Batman vs Superman Parte III – A DC diminui o Superman e aumenta o Batman
Agora que já sabemos como e porque o reacionário Frank Miller e o psicodélico Grant Morrison deram seus toques pessoais ao Homem-Morcego, moldando-o conforme suas necessidades de direcionamento das histórias que estavam contando, convém lembrar aos leitores a (óbvia) influência dos roteiristas nos personagens com os quais estão lidando.
Nesse ponto cabe observar que a DC precisa, constantemente, diminuir o Superman e aumentar o Batman.
Ao contrário do que muitos pensam, a Marvel e a DC, apesar de serem editoras grandes e terem personagens mainstream consagrados e populares, ainda assim permitem certas doses de liberdade aos roteiristas quando estes assumem determinadas revistas.
Por mais que se conheçam as características físicas e psicológicas de um personagem do peso do Homem-Aranha, por exemplo, é muito comum que cada roteirista, ao escrever as histórias do teioso, costume dar certas características à ele, conforme sua vontade e não necessariamente conforme os paradigmas estabelecidos pela editora ao longo da existência do mesmo.
Claro que dificilmente alguém vai pegar o Peter Parker e vai transformá-lo em um adolescente super descolado, popular, musculoso e confiante, um estereótipo praticamente oposto ao perfil histórico do Homem-Aranha. Ainda assim, J. Michael Straczynski, quando assumiu os roteiros do Amigão da Vizinhança, conseguiu dar seu tom pessoal às histórias do aracnídeo, assim como Todd McFarlane havia feito anos antes. O mesmo ocorre com basicamente todos os principais escritores das HQs.
Junte essa pequena, porém importante, liberdade dos roteiristas com o problema editorial que é o Superman e seus poderes e você entenderá porque é necessário diminuir o Azulão, do ponto de vista conceitual.
Kal-El é o personagem de linha de quadrinhos mais poderoso que existe, excetuando-se as “entidades” criadas pelas editoras como Eternidade, Tribunal Vivo, Espectro, etc. Suas principais características são a invulnerabilidade e a ausência de fraquezas diretas (com exceção da kryptonita e magia). Além disso, o personagem tem um caráter praticamente ilibado e é um exemplo de cidadão, de pessoa, de conduta. É praticamente “perfeito”.
Houston, temos um problema!
Tais características tornam muito complicado fazer histórias do Superman, se queremos que elas sejam atrativas e que, portanto, vendam revistas. Seu poder e ausência de fraquezas complicam aos roteiristas tornar crível um oponente, e seu bom-mocismo corre o risco de deixá-lo chato e enfadonho. Achar o ponto ideal para lidar com essas questões é o grande desafio dos roteiristas quando assumem o papel de escritores do Super.
Esses “defeitos” são notórios há décadas e vários roteiristas já se manifestaram a respeito, além de escritores e autores de outras mídias.
O renomado escritor italiano Umberto Eco, por exemplo, em seu ensaio sobre cultura de massa Apocalípticos e Integrados (Apocalittici e Integrati – 1964) classifica o Superman como um super-herói sem possibilidade de desenvolvimento e sem adversário à altura, além ser “obrigado” a manter certas características e virtudes que o deixem permanecer no pedestal de um ser ideal, de símbolo sobre o qual todos deveriam se inspirar.
Diante deste quadro, é evidente que a DC precisa – sem rebaixar seus poderes e sua aura de ícone máximo – dar um jeito de complicar as coisas para o Homem-de-Aço, fazendo com que ele encontre certa dificuldade ao defrontar-se com os vilões da editora, ou mesmo no seu relacionamento com os outros heróis.
Assim, constantemente vemos os roteiristas tendo que “se virar” pra dar um jeito do Superman não usar todas suas habilidades, pois, do contrário, a maioria das suas lutas nem teriam começo. Kal-El tem a velocidade tal que poderia incapacitar ou prender seu oponente antes do mesmo sequer preparar o primeiro ataque, seja ele físico, energético ou com o uso de armas e equipamentos.
Uma boa mostra de como seriam essas batalhas com o Homem-de-Aço usando todas as suas capacidades encontra-se nos Capítulos V (clique aqui para ler) e VI (clique aqui para ler) deste artigo.
Como, no entanto, uma abordagem realista do Superman e seus poderes resultaria em “lutas” de poucos segundos de duração, então normalmente vemos os roteiros tomando direções que forçam um uso apenas parcial desses poderes, por parte do kryptoniano, ou então, como no caso de O Cavaleiro das Trevas, os escritores simplesmente enganam o leitor e, convenientemente, retratam o Homem-de-Aço de uma forma menos poderosa do que deveria.
Desde os tempos do surgimento da kryptonita (que não estava na concepção original do herói), portanto, que a editora precisa constantemente criar maneiras de diminuir as capacidades do Superman, sem no entanto diminuir seu peso como ícone dos super-heróis.
