Tsubasa RESERVoir CHRoNiCLE: o maior crossover dos mangás

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O que é, o que é: Chewbacca e Peter Pan dirigindo um Hyundai Tucson? Um crossover num crossover. Piadas à parte, um crossover (não o carro) é quando dois personagens de obras distintas coexistem numa mesma história. Podem ser personagens de um mesmo autor ou de autores diferentes. Os crossovers podem ser oficiais ou feitos por fãs.

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Doujinshi de paródia do artista Mitsuki Yuuya, que funde o policial John McClane, da franquia Die Hard, à fada Daiyousei, da série de jogos Touhou Project.

Apesar de comuns no mundo das HQs norte-americanas, os crossovers são relativamente raros quando se trata de animes e mangás, ficando mais restritos às histórias não oficiais, como os doujinshi de paródia. A obra Tsubasa RESERVoir CHRoNiCLE, no entanto, embarcou tão a sério na idéia dos crossovers que se tornou o exemplo mais famoso dentre os animes e quadrinhos japoneses.

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Tsubasa foi um mangá serializado de 2003 a 2009 na revista japonesa Weekly Shounen Magazine (totalizando 28 volumes) e adaptado para uma versão anime de duas temporadas, dois OVAs e um filme. Além disso, teve uma sequel totalizando 3 volumes: Tsubasa: WoRLD CHRoNiCLE – Niraikanai-hen.

Foi produzido pelo grupo CLAMP, integrado por quatro mulheres: Satsuki Igarashi, Ageha Ohkawa, Tsubaki Nekoi e Mokona. O grupo, que é bem conhecido entre os otakus, vem criando, desde 1989, mangás de gêneros e temáticas diferentes, muitos dos quais se tornaram grandes sucessos. Entre eles, temos o conhecido Sakura Card Captors, por exemplo, e também X-1999, Guerreiras Mágicas de Rayearth, Angelic Layer, Chobits, xxxHolic e outros. Alguns crossovers já eram comuns nas obras do grupo, mas com Tsubasa RESERVoir CHRoNiCLE isso foi levado a um outro nível. O nome do mangá, composto por palavras em japonês (tsubasa), francês (reservoir) e inglês (chronicle), pode significar algo como “Depósito de Crônicas das Asas” ou simplesmente “Crônicas das Asas“.

O título vem da premissa do mangá, premissa esta que favoreceu os inúmeros crossovers da história: quatro viajantes vindos de reinos distintos atravessam uma série de dimensões em busca dos fragmentos de asas que são a materialização das memórias da princesa Sakura.

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Imagem de um dos artbooks de Tsubasa (CLAMP).

A história começa com Sakura e Syaoran visitando uma ruína no Reino de Clow, até que algo naquele lugar, misteriosamente, faz com que as memórias da princesa se fragmentem e se dispersem por mundos em outras dimensões. Com Sakura inconsciente pela perda de suas memórias (que são também um elemento de sua alma), Syaoran leva Sakura consigo para se encontrar com a Bruxa das Dimensões, Yuuko Ichihara. Pagando um alto preço que não pode ser estipulado em dinheiro, mas que é equivalente ao desejo do garoto, Yuuko lhes possibilita viajar pelas diferentes dimensões, juntamente com dois outros personagens, Kurogane e Fai, que apesar de terem consultado a bruxa por razões diferentes, se juntam a Syaoran e Sakura na jornada em busca das memórias da garota.

Os protagonistas são bem diferentes: temos o garoto interessado em arqueologia, Syaoran (ou Shoran); a princesa Sakura do reino de Clow, que é amiga de infância de Syaoran; o ninja do Japão feudal, Kurogane; e o despreocupado mago Fai (ou Fay/Fye). Não nos esqueçamos também do mascote, Mokona, pois é graças à magia desta pequena criatura semelhante a um manjuu branco (um doce japonês) que essas quatro pessoas conseguem viajar de um mundo ao outro.

