King Kong é um mito do cinema e da cultura popular com uma incrível capacidade para se reinventar. Nascido em 1933 pós-depressão como símbolo do embate da natureza contra o homem moderno, Kong reapareceu mais de quatro décadas depois (1976) em plena crise do petróleo para se apaixonar pela bela vivida (e bela) Jessica Lange, para somente em 2005, nas mãos de Peter Jackson ele retornar às suas origens numa obra subestimada e que merecia mais reconhecimento – isso sem mencionar uma continuação picareta em 1986 (estrelada por Linda Hamilton) e as outras versões japonesas para o símio.
Assim chegamos a este Kong: A Ilha da Caveira, que abandonou o conceito clássico do gorila para introduzir o contexto de filme de monstros (como Godzilla). Contando com uma direção bem lapidada para o gênero, é visível como o cuidado mais simples com a narrativa, mesmo se tratando de um filme como este, é fundamental para criarmos certa empatia pela obra, algo que pode passar despercebido, mas se torna fundamental.
Um grupo de cientistas liderados por Bill Randa (Goodman) apoiados por um grupamento militar comandado pelo Coronel Packard (Jackson) partem para uma expedição rumo a uma ilha desconhecida para pesquisas geológicas, mas claro, como todos sabemos, o objetivo é ir atrás de Kong – não poderíamos pedir muito mais que isso. A credibilidade trazida pelo elenco de peso é um dos grandes ingredientes mesmo apresentando personagens que não exijam tanto de atores como Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, Brie Larson, John C. Reilly e John Goodman. Não que todos estejam agindo no automático (e estão), mas é notório que todos abraçam seus papéis dentro de clichês dos mais convencionais sem comprometer como normalmente poderia acontecer.
Assim se temos, por exemplo, Samuel L. Jackson com sua interpretação com os olhos (aproveitada ao extremo com closes fechadíssimos), o “mocinho” Tom Hiddleston e Brie Larson mostram uma boa dinâmica (e por momentos descontraídos) sem o roteiro jamais apelar para qualquer tipo de envolvimento amoroso – tudo suficientemente capaz de manter a atenção do espectador até o surgimento do monstruoso protagonista. Isso é refletido também no fato de que aqui, a personagem de Larson não seja usada com a “mocinha” em apuros , onde sequer temos a clássica abordagem entre a bela e a fera (para dizer que não existiu, por alguns segundo e apenas por reverência à mitologia do personagem temos uma cena com tal contexto).
O design de produção retrata com fidelidade na medida do possível o cenário dos anos 70 com seus telefones e computadores antigos, e mesmo que por momentos, a direção não use planos mais longos, somos suficientemente capazes de sermos inseridos naquele cenário. A trilha sonora é permeada de sucessos dos anos 60 e 70, e que ao contrário de muitos filmes que fazem suas escolhas de maneira óbvia, aqui (mesmo que jogadas aleatoriamente) ajudam ainda mais a ambientalizar o filme com bandas que marcaram a época como Jefferson Airplane, The Stooges e até mesmo nosso Jorge Ben Jor com a clássica “Brother”.
A narrativa tem outros pontos a elogiar com relação a estes cuidados, principalmente na fotografia e nos cortes mais bem planejados (elipses cômicas no caso), como na cena em que um personagem está prestes a ser atacado e surge a imagem de alguém comendo um sanduíche – nada de espetacular claro, mas repetindo, mostra algum cuidado se analisado com outros aspectos em conjunto. E com relação à fotografia, o trabalho de Larry Fong é elogiável ao presentear o espectador com belíssimos planos e cores quentes, assim é impossível deixar de comentar o uso constante da contraluz com o sol ao fundo para dimensionar o personagem principal remetendo a Apocalipse Now de Coppola. A obra prima de 79 serve também como fonte de inspiração para vários outros momentos, como a famosa cena das hélices rodadas em câmera lenta, a adoração pelo napalm “herdada” do coronel Kilgore de Robert Duvall e a própria idealização do personagem de Samuel L. Jackson que aos poucos vai assumindo um estado mais psicótico, remetendo ao coronel Kurtz de Marlon Brando – obviamente tudo guardado a suas devidas proporções.
Jamais abusando de cortes rápidos ou quaisquer movimentos tremidos com a câmera, o diretor Jordan Vogt-Roberts consegue ainda a proeza de apresentar as batalhas entre os monstros com habilidade e uma boa mise-en-scene. Pois, devido a grandiosidade das cenas, seria fácil qualquer diretor de blockbusters usar cortes e mais cortes rápidos para causar impacto erroneamente, como podemos comprovar no clímax do filme quando somos capazes de acompanhar toda a movimentação e lógica das ações de Kong sem isso se tornar algo desinteressante. Inclusive, o uso do 3D em uma cena pode-se dizer que não é algo totalmente descartável por usá-lo em determinado momento servindo a história do filme (entretanto, em outra sequência com Tom Hiddleston é visível que foi criada apenas para atender o uso da tecnologia). E a edição consegue equilibrar corretamente os núcleos de personagens sem que necessariamente possamos perder o interesse por eles. Ademais, no aspecto técnico os efeitos são muito impressionantes, e sempre tendo atenção ao detalhes, como podemos reparar nos ferimentos de Kong, nos gestos mais delicados com as mãos e maneira dele se movimentar (ratificado, caso o filme usasse certas convenções narrativas como uma edição acelerada e corte bruscos, tudo isso seria perdido).
