Os paradoxos temporais na ficção científica
Seguramente, O Predestinado (The Predestination) é um dos melhores filmes já feitos no subgênero viagem no tempo, no tocante à linha narrativa bem fechada, ao lado de clássicos como De Volta para o Futuro, Planeta dos Macacos, Nimitz, 12 Macacos e o cult Primer, dentre outros que vieram depois de A Máquina do Tempo, baseada no livro homônimo do gênio H. G. Wells.
A questão é que mesmo esses clássicos possuem quase todos, no mínimo, um paradoxo ou um furo no roteiro, que permita o desenrolar do filme. A exceção talvez seja Primer, porém o mesmo é tão complexo e intrincado que duvido existir um ser humano que diga com 100% de certeza que entendeu perfeitamente a teia de acontecimentos ali retratados, na ordem correta.
Se existe, por favor, apresente-se!
No didático Crimes Temporais (Los Cronocrímenes), por exemplo, o looping temporal ao que o personagem Hector acaba se envolvendo é muito bem retratado, porém o furo dá-se quando nos perguntamos porque ele agiu como agiu na primeira vez em que os acontecimentos começaram, quando ainda não havia o looping para justificar as ações que se sucederam.
Porque o protagonista se escondeu atrás das árvores e “saiu repentinamente para dar um susto em seu observador” na primeira vez (sendo observado – com direito a susto e tudo – por ele mesmo no futuro)?
Não faz sentido.
Assim como em Primer, no entanto, temos em O Predestinado (o último grande bom filme de viagem no tempo), uma possível exceção à essa regra. Possível porque existe uma explicação que podemos deduzir para concluirmos pela inexistência do paradoxo, porém essa explicação (que pode ser encontrada em alguns artigos na Internet) não encontra fundamento em nada mais do que pequenas pistas deixadas no longa, de modo que acaba sendo apenas uma possibilidade…
O aparentemente único problema do roteiro, a princípio, é a explicação meio forçada para justificar a necessidade da cirurgia a que foi submetido um dos personagens. Mas é um mero detalhe em meio a uma teia complexa de acontecimentos que desembocam no final, que é muito bom e fica melhor quando rapidamente nos recordamos da jornada que resultou nele… e sensacional quando fazemos isso mais demoradamente.
O roteiro é baseado no conto “All you Zombies” de Robert A. Heinlein, de 1958, considerada por muitos como a melhor história já escrita sobre viagem no tempo. O conto foi indicado ao prêmio Balrog em 1980 e inspirou algumas produções para a TV estadunidense.
A fama da história se deve, além da qualidade e profundidade do enredo, à maneira como os paradoxos temporais foram explorados. Para os aficcionados pelo gênero, reunimos abaixo um glossário de Paradoxos Temporais (originalmente compilado pelo escritor Eduardo Torres):
1) Paradoxo do Vovô:
Talvez o mais famoso paradoxo temporal. Às vezes chamado de Paradoxo da Avó. Acontece quando um viajante do tempo volta ao passado para matar o seu avô (ou avó) quando ele (ou ela) ainda é uma criança, evitando assim o seu próprio nascimento e, por conseguinte, sua própria viagem ao passado para matar o seu antepassado. De modo geral esse paradoxo ocorre em qualquer mudança da História causada por um viajante do tempo de modo a impedir o próprio viajante de voltar ao passado para causar a mudança. Pode ser considerado um caso especial do Paradoxo da Alteração da História.
2) Paradoxo da Acumulação:
Acontece quando um viajante do tempo se transporta de vários pontos de sua linha temporal para o mesmo momento de passado. Haverá várias duplicatas do viajante no ponto de chegada.
3) Paradoxo do Deslocamento em Trânsito:
Viajantes do tempo em trânsito levam consigo seu próprio tempo – o presente do modo exato que estava no momento de sua viagem, e não podem ser afetados por alterações da História ocorridas depois de sua partida. Só sofrerão os efeitos dessas alterações quando voltarem à sua matriz temporal, agora modificada. Esse paradoxo é uma solução para o Paradoxo do Vovô (item 1).