A própria saga mãe Crise nas Infinitas Terras (Crisis on Infinite Earths – 1986 – DC Comics), tratava, entre outros temas, de uma redução na escala de poderes de Kal-El. O recente reboot da editora com os Novos 52 (New 52 – 2012 – DC Comics) trouxe o novo poder Super-Flare ao personagem, que, se por um lado lhe dá mais capacidade de destruição, por outro tem uma conveniente descarga nos poderes do herói por vinte e quatro horas, resultante do uso da nova habilidade.
Vinte e quatro horas sem invulnerabilidade, super-velocidade, vôo, visão de calor? Interessante, não?
Vemos, assim, que a DC Comics precisa que o Superman tenha problemas, ou que seus poderes não funcionem sempre na escala máxima, para que ele possa enfrentar dificuldades perante seus antagonistas, para que tenhamos histórias com um mínimo de dramaticidade e emoção, afinal, que graça tem mostrar um embate entre um ser invencível e seu adversário, se temos certeza absoluta do resultado, e a peleja se dá em uns poucos segundos?
Do modo parecido a editora deixa livremente que seus roteiristas engrandeçam seu personagem mais popular, o Batman, pois trata-se daquele com quem, mais facilmente, o leitor se identifica (clique aqui e leia o Capítulo IV que explica os motivos dessa empatia).
Ora, não seria conveniente ancorar histórias da Liga da Justiça, por exemplo, em um personagem “fracote”, muito aquém de seus companheiros de equipe, que seria motivo de desdém dos demais e jamais teria deles o respeito necessário para que sua imagem fosse motivo de culto dos fãs.
Agora sabemos, portanto, porque a editora precisa que o Superman continue sendo o ícone máximo dos super-heróis, porém, ao mesmo tempo, não use todo seu poder diante das adversidades que encontra, pois, do contrário, não haveria muitas histórias para serem vendidas… Do mesmo modo sabemos porque é interessante manter o conceito do Batman como um “homem comum capaz de feitos extraordinários”, mas de modo que os roteiristas possam dar uma incrementada nas suas proezas, sempre que necessário.
Confira nos links abaixo os demais capítulos deste estudo:
Parte I – Frank Miller subverte o Batman e muda seu status
Parte II – Liga da Justiça de Grant Morrison perpetua a distorção
Parte III – A DC diminui o Superman e aumenta o Batman (lendo este)
Parte IV – Por que a maioria gosta mais do Homem-Morcego
Parte V – Analisando a famosa batalha usada como modelo
Parte VI – Exemplos de lutas contra um Homem-de-Aço verossímil
Parte VII – O veredito é: essa luta tem uma vitória fácil e lógica
Ralph Luiz Solera
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Se não fizermos um super com fraquezas nos poderes, resta faze-lo com fraquezas de caráter como na saga Injustice em que ele fica psicologicamente perturbado a poto de virar vilão.
Sim… de uma maneira ou outra, é necessário – editorialmente – dar uma apequenada nele, para deixar mais viável o trabalho do escritor…
“Assim, constantemente vemos os roteiristas tendo que “se virar” pra dar um jeito do Superman não usar todas suas habilidades, pois, do contrário, a maioria das suas lutas nem teriam começo. ”
Bem… Por isso o Onepunch-man é superior em vários aspectos… O personagem consegue terminar qualquer luta com apenas um soco e mesmo assim o mangá é muito bom.
Uma satira perfeita com todas as HQ e mangás de super-hérois. Não é pq ele termina as lutas com um soco ou sem esforço. E sim como ele faz pra termina-las.
Colando um comentário que eu havia feito no antigo blog.
Complementando. Essa é uma tática bastante usada por Historias de super-herois e/ou super-poderes. Sempre fazem com que o mocinho comece perdendo pra depois ganhar em uma reviravolta e todos poderem dizer que é “Protagonismo”.
Coisa essa, que para os fãs do personagem em questão chega a ser muito tediante e chato(no meu caso).
Por isso atualmente eu ando opitando por autores que criem um personagem forte e o mantenha… Não fique tirando levels dele quando lhe convém e depois colocando lvl máximo da mesma forma.
Phellipe, não acho que exista personagens superiores ou inferiores… melhores ou piores… acho que há personagens bem e mal trabalhados, personagens mais fáceis e mais difíceis de se trabalhar. Batman é muito fácil de se trabalhar… tem todos os elementos pra deixar praticamente qualquer história minimamente bem escrita, em algo bem bacana. Superman é difícil… poderoso demais, virtuoso demais… complica pro escritor. Qt ao que vc citou, comparar os comics com outros quadrinhos é complicado, pois o público é diferente, a narrativa tb… o fato de ser mainstream faz dos comics algo mais editorializado, enquanto que os mangás, por exemplo, são muito mais autorais… os escritores dificilmente sofrem qualquer intervenção editorial. Com relação ao resto, concordo com vc, a saída fácil da maioria dos roteiristas enfraquece as narrativas e deixa tudo muito chato e previsível.