Os personagens de Tsubasa vêm, em sua grande maioria, das outras obras do grupo CLAMP, com exceção de Kurogane e Fai em especial, que são personagens originais da obra. Os próprios Syaoran e Sakura são personagens de Sakura Card Captors, e Mokona aparece em vários mangás, como Guerreiras Mágicas de Rayearth e xxxHolic, que é a obra onde a bruxa das dimensões aparece originalmente. Na continuação Tsubasa: WoRLD CHRoNiCLE – Niraikanai-hen, outros personagens aparecem, em especial os de Gate 7, obra posterior ao primeiro mangá de Tsubasa.

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Os quatro protagonistas. Imagem de um dos artbooks de Tsubasa (CLAMP).

Para ajudar a princesa a recuperar sua memória, os quatro protagonistas enfrentam uma série de obstáculos na busca pelos fragmentos enquanto viajam por cada um dos mundos, onde se dão os crossovers com os demais personagens da história, que se tornam seus adversários ou aliados. São cerca de 100 personagens vindos de diferentes obras das mesmas autoras e que em Tsubasa pertecem a um mesmo universo (ainda que a mundos e dimensões diferentes), além de uma série de referências a locais, armas e itens mágicos vindos de outras obras do grupo. Os nomes e aparência dos personagens foram praticamente mantidos em Tsubasa, mas personalidade e interações foram modificadas em maior ou menor grau. Desta forma, não se trata dos mesmos personagens vindos das suas obras originais exatamente, mas encarnações desses personagens.

A título de exemplo, Syaoran em Sakura Card Captors é um garoto menos amigável e até um pouco rabugento. Em Tsubasa, Syaoran é mais maduro, tendo sua determinação e altruísmo como algumas de suas principais características. Sakura em Sakura Card Captors é a famosa garota mágica das cartas, sorridente e cheia de energia. Em Tsubasa, Sakura continua sendo meiga como em SCC, mas é um pouco mais tímida e reservada.

Por essas razões, Tsubasa tem um grande potencial para agradar fãs do CLAMP, mas também para desagradar alguns deles. Muitos dos leitores acham interessante rever personagens já conhecidos num contexto completamente diferente, com algumas alterações de personalidade aqui e ali. Já outros preferem os personagens como eram originalmente. Para quem não tem familiaridade com as outras obras do grupo, os inúmeros crossovers podem parecer um obstáculo ao entendimento do mangá, o que não é bem o caso, já que Tsubasa constrói um universo à parte, sem que seja necessário ter lido outros mangás do CLAMP, com exceção, talvez, de xxxHolic.

Apesar de serializado numa revista diferente, num intervalo de tempo diferente, xxxHolic é praticamente um complemento a Tsubasa e vice-versa. Em vários pontos as histórias se cruzam, sendo que, rumo ao final, essas interferências são de grande importância para a compreensão dos mistérios surgidos no decorrer da trama. Por isso, é recomendável que ambos sejam lidos ao mesmo tempo ou, pelo menos, um logo após o outro.

Esses fatores podem ser um dos motivos pelos quais Tsubasa é por vezes considerado um mangá confuso. De fato, conforme a história se desenrola, a trama vai se tornando cada vez mais complexa. Apesar de ser um shounen (voltado para o público masculino jovem), com o tipo de história que promete aventuras com muita ação e fantasia, da metade da história em diante, as coisas começam a ficar mais obscuras e os leitores passam a ser surpreendidos por plot twists e mistérios cada vez mais complicados. Em contrapartida, o passado e as motivações de cada personagem vão sendo revelados, envolvendo ainda mais o leitor.

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Mago Clow, um dos vários personagens que integram o crossover de Tsubasa. Imagem de um dos artbooks do mangá (CLAMP).

Tsubasa é considerado um dos melhores mangás, tanto pelo público ocidental, quanto pelo público japonês, o que pode ser constatado pelas altas posições em rankings de sites como MyAnimeList e pelo número de cópias vendidas no Japão (cerca de 20 milhões). O anime, no entanto, não é considerado uma adaptação que faz jus ao mangá, já que não mostra a história até o fim, sendo necessário assistir os OVAs para se ter uma noção do que ocorre na segunda metade da história, e ainda assim nem tudo é mostrado. Por isso, a melhor maneira de conhecer Tsubasa é lendo o mangá. Apesar do público-alvo, é uma história que costuma agradar fãs de todos os gêneros.