4) Paradoxo da Descontinuidade:
Acontece quando um viajante do tempo encontra no passado um conhecido que partiu de um ponto do futuro diferente do dele. Essa pessoa pode não reconhecer o viajante, pois no seu (dela) presente eles ainda não se encontraram. Ou pode acontecer o oposto. O viajante do tempo encontrar no passado alguém que partiu de um futuro à sua frente e que sabe o que vai acontecer com ele nos próximos meses ou mesmo anos.
5) Paradoxo da Duplicação:
Acontece quando um viajante do tempo volta ao passado, encontra-se consigo mesmo, e faz alguma coisa que impede sua versão passada de viajar atrás no tempo tal como fez anteriormente, alterando assim sua própria História e criando uma duplicata permanente.
6) Paradoxo Final:
Paradoxo criado por um viajante do tempo que muda a História de modo que viagem no tempo nunca seja inventada.
7) Lei dos Paradoxos Menores:
Se dois paradoxos mutuamente exclusivos podem ocorrer simultaneamente, acontecerá primeiro o menos paradoxal.
8) Paradoxo da Alteração da História:
Acontece quando um viajante do tempo volta ao passado e altera a História. E ele pode voltar no tempo outras vezes e alterar ou reverter a alteração, editando assim a História. (Ver Paradoxo da História Retroativa e Paradoxo do Continuum nos itens 10 e 21).
9) Paradoxo da Propagação:
Este paradoxo envolve a velocidade na qual a alteração da História se propaga ao longo do Continuum. Pode ser instantânea, ou seguir uma taxa de propagação arbitrária, ou pode depender de um certo valor de probabilidade de que a alteração seja irreversível.
10) Paradoxo da História Retroativa:
Acontece quando pessoas do futuro, que não haviam nascido na época de acontecimentos já ocorridos e historicamente registrados, acabarem revelando-se protagonistas desses mesmos eventos. Esse paradoxo é o outro único paradoxo temporal admitido pelos autores que defendem a idéia do universo em bloco (o primeiro seria o Paradoxo do Continuum, que implica nesse tipo de universo – ver item 21).
11) Paradoxo dos Loops de Objetos e Pessoas:
Acontece quando um objeto ou pessoa são aprisionados em um loop temporal, como o relógio do filme ‘Em Algum Lugar do Passado’, ou quando a existência da pessoa no futuro depende de ações causadas por ela no passado, como no filme ‘O Exterminador do Futuro’.
12) Paradoxo dos Loops de Informação:
Acontece quando uma informação é enviada do futuro para o passado de modo a se tornar a fonte inicial da mesma informação tal como existia no futuro.
13) Paradoxo dos Loops Sexuais:
Acontece quando um viajante do tempo volta ao passado para fazer sexo com um ancestral e se tornar um ancestral de si mesmo. Esse paradoxo é biologicamente impossível devido ao Paradoxo Genético (ver item 15).
14) Paradoxo dos Loops de Repetição:
Acontece quando se viaja no tempo não no sentido tradicional, de transporte físico para um outro momento do passado ou do futuro, mas quando se ‘revive’ repetidamente um intervalo arbitrário de tempo, como no filme ‘Feitiço do Tempo’. Dois paradoxos estão envolvidos aqui, o loop de repetição em si e o fato de que a pessoa envolvida mantém as memórias após cada volta do loop.
Obs: este autor incluiria aqui o Paradoxo do Checkpoint, uma variante do Paradoxo dos Loops de Repetição, visto em filmes como ‘No Limite do Amanhã’, quando o viajante do tempo reinicia o loop sempre a partir de determinado checkpoint anterior e não tem um limite de tempo para chegar ao próximo, podendo, inclusive, nunca mais retornar ao início do loop. O paradoxo ocorre quando o viajante completa o ciclo e encerra o loop, apagando os atos realizados nos ciclos anteriores que haviam falhado e feito ele retornar ao checkpoint anterior, mantendo sua memória dos eventos ocorridos.
