo. Pilhas menores, e caixas maiores, significam mais espaço necessário para armazenamento nos estoques, bem como maiores dificuldades de transporte. Isso afeta a fábrica que produz, o armazém do porto, o navio do frete, a distribuidora e por fim a loja que vende o jogo.
A inclusão dos cenários 3D também teve um duplo impacto no preço do jogo. Em primeiro lugar a inclusão dos cenários 3D tornou o jogo muito mais caro para transportar e armazenar. Em segundo lugar, os cenários 3D são elementos a mais para produzir o que, obviamente, eleva o custo de produção, e reflete diretamente no preço.
Para compensar todos esses problemas de produção/transporte, causados pela inclusão dos cenários 3D, as vendas tinham de ser fenomenais. Não bastava apenas vender bem, tinha de ser um sucesso estrondoso. A Fantasy Flight certamente esperava que os consumidores pensassem: “olha o jogo está caro, mas compensa porque já vem com esses cenários maravilhosos”. Só que não foi isso que ocorreu, nem aqui, nem no exterior. Isso leva a crer que se o jogo base tivesse vindo sem os cenários 3D, porém mais barato, seu despenho seria muito superior. E se os cenários 3D fossem vendidos separadamente, caso o jogo base fosse um sucesso, provavelmente os cenários também venderiam.
Imagem Google: Dados do Star Wars Destiny
Vale lembrar que o jogo teve desempenho em vendas diferentes aqui e no exterior. O encalhe que aconteceu no Brasil foi muito maior que aquele que se verificou nos mercados norte-americano e europeu. Por isso, mesmo não vendendo bem no nosso país, em termos mundiais o desempenho do jogo foi algo entre médio e bom. Também sempre é preciso considerar que o mercado brasileiro de board games é mínimo, portanto, ele não faz diferença alguma no cômputo geral. Mas mesmo vendendo bem, de forma alguma o Descent Lendas da Escuridão fez o sucesso que a Fantasy Flight esperava, quando decidiu incluir os cenários 3D.
Claro que essa inclusão foi uma aposta na inovação, porque outros dungeons crawlers, lançados nos últimos anos, não incluem cenários na mesma proporção. Diversas empresas inclusive vendem elementos 3D, oficiais ou não, justamente para os interessados poderem dar um upgrade em alguns jogos. Mas no caso do Descent Lendas da Escuridão essa inovação de incluir os cenários 3D, já no jogo base, foi uma aposta que não deu certo.
No caso do Star Wars Destiny, ao que tudo indica, a aposta equivocada foi a inclusão dos dados. Card Games CCG são vendidos não em caixas, mas em embalagens plásticas, no estilo pacotes de figurinhas de álbuns tradicionais. Incluir dados no jogo faz com que esse formato consagrado mude de figura. Isso porque ou se coloca o booster em uma embalagem plástica rígida incluindo os dados, o que dificulta o transporte e armazenamento, ou se vende os boosters em caixas maiores e mais pesadas, o que encarece bastante o produto. Basta imaginar o tamanho de uma caixa de boosters do Magic, caso cada um deles incluísse dois dados.
Imagem Google: Casixa de Boosters de Magic e Destiny
Segundo dados da Amazon, uma caixa de 36 boosters de Magic The Gathering geralmente mede algo em torno de 12,7×20,8×7,1cm e pesam 1,01 quilos. Já uma caixa de 36 boosters de Star Wars Destiny geralmente mede algo em torno de 29x18x17cm e pesam 1 quilo. Portanto, as caixas de boosters dos dois jogos podem pesar a mesma coisa, mas a diferença de dimensões é enorme. Essa discrepância entre dimensão e peso se justifica justamente pela presença dos dados, e a priori o peso também deveria ser muito maior. Ocorre que para diminuir o peso das caixas de boosters, enquanto os do Magic trazem 15 cartas, nos do Star Wars Destiny são apenas 5.
Isso significa que uma pessoa precisa comprar o triplo de booster de Star Wars Destiny do que de Magic, para obter a mesma quantidade de cartas. Porém há que se considerar também que um baralho padrão de Star Wars Destiny é apenas a metade de um de Magic The Gathering. Porém, isso não impacta tanto, porque para montar esse baralho de 30 cartas do Star Wars Destiny, é necessário comprar muito mais cartas que isso.
Entretanto, por uma questão de honestidade intelectual é fundamental lembrar que a atribuição do fracasso do Star Wars Destiny aos dados é puramente especulativa. Portanto, não há dados empíricos verificáveis que possam sustentar essa afirmação, apenas a lógica e o bom senso. Até porque na época do lançamento muitas pessoas curtiram os dados, porque era uma novidade e por trazer uma aleatoriedade maior ao jogo.
Imagem Ludopedia: Star Wars Unlimited
Por outro lado outras pessoas criticaram o Star Wars Destiny justamente por isso, ou seja, por aumentar a importância do fator sorte. Por definição, card games já possuem alguma aleatoriedade, por conta do embaralhamento e sorteio das cartas. Então não adianta uma estratégia matadora se as cartas não vierem, ou se vierem na ordem errada. Se um jogador de Magic não comprar cartas de terreno nos dois ou três primeiros turnos, o que é muito improvável, porém possível, suas chances de vitória se reduzem drasticamente. Claro que ele sempre pode utilizar o “efeito mulligan”, mas sua situação piora muito, caso seu adversário recebe uma mão boa. Então é possível que os dados não tenham agradado o público por conta do aumento da aleatoriedade.
Em vista disso não dá para cravar, com certeza, o motivo que levou ao cancelamento do Star Wars Destiny. Pode ser que não tenham ocorrido dificuldades de produção por conta dos dados. Poder ser que mesmo sem essas dificuldades, ainda assim o sucesso do jogo não tenha se mantido por outros motivos, levando ao cancelamento. Pode ser que o jogo tenha feito sucesso, mas não no nível esperado pela Fantasy Flight. Pode ter ocorrido uma série de coisas, a respeito das quais só se pode especular.
Mas de uma coisa se pode ter absoluta certeza. Se Star Wars tivesse continuado a vender horrores, certamente a Fantasy Flight não teria cancelado o jogo, e partido para essa nova investida do Star Wars Unlimited.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. Quem porventura tiver interesse em textos no mesmo estilo pode encontrá-los acessando o canal iuribuscacio no Ludopedia ou a seção de Jogos de Tabuleiro no portal maxiverso.com.
Iuri Buscácio
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com certeza os dados foram fundamentais pro problema do Destiny… um erro que agora corrigiram