Crítica: Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures)
Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures)
Dirigido: Theodore Melfi
Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kirsten Dunst, Jim Parsons, Mahershala Ali, Aldis Hodge e Kevin Costner
Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) são três amigas que trabalham na agencia espacial americana na década de 60 e enfrentam diariamente todas as formas de preconceito e machismo. Assim, se valendo de um momento da história americana pouco conhecida, Estrelas Além do Tempo tem por mérito criar uma estrutura em que ao mesmo tempo aborda a racismo dentro da sociedade americana, tendo como pano de fundo a corrida espacial nos 60, na qual estas mulheres foram fundamentais para a NASA realizar as suas missões.
Portanto, sempre será válido quando um filme se vale de qualquer contexto para mostrar algo tão desprezível como o preconceito e o racismo, principalmente quando se tem um elenco entrosado e representativo e que se mostra correto na sua narrativa durante vários momentos. Elenco que ainda conta com a participação de um sempre seguro Kevin Costner e que tem na cantora Janelle Monáe uma grata surpresa, mesmo que sua personagem fique um pouco esquecida no terceiro ato, quando o filme se concentra praticamente nos conflitos de Katherine e Dorothy.
Todavia, a direção de Theodore Melfi peca demasiadamente por não se controlar no seu maniqueísmo e na necessidade constante de evocar emoção (como se o público não fosse capaz de diferir sozinho o contexto racial), e foge constantemente (aliás, nunca de propõe) em discutir a questão do racismo e os direitos civis. Ademais, é visível que a direção tenta engrandecer de maneira forçada as cenas através de uma trilha sonora expositiva cada vez em que uma personagem usa o diálogo, transformando-o em um discurso, como na cena em que Katherine conhece seu futuro marido ou quando Mary discursa numa audiência para obter autorização para estudar.
Tanto que podemos identificar tal narrativa logo em seu início em que demonstra Katherine ainda criança como uma jovem prodigiosa no colégio. Abordando tal sequência com uma pequena dose onírica e fantasiosa que não tem qualquer função futura, tal contexto acaba sabotando a própria essência humana da personagem como se dissesse que somente com “poderes” ela poderia se tornar o que se tornou, tornando não somente deslocada, como até mesmo equivocada a sequência.
Claro que em outros momentos a direção acerta quando, usando cortes e enquadramentos corretos, o filme acaba rendendo bons e simbólicos momentos quando tenta fugir do tal maniqueísmo, como podemos comprovar no belo plano em que o personagem de Kevin Costner entrega um objeto a Katherine, simbolizando o aprendizado que ela pode fornecer àqueles homens. Ou quando vemos Mary estudando, sendo a única mulher da sala, e para vermos posteriormente Katherine cercada e também sendo a única mulher do local (cena realçada pelos homens sendo mostrados sem seus rostos ao redor dela).
A constante irregularidade da direção fica evidente quando no terceiro ato, depois de comprovada a importância de Katherine, ela tem uma porta fechada previsivelmente sua frente, somente para a personagem retornar e ser chamada – previsivelmente – por Al (seria muito mais eficaz, delicado e simbólico se a porta se mantivesse aberta e ela entrasse lentamente na sala, mas acho que seria pedir muito, enfim…).
Quanto ao tratamento do racismo, o roteiro do próprio diretor, pelo menos, não poupa em seus diálogos expressões que toda pessoa e sociedade racista adora dizer, como: “Não sou preconceituoso, mas…”. Ou como usar o fato de pessoas negras terem de “agradecer por terem um emprego”. Todavia, o mesmo roteiro acaba se auto sabotando, como no momento em que Katherine – querendo confrontar o machismo e misoginia – justifica a presença das mulheres ali ao dizer algo do tipo “Estamos aqui, não porque usamos saias e sim óculos” (Sério? bem, imagino o que as personagens que não usam óculos, como Dorothy Vaughn e Mary, diriam sobre isso).
O racismo segregou os negros nas escolas, em ônibus, banheiros e até mesmo para tomar um simples café… a ignorância se fez presente, mas a direção usa de tal contexto para criar alívios cômicos que acabam soando com certo desrespeito por um assunto que necessita ser abordado com mais aprofundamento. Como podemos comprovar nas cenas em que Katherine tem que ir ao banheiro de seu antigo setor que fica distante, pois não pode compartilhar os toaletes destinados às funcionárias brancas. Isso tudo com direito a trilha sonora leve e pasta caindo para dar em entonação mais atrapalhada para a protagonista. Ou até mesmo quando um funcionário, pensando que ela seja uma faxineira, lhe entrega a lixeira… soa tão superficial que acaba causando uma descontração ao invés de uma denúncia (conte a mesma coisa quando uma personagem negra rouba um livro).