15) Paradoxo Genético:
Acontece quando um viajante do tempo tenta se tornar seu próprio pai ou ancestral. Para se tornar seu próprio filho, o viajante terá que obter metade de seus genes de si mesmo e a outra metade da sua mãe. Mas se são a mesma pessoa, têm que ser geneticamente iguais. Portanto, têm que ser ao mesmo tempo geneticamente iguais e geneticamente diferentes, o que é absurdo. Isto acontecerá em algum grau genético em qualquer tentativa de um viajante do tempo se tornar seu próprio ancestral.
16) Paradoxo da Duplicação Cumulativa:
Acontece quando um objeto ou pessoa é removido de um certo ponto na linha de tempo, transportado para outro momento e, depois do retorno a um instante imediatamente anterior à primeira remoção, repete-se o processo, transportando-se sempre a pessoa ou o objeto removidos para o mesmo tempo e local. Se essa operação for realizada diversas vezes será criada uma série de duplicatas. Esse paradoxo difere do Paradoxo da Acumulação (ver item 2), pois naquele paradoxo há uma linha contínua ligando todas as cópias em sucessivas viagens ao passado e de volta ao presente. Não é possível traçar essa linha no Paradoxo da Duplicação Cumulativa.
17) Paradoxo Metabólico:
Acontece quando um viajante do tempo perde sua integridade temporal quando transportado para o passado ou futuro devido ao seu metabolismo, que causa uma constante troca de seus átomos originais por átomos da nova matriz temporal.
18) Paradoxo da Substituição Temporal:
Semelhante ao Paradoxo Metabólico, mas com diferentes causas e conseqüências. Acontece quando um viajante do tempo passa um longo intervalo de tempo no passado. Como ele não é parte da matriz temporal do passado, ocorre uma substituição espontânea de todos os seus átomos por átomos do passado, acabando por criar um novo indivíduo com novas memórias. A História muda e a linha temporal original do viajante do tempo desaparece.
19) Paradoxo da Fraude:
Acontece quando alguma ação no passado, causada por um viajante do tempo vindo do futuro, afeta a linha do tempo, e depois a versão passada do mesmo viajante decide não realizar a citada ação quando alcança aquele mesmo momento do futuro.
20) Paradoxo Mnemônico:
Acontece depois da ocorrência de um Paradoxo de Descontinuidade, um Paradoxo de Alteração da História ou um Paradoxo da Fraude, que envolvam o próprio viajante do tempo, quando ele afeta seu eu passado, embora ainda não tenha memória desse evento de seu próprio passado.
21) Paradoxo do Continuum:
Também chamado de Paradoxo do Universo em Bloco ou Paradoxo Fatalista, envolve o conceito de que tudo o que aconteceu ou acontecerá já está registrado no Continuum, até mesmo a própria viagem no tempo. Nesse caso, não só o passado não pode ser modificado como, por exemplo, um viajante do tempo que visitasse várias vezes um certo momento ao longo de sua vida, acharia lá todas as suas duplicatas desde a primeira visita. De acordo com esse paradoxo, o passado pode ser afetado, mas não modificado pelos viajantes do tempo (ver Paradoxo da História Retroativa no item 10). Este paradoxo afeta vários outros paradoxos e até mesmo o conceito de livre arbítrio.
22) Paradoxo das Linhas de Tempo Alternativas:
A rigor, referindo-se a Linhas de Tempo Alternativas Paralelas, esse paradoxo se apresenta nas seguintes variações:
22.1) Paradoxo das Linhas de Tempo Alternativas Paralelas Conjunturais:
Segundo esse paradoxo, o passado não pode ser modificado, e qualquer tentativa de mudá-lo causará a criação de uma Linha de Tempo Alternativa (LTA), de existência paralela à Linha de Tempo Original (LTO) a partir do ponto de mudança. Um problema desse paradoxo é que a rigor a mera chegada do viajante no passado já causaria sua mudança, e portanto o viajante sempre se materializaria numa LTA, antes mesmo de qualquer possível ação no passado, negando na prática a possibilidade de viagem no tempo. Uma variante menos rigorosa desse paradoxo prevê que só se aplicaria em alterações do passado que implicassem no Paradoxo do Vovô e assemelhados (ver item 1), desse modo solucionando-os.
