Crítica: O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation)
O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation)
Direção: Nate Parker
Elenco: Nate Parker, Armie Hammer, Penelope Ann Miller, Jackie Earle Haley, Mark Boone Junior, Aja Naomi King, Colman Domingo, Dwight Henry, Gabrielle Union e Penelope Ann Miller
O Nascimento de uma Nação de 1915 (leia nosso texto sobre o filme aqui), dirigido por Griffith, é considerado um divisor de água dentro da história do cinema devido sua narrativa que se tornou referência por usar os conceitos como montagem e outras inovações técnicas. Mas o seu conteúdo o tornou uma obra desprezível pelo seu conteúdo racista (não polêmico como a mídia e sociedade em geral adoram dizer em casos semelhantes, mas sim racista!) que tornou difícil a separação entre forma e conteúdo dentro da obra mais de cem anos depois de seu lançamento.
Assim, chegamos a este O Nascimento de uma Nação escrito, dirigido e protagonizado por Nate Parker que se mostra eficaz para demonstrar todos os horrores da escravidão dentro de uma narrativa competente, mas que peca por não tomar uma posição contundente sobre o tema e ainda exagerar, ao meu ver, no contexto religioso e mítico que mesmo sendo útil dentro da abordagem (narrativa esta que, por vezes, claramente tem inspiração vinda em 12 anos de escravidão com doses Tarantinescas de Django Livre).
Nat Turner (Parker) é um jovem negro na escravocrata Virginia no ano de 1809 e a partir daí vamos acompanhando seu crescimento e as motivações que o levou a se tornar um líder dentro da comunidade escravizada que se rebelou contra os senhores brancos nos anos de 1830, cujo movimento influenciou outros escravos na luta contra a repressão.
O roteiro durante toda a projeção do longa demonstra toda mentalidade preconceituosa e grotesca que a sociedade escravista que via os escravos como um ”espécie inferior”, cuja capacidade de leitura de um deles era vista como ”dom” (o maior medo do opressor é justamente o oprimido obtenha conhecimento) e que era completamente normal uma escrava sirva como presente de casamento ou mesmo uma criança branca brinque com uma criança negra, sendo esta última com uma corda no pescoço como fosse um animal.
Passando todo o longa assumindo o ponto de vista dos escravos, é didático e revelador ao vermos os senhores de escravos cujo comportamento muitos adoram defender como eles fossem salvadores. Elite simbolizada nos personagens Samuel (Hammer) e Elizabeth Turner (Miller) que tratam seus escravos com algumas regalias e se passando até por benevolentes, mas não demoram muito a expor o ódio racial incrustado e a necessidade de usarem seres humanos como moeda de troca para crescimento social ou ”simplesmente” para satisfazer sexualmente convidados em um jantar.
Como visto no documentário brasileiro Menino 23, independente da época, a elite jamais admite, jamais assume sua culpa e sempre usa o contexto histórico como desculpa para seu atos. Portanto, sendo assim, uma discussão se abre para o fato se os violentos atos dados como resposta dos escravos liderados por Nat seria algo adequado para o contexto ou se seria visto como algo reprovável por envolver mais violência contra mais seres humanos?
(neste momento também me vem à mente outro excelente documentário 13ª Emenda que foi usada para criminalizar as minorias por eles estarem cometendo crimes que os próprios detentores do poder foram os precursores ou quando não, usaram a esta mesma emenda a seu favor para criminalizar o meio de vida dos negros para voltarem exercer sua ”supremacia racial”).
Ao inserir o contexto religioso, a direção acerta quando Nat, por ele ser um pregador, ser usado para levar a ”palavra de Deus” a outros escravos para que este não se rebelem contra seus senhores e aumentem suas cargas de trabalho numa época de crise nas lavouras de algodão. A crítica de adestramento pela religião e sua dualidade é um elemento importante e crítico do longa, como podemos comprovar no momento em que questionado se os atos violentos que Nat planeja pôr em prática não seria contraditório por Deus estar ligado ao amor, a resposta é que este mesmo Deus também é o da ira.
Nat Turner que tem seu arco de personagem apoiado neste contexto como um escolhido para liderar seu povo, assim Parker constrói seu personagem que sempre parece estar à margem dos fatos (a ponto de causar certa irritação pela demora em se conscientizar), mas que aos poucos vai assumindo a personalidade definitiva sem questionar seus atos idealistas dariam certo ou não – ratificando que o excesso religioso e mítico por vezes enfraquece a causa dentro de um cenário mais complexo.
A direção de Nate Parker se mantém sutil durante todos o longa abusando de movimentos delicados com Zoom e enquadramentos que criam uma bela rima visual. Como podemos ver na cena em que Nate pede sua futura esposa em casamento com a câmera percorrendo o casal ou quando, ainda criança visualizamos uma cena em que a mãe de Nate sentada a porta para na transição da cena seguinte vemos o jovem sendo subjugado pelo livros (cuja narrativa tem sua lógica finalizada no clímax, quando Nat presencia a morte de seu amigo).
Mantendo seu cuidadoso visual no seu clímax que claramente parece ter sido pensado para uma premiação de Oscar por usar os velhos chavões de heróis de guerra, o longa ainda se mantém fiel a questão do racismo e fascismo quando vemos toda uma cidade hostilizando os escravos como os nazistas faziam com relação aos judeus. Mas desperdiçando um grande oportunidade para confrontar a ideia do racismo, que infelizmente em 2016 ainda é corriqueira , O Nascimento de uma nação, pelo menos, deixa claro que precisamos evoluir e estes fatos não podem passar em vão como um desvio social ou adequado a uma época.
Cotação 3/5
Rodrigo Rodrigues
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