Séries: Black Mirror
Se você gosta de séries e deseja uma indicação de algo diferente de praticamente tudo o que já viu, com uma produção de primeira qualidade e episódios em um formato que foge do habitual, a melhor opção, sem dúvida, é Black Mirror.
A melhor palavra para defini-la é: impressionante. Black Mirror é, de fato, impressionante, e tem encantado cada vez mais pessoas. Dentre seus fãs estão gente do naipe de Stephen King a Robert Downey Jr.
Adicionada ao catálogo da Netflix em 2016, o seriado britânico, criado por Charlie Brooker, vai tornando-se um fenômeno cult, ainda que sua popularidade não se equipare às das séries mais vistas e cultuadas do mundo.
Caracterizando-se por um estilo próprio, ela tem um formato incomum, onde cada episódio é fechado, ou seja, não é uma continuação do anterior. Na verdade, de um capítulo para o outro, além da história, mudam os cenários, atores e até os temas abordados. Resumidamente, portanto, cada episódio é um “mini filme” independente dos demais, sendo que o único elo entre todos é a relação da sociedade com a tecnologia (atual ou futurística).
Sobre a série, seu criador, declarou que “Black Mirror lida com as mudanças de estilo de vida dos últimos 10 anos, que fizeram as pessoas deixar de andar pela rua e experimentar coisas para ficar olhando para um retângulo em suas mãos”. É um resumo bastante raso acerca de todos os temas que a série exploram, mas o conceito central é justamente abordar a interação com a tecnologia.
Com enredos recheados de suspense e, às vezes mistério e drama, os episódios primam pela bizarrice das situações apresentadas, que flertam com o nonsense, mas ainda assim de forma tão crível e plausível – e ancoradas em um exercício de extrapolação de uma realidade que já vivemos hoje em dia – que não só aceitamos as situações como ainda por cima, por incrível que pareça, traçamos paralelos com a sociedade atual e nos identificamos com vários dos acontecimentos mostrados (ainda que eles sejam, como já dito, um “exagero” em termos reais… só não sabemos até quando).
Assim, quando vemos um episódio onde os protagonistas se vêem angustiados pela onipresença dos mecanismos digitais online, com filmagens captadas diretamente de seus olhos, que eles se forçam a rever constantemente para melhor entender as situações vividas, e quando vemos o quanto isso atrapalha o andar de suas vidas e gera problemas de diversos tipos, a identificação com a tendência atual de se filmar e fotografar cada passo do ser humano, ante a necessidade cada vez mais patológica que muitos têm em obter likes e follows, notamos como o futuro próximo da nossa sociedade pode ser bastante parecido com aquele retratado em Black Mirror.
Não há um episódio em que, após assisti-lo, o telespectador não se pegue refletindo sobre o que viu, de forma deliciosamente perturbadora.
Aliás, de uma forma ou outra, todos os episódios entregam histórias consistentes, densas e incrivelmente pertinentes, com críticas ferrenhas à sociedade atual e sua “futilidade tecnológica”, implícitas em seu desenrolar, sem, no entanto, se mostrarem abertamente, de modo que só nos atemos a elas por conta dos paralelos com a nossa realidade e com os rumos que ela está tomando.
O segundo episódio da temporada inaugural chega ao ponto de nos mostrar uma sociedade distópica, onde os seres humanos vivem quase que apenas para interagir com o que seria uma evolução das redes sociais de hoje, que se tornam, digamos, um fator presente na vida e nas ações de todas as pessoas em caráter full time. Chega a ser deprimente ver as direções que a sociedade ali retratada tomou (e trata-se de uma mera extrapolação do que já vivemos hoje, conforme já citamos). Sensacional.
Na verdade, Black Mirror já começa com um chute no estômago do telespectador, com o primeiro episódio retratando o drama de uma autoridade que tem que lidar com uma ameaça terrorista que poderia ser classificada como “repugnante”, se não fosse a retratação do comportamento da sociedade diante do fato, tornando-se, esse comportamento sim, algo tão nojento, que o ato terrorista em si acaba sendo minimizado. O pior de tudo é constatarmos, de forma nauseante, que se tal fato ocorresse “de verdade”, a resposta das pessoas seria igual àquela mostrada no episódio.
A série possui originalmente duas temporadas (2011 e 2013) bastante curtas, de apenas três episódios cada, além de um especial de natal (2014), bem mais longo que os episódios normais, e em Outubro de 2016 a Netflix trouxe uma então inédita terceira temporada, à altura das seasons originais, e em Janeiro de 2017 foi lançada a quarta temporada, essa já um pouco abaixo em termos de qualidade (veja as críticas da terceira e quarta temporadas aqui).
Com um clima que lembra os melhores momentos das antigas Além da Imaginação (da qual se inspirou assumidamente), mas de uma forma muito menos fantasiosa e muito mais “realista” e “pesada”, e ancorada em ótimos atores (muitos deles conhecidos do grande público), a série é uma ilha de novidades em um universo cada vez mais pasteurizado e recorrente a fórmulas e formatos já consagrados.
Mais do que recomendada, ela é obrigatória. Se você é assinante, assista. Se não é assinante, vale a pena tornar-se um só por conta de Black Mirror, ganhando “de lambuja” o resto da programação.
Curiosidade: a série foi produzida para a Endemol, mesma produtora que criou o – vejam só que ironia – Big Brother, reality show que se espalhou pelo planeta todo e caracteriza-se justamente pela presença das câmeras 24h por dia em cima dos participantes (algo relativamente normal hoje, mas uma novidade incrível quando o programa surgiu).
Ralph Luiz Solera
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Essa série é uma das melhores coisas que já assisti na minha vida toda!!! Super recomendo!
Não conhecia esta série, mas após ler esta analise já me interessei, e vou assistir, parece ser ótima.
Se você gosta dos temas, a série então não vai te decepcionar!
O episódio White Bear é sensacional.
Cara, acho que todos são excelentes!
Acho, junto com o primeiro, os melhores!
Série magnífica. Literalmente um espelho negro para refletir a sociedade narcisista e fascista.
Muitas críticas ácidas à sociedade atual… sensacional!