O roteiro, inclusive, insere cenas descartáveis que demonstram seu excesso e a recorrente necessidade de fisgar o público na identificação e até mesmo a memória afetiva (mais maniqueísmo), só que acaba sendo infeliz. Como poderíamos dizer na cena em que Mary prende seu salto na plataforma de teste (com certeza alguém pensou: tinha que ser uma mulher e seus saltos!), ou na presença do ator Jim Parsons, da série Big Bang Theory, fazendo papel de um cientista, evidenciando que o único motivo de seu papel foi para causar uma memória “recente” e afetiva, remetendo ao personagem Sheldon, porém maduro, uma vez que não tem serventia na história (assim como a Kirsten Dunst que somente surge em cena para que Octavia Spencer tenha o que dizer).
Podemos mencionar como mérito também o design de produção que faz um bom trabalho na reconstituição da época. Assim como no local de trabalho de Katherine dominado por homens quase que uníssonos devido aos uniformes iguais e com grande espaço contrastando com o escritório apertado das mulheres lideradas por Dorothy e seus figurinos coloridos salientados por uma palheta de cores mais quente.
Convencional até seus últimos momentos (com as tradicionais fotos durante os créditos) e abraçando uma narrativa mais próxima a filme como Apollo 13 e Os Eleitos, esse Estrelas Além do Tempo, pode até ter tido as melhores intenções possíveis, mas, infelizmente, isso não foi o suficiente para se torna uma obra contundente. Restando, pelo menos, os fatos históricos que são importantes e sempre necessários para que a saga destas heróicas pioneiras jamais caiam no ostracismo, mas é impossível não sentir que no final o que se sobressai é o ponto de vista e patriotismo do homem branco americano.
Cotação 3/5
Obs: por um equívoco nosso, o título do filme foi postado originalmente de forma errônea, mas já corrigimos.
Rodrigo Rodrigues
Latest posts by Rodrigo Rodrigues (see all)
- Crítica: Coringa – Delírio a Dois - 11/10/2024
- Crítica: Os Fantasmas Ainda se Divertem – Beetlejuice Beetlejuice - 13/09/2024
- Crítica: Alien – Romulus - 24/08/2024
- Crítica: Caça-Fantasmas (Ghostbusters) - 18/06/2024
- Crítica: Furiosa: Uma Saga Mad Max - 11/06/2024
qd vc diz que a trilha é espositiva por exemplo, e qd respondeu o comentário dizendo que subestimam a capacidade do publico, eu acho que isso é consciente, ou seja, eles sabem que o publico vai entender algumas coisas complicadas, maaaas… se mastigarem tudo e deixarem mais acessivel, mais gente vai ententer, ou seja gente que nao entenderia se fizesse o filme um pouco mais inteligente, ai entao isso passa a ser uma estrategia comercial, pq qt mais gente vc agradar, mais lucro, no final tudo gira em torno de dinheiro certo, entao muitos filmes eles optam por descer um nivel e explicar mais as coisas, por causa do aumento da audiencia e nao por achar que a audiencia basica nao vai entender, tipo Interestelar tenho certeza que Nolan podia fazer algo na linha do 2001, mas aí capaz que nem pagasse o custo do filme, entao ao inves de fazer algo totalmente psicodelico e encerrar o filme apos o fechamento do hypercubo, ele teve que por a cena final pra explicar tudinho e ai vc abraça todo o publico (o povao do cinema) e fatura mais, etc… infelizmente sao concessoes que a industria tem que fazer em detrimento da arte, pega o Zack Snyder, que fez Watchmen algo quase literal em comparacao com os quadrinhos (tipo 300 de Esparta, mas 300 nao é uma obra intelectual é mais ação), foi um fracasso comercial e a Warner na epoca anunciou que nao faria mais concessoes de permitir superproducoes que so atendessem publico restrito
Rodrigo como esses erros idiotas que vc citou passam pelos revisores, pelo produtor, etc? A cena dela indo ao banheiro foi constrangedora… parece que tentaram fazer uma cena de comedia romantica ali…
Janete
Bem vinda
Vários fatores durante a produção podem resultar nestes fatos e até fica difícil identificar um fator externo que possa ter influenciado o resultado de um filme rs.
Neste caso específico a falta de experiência do diretor poder ser atenuante. Também, em muitos casos, é a falta de respeito com o próprio espectador e com a arte em si, como subestimassem a capacidade do público como precisasse de algo de fácil assimilação e mastigado (os filmes baseados em HQ são um bom exemplo)
Obrigado pelo comentário.
Abraço