Além de ser uma boa história de aventura cheia de crossovers, é notável a dedicação das autoras na criação de mundos completamente diferentes, cada qual com sua própria cultura, refletida em especial no character design dos personagens, com uma arte muito bem feita e um traço original. A riqueza da obra gerou, além das versões animadas, guide books carregados de informações, dois belíssimos artbooks e outros encadernados especiais, como os de Clamp no Kiseki. No Brasil, Tsubasa RESERVoir CHRoNiCLE foi publicado pela editora JBC no formato meio-tanko (metade de um volume original), totalizando 56 volumes.

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Karina Moreira

Formada em História, é membro do Grupo de Estudos de Histórias em Quadrinhos de Franca (GEHQ). Há anos não consegue viver sem sua dose diária de animes e mangás, o que aumentou seu interesse pela cultura japonesa, e espera conseguir dominar o complexo idioma dos kanji um dia... De vez em quando, gosta de desenhar e passar a madrugada rindo de vídeos de pegadinhas.
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6 thoughts on “Tsubasa RESERVoir CHRoNiCLE: o maior crossover dos mangás

  1. Eu não sei direito como funciona o grupo CLAMP – o grupo de moças tiazinhas (como se eu fosse a cousa foufa mais nova do planeta que produzem mangás de sucesso há cerca de vinte anos) – mas de uns anos para cá tenho a impressão que existem duas cabeças de roteiro: uma que faz bombas pretensiosas, como Chobits (os bonzinhos vão falar que essa história é sobre o amor romantico não carnal. “Uma ode ao sexo anal”, dirão os maldosos) e outra que faz histórias legais, mas dentro de fórmulas consagradas, tipo Angelic Layer (o tema tem vários pontos de contato com Chobits, mas é muito melhor).

    Enfim, mês passado terminei de ler os dois mangás do título do post. São em tese “ligados” (há algumas tangências de roteiro entre um e outro, quase no molde americano de crossover), mas…. well, Tsubasa é um lixão. Começa até legal, como uma versão alternativa de vários personagens de séries anteriores do grupo, viajando em vários mundos, onde encontram outras versões alternativas de outras séries, mas o roteiro vai degringolando, ficando confuso e artificial… sabe quando a partir de certo ponto você não sabe e nem se importa mais com os personagens ou com a trama, só quer chegar ao final logo? É isso.
    Com o plus que CLAMP é péssimo em desenhar lutas.
    Já xxxHolic é – na maioria das vezes – uma série de pequenas histórias sobrenaturais encadeadas, muitas com uma “lição” no final. É gostoso de ler, os personagens são simples e divertidos, e as partes inexplicadas no roteiro geralmente são fruto das intersecções com Tsubasa – mas recomendo ignorar estes detalhes, ou procurar resumos do que aconteceu fora da internet. O final é melancólico e pode não agradar alguns, mas achei justo e aceitei^^

    Veredicto: recomendinho xxxHolic e fujam de Tsubasa: Reservoir Chronicle.

    1. O CLAMP sempre gostou de explorar temas e públicos-alvo diferentes. É normal que nem todas as histórias agradem uma mesma pessoa.
      Tsubasa e xxxHolic eu li ao mesmo tempo anos atrás e não me lembro de ter tido problemas, só o básico de voltar a algumas passagens anteriores para deixar algo mais claro e relacionar os eventos dos dois mangás. Gosto tanto de um quanto do outro, mas concordo que o final de xxxHolic deixa uma impressão melhor e mais duradoura.

  2. “Doujinshi de paródia do artista Mitsuki Yuuya, que funde o policial John McClane, da franquia Die Hard, à fada Daiyousei, da série de jogos Touhou Project”.

    a melhor parte é essa legenda séria e profissional posicionada abaixo da imagem horrenda

    1. Até eu fiquei rindo enquanto escrevia a legenda, haha, esse artista é muito bom.
      Obrigada pelo comentário, Jota! Passe por aqui mais vezes quando tiver um tempinho entre as gravações dos seus vídeos! 😉

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