Crítica: Um Completo Desconhecido

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Direção: James Mangold

Elenco: Timothée Chalamet Edward Norton, Elle Fanning, Monica Barbaro, Boyd Holbrook, Dan Fogler, Norbert Leo Butz, Eriko Hatsune, Big Bill Morganfield, Will Harrison e Scoot McNairy

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Quando anunciado esse “Um Completo Desconhecido” sobre a vida de Bob Dylan, imediatamente veio à mente os erros que as cinebiografias por hábito costumam cometer: com um grande período para abordar, as sequências soam episódicas com intuito apenas de recriar momentos icônicos (vide a aberração “Bohemian Rhapsody”, em que é a pavorosa atuação de Ramy Malek não seja nada mais que um cosplay um Freddie Mercury). Mas para meu alívio, a obra de James Mangold faz jus à importante figura de Dylan ao tomar corretamente a decisão de não tentar compreender toda carreira de um dos músicos mais influentes do século passado. Falando assim dar a entender que sou um grande conhecedor da obra do artista, mas não chega a tanto. Meu conhecimento sobre Bob Dylan foi sendo adquirido aos poucos durante os últimos anos seguintes que assisti (e revi) a obra prima “Não Estou lá” (2007) de Todd Haynes. Obra que procurou apresentar as multifaces do músico onde vários atores interpretaram Dylan em cada aspecto de sua personalidade , soando ainda mais eficaz . Assim, se o filme 2007 soa como uma obra atemporal falando de alma do biografado (uma espécie de doutorado), “Um Completo Desconhecido” serve como porta de entrada mais musical (digamos um curso de graduação) para quem não esta muito familiarizado. E garanto que é um bom começo!

bobp Crítica: Um Completo DesconhecidoAbordando o período de 1961 a 1965, o filme apresenta o então jovem Robert Allen Zimmerman (Chalamet) chegando à Nova Iorque em plena ebulição com as discussões sobre os direitos civis, Guerra Fria, movimento Beat e contradições artísticas no famoso festival de musica Folk de Newport – em que Bob Dylan foi vaiado por justamente ser criativo. Aliás, vale ressaltar os intensos trabalhos do design de produção e figurino primorosos ao recriarem aquela atmosfera da cidade, suas lojas, os prédios e ruas movimentadas com seus estilos diversos que compõe aquele contexto social e político.

Sendo assim, por abranger esse período, o roteiro baseado no livro de Elijah Wald, procurar entender intensamente os dilemas do cantor, influências, mudanças de estilos e suas inseguranças sobre importância da imagem mítica gerada diante dos fãs que chama de maneira preocupada de “meus filhos” – e que muitas vezes mantém o músico preso a um sucesso somente -, seu relacionamento com Sylvie (Fanning) e principalmente com a cantora Joan Baez (Barbaro). Não sendo a toa que a câmera deixa o personagem normalmente no canto inferior da tela representando esse deslocamento diante das pessoas, cujos espaços nos planos são simbolicamente preenchidos por suas paixões. Inspirado por tudo e todos, não deixa de ser notável a presença de Edward Norton como Pete Seeger que,  além de ter grande influência de Dylan junto com Woody Guthrie (McNairy) – enfermo devido a uma doença degenerativa –,  possui também uma presença paternal diante do jovem Dylan quando esse se hospeda em sua casa ao chegar à cidade grande. Emitindo uma amabilidade ímpar para o jovem devido ao seu dom musical e identificação com ele, Seeger enfrenta também um choque geracional pela rebeldia de Dylan ao fugir de suas tradições musicais.

Ao usar o Método de interpretação Timothée Chalamet  evita que personalidade de Bob Dylan caia numa caricatura qualquer . Mantendo sua voz sempre num tom quase inaudível e um sotaque enrolando as palavras ditas com pouco entusiasmo, é primoroso que o ator faça as sequências musicais com uma segurança admirável.  Aliás, o repertorio é afiado ao manter, claro, os clássicos do cantor como Mr. Tambourine Man, Blowin’ in the Wind, Maggie’s Farm etc…, mas também qualquer música que toque no filme fiquemos com a sensação que poderíamos ficar ouvindo o dia todo , como uma cena com o músico Brownie McGhee e primeira cena de Joan Baez se apresentando ; aliás, o fabuloso trabalho da atriz Monica Barbaro é absurdamente sólido – elogiável o estudo de canto que a atriz se submeteu para o papel – engrandecendo por demais o tumultuado relacionamento entre ela e Dylan que a música uniu e separou (inclusive, essa dinâmica cria uma tensão fora da tela, uma vez que Baez estava no auge da carreira e serviu como suporte para a carreira de Dylan, o que me traz a mente o relacionamento entre Johnny & June do filme do próprio Mangold em 2005).

Músicas essas que servem literalmente de trilha sonora para os conturbados anos 60 e não somente com álibi para encenações musicais como de praxe. Evidentemente, há uma sequência ou outra deslocada somente para “jogar” a introdução de um sucesso dentro do filme (“Like a Rolling Stones”) como uma epifania surgisse do nada. Inclusive, como mencionei no inicio do texto sobre as cinebiografias soarem episódicas,  aqui a montagem é na maioria das vezes eficiente em evitar esse erro. Claro que há alguns saltos na história dentro do próprio período abordado, mas nada que possa quebrar a fluidez por trabalhar num tempo relativamente curto. Além do mais, o diretor é inteligente ao criar cortes para aumentar essa ação, como visto no momento em que Dylan chega à sede gravadora cuja fachada é tomada pelo dourado significando a fama e num raccord entre uma máquina de escrever e o piano.

Sem querer explicar a figura de Dylan nos detalhes, “Um Completo Desconhecido” se beneficia da própria imagem inconclusiva do biografado, não sendo por acaso finalizar com o  protagonista pilotando uma motocicleta (em 1968 aproximadamente, o cantor sofreu um suposto acidente em que muitos acreditam que tudo não passou de boato para Dylan se manter afastado dos holofotes e dos fãs que o perseguiam em sua fazenda para ressurgir completamente modificado nos anos 70). Obviamente esse prévio conhecimento não é algo obrigatório para o espectador, mas devemos levar em conta um artista em seu estado puro.

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Rodrigo Rodrigues

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