Assim com não podemos deixar de notar, que mesmo apresentando Kong numa proporção jamais vista nos cinema (realmente é gigantesco e interessante que sua postura bípede é a mesma do filme de 1933), ainda conseguimos ter a mesma empatia e pena pelo contexto apresentado ao personagem (sua solidão) mesmo diferindo da abordagem clássica.
Como devem ter percebido, o texto foi somente elogios para o filme. E realmente ele mereceu e espero que parte do público, que por vezes adora problematizar alguns filmes como este, entenda seus absurdos. Pois sem desrespeitar o público que deseja assistir uma obra apoiada em grandes efeitos gráficos com macacos e lagartos gigantes, Kong: A Ilha da Caveira é eficaz e eficiente dentro de sua proposta.
Cotação 3/5
Espero que mantenha as notas do filme, são um complemento ao texto. Acho esse o melhor filme do personagem… direto, competente no que se propõe, bom tecnicamente. Trama simplória? Sim, mas o filme é tão bom que mesmo assim o resultado final é positivo. Cheio de clichês? Sim, mas o clichê por si só nunca é o problema, o problema é como é usado. Aqui temos um exemplo de clichês bem utilizados, bem feitos. Tudo funciona certinho no filme. Não é excelente, obra-prima, etc, mas é muito bom. Passou pra trás o King Kong do Jackson na minha opinião (ainda que como vc disse em um comentário aqui, são filmes diferentes). Como únicos (mas desprezíveis) pontos negativos cito o japones da 2ª Guerra que morre (só sobra, claro, o americano), algumas atitudes meio bobas dos militares (como o cara que tenta se matar com as granadas, no fim, e leva uma rabada do monstro rs, ao invés de tentar primeiro atirar as granadas), o fato de terem passaros parecidos com pterodactilos (que poderiam portanto voar para outras ilhas mas não o fazem) e a cena em que um desses pássaros captura o cientista bigodudo e NINGUEM se protege ou sequer fica com medo de novos ataques daquele, ah e tem o outro cientista que sobra e topa ir com os militares matar o Kong, um comportamento que jamais tomaria de verdade só pq alguem pergunta se ele vai “amarelar”.
Vita
Bem vindo
Admito que ainda estou pensando se mantenho a nota. Eu entendo que é um complemento, mas algo que não traduz o texto. Até porque é complicado eu escrever um texto grande e a pessoa se atentar apenas se eu dei 3 estrelas. De qualquer maneira obrigado pela dica
O grande mérito do filme em si, é que ele assume sempre o que é. E mesmo assim, atende de maneira correta alguns aspectos da narrativa. Não sei , se chega a passar o filme de Jackson (ate poque este é mais ambicioso e possui elementos narrativos mais complexo, como a historia clássico da bela e a fera etc..), mas respeito se acho isso.
Abraços e espero que volta a comentar nossos textos.
Teve algum filme, por ventura, que vocês nomearam com nota 5?
Glenda
Bem vinda
Acho que Moonlight dei 5. Mesmo assim não gosto de dar nota ao filme (faço apenas por padrão do site). É reducionismo demais atribuir uma nota ou valor a uma expressão ou obra de arte em si.
Tem filme que dei 4 mas poderia ser 5. Já atribui 3 podendo ser 4. Mas se você achou a nota que dei ao filme menor o maior a sua expectativa, pode considerar a sua como correta.
O importante sempre será o texto, pois lá que exerci da melhor maneira possível minha verdadeira opinião.
abraços
me arrisco a dizer que foi um filme melhor que o Kong do Peter Jackson… mudou mas manteve a aura do original, efeitos especiais de primeira (esse foi o grande problema do Kong do Jackson, o macaco era incrivel, mas o resto era bem ruim em termos de efeitos), uma historia bem rasa, mas direta e eficiente
Luciana
Bem vinda e obrigado pelo comentário
Melhor que o do Peter Jackson? Não sei se seria capaz de afirmar isso também rs
São filmes bem diferentes em suas propostas (mesmo abordando o mesmo personagem)
O filme de 2005 é literalmente uma refilmagem , não divergindo em nada do clássico de 1933 – e realmente teve alguns efeitos não tao bons. Mas mesmo assim é um bom filme
Este “Kong” é mais uma reinvenção do mito do personagem, voltado ao aspecto “filme de monstro”, como Godzilla.
Fica a duvida rs
Agradeço novamente o sua opinião.
Abraços