Alguns autores usam a sigla LTAP (paralela) para todos os conceitos de LTA acima descritos, reservando a sigla LTAS (seqüencial) para as sucessivas modificações da LTO em função de mudanças causadas por viajantes do tempo (com cada LTAS passando a ser uma nova e única LTO).
22.2) Paradoxo das Linhas de Tempo Alternativas Paralelas Estruturais:
Segundo esse paradoxo, existem permanentemente infinitas LTAs, de duas possíveis estruturas, independentemente da ação de viajantes do tempo. Segundo esse conceito, a viagem entre LTAs paralelas seria mais uma viagem interdimensional que uma viagem no tempo:
22.2.1) LTA Macroscópica: Segundo esse conceito, existe sempre uma LTA para cada alternativa de alteração macroscópica da LTO.
22.2.2) LTA Quântica: Segundo esse conceito, existe sempre uma LTA para cada alternativa de escolha quântica de cada partícula subatômica do universo (conceito de multiverso quântico de Everett).
Alguns autores citam possíveis LTAs paralelas formadas pela combinação de LTAs Macroscópicas com LTAs Quânticas.
Bônus: recomendo a leitura deste belo artigo sobre Viagens no Tempo e a Violação da Causalidade.
Ralph Luiz Solera
Latest posts by Ralph Luiz Solera (see all)
- Análise: a obra máxima do terror é The Thing? - 12/07/2022
- Na mesa: jogo de tabuleiro The Thing: The Boardgame - 11/07/2022
- Série do Obi-Wan expõe o verdadeiro problema dos SW da Disney - 02/06/2022
- Resenha: o box completo de Bone - 17/11/2021
- Piores Filmes do Mundo: Serpente Mortal (Silent Venom) - 06/11/2021
Essa teoria é como o que dizia aquele comentarista futebolístico: “Fez que foi, não foi e acabou fondo!”
Existem duas premissas possíveis da qual todo e qualquer paradoxo precisa partir.. quando eu volto no tempo, volto mantendo minhas características presentes? Se positiva, obrigatoriamente será gerada uma nova linha do tempo onde eu poderia existir em qualquer tempo presente, passado ou futuro.
Por outro lado se eu retorno na mesma linha do tempo, então terei minhas características temporais alteradas e só consigo retornar até o momento em que passei a existir…ou seja..meu nascimento…
No primeiro caso seria possível que eu fosse meu próprio ancestral, se desconsiderados os fatores genéticos. O que significa que mesmo que eu tivesse um filho com minha mãe, não seria eu, mas um terceiro ser diverso de mim.
Se os elementos biogeneticos fossem considerados, entretanto, nasceria um outro indivíduo que seria meu filho com um ancestral.. algo que poderia ocorrer também no presente..sem necessidade de viagem no tempo.
Para a ficção científica, portanto, só uma linha importa e é inviável já que não se pode desconsiderar fatores biogeneticos… Logo é impossível que eu consiga ser ancestral de mim mesmo..
Foi nesse fundamento que surgiu a questão do hermafroditismo…achei genial
Discordo do Paradoxo Genético, o paradoxo15. Eu ser o pai de mim mesmo seria possível, embora extremamente improvável.
Suponhamos que, para certa característica genética, onde são possíveis quatro alelos, que chamaremos de E, F, G e H, eu tenho os genes “F” e “G”. Sou, portanto, geneticamente “FG” para esta característica genética.
Eu “só” preciso encontrar uma mulher que tenha, para essa característica genética, o gene “F” ou o gene “G”. E esperar que alguma predestinação temporal faça com que o gene que vier no óvulo dela seja exatamente o par do gene que foi no meu espermatozoide.
Suponhamos que “a mulher com quem terei um filho que será eu mesmo” tenha a dupla de genes “EF” ou ainda a dupla “GH”. Nestes casos, ela é geneticamente distinta de mim. Pois sou “FG”, temos apenas um dos genes do par em comum, o outro gene do par é diferente.
Mas sendo eu “FG”, meu espermatozóide poderá ter o gene “F”. E sendo ela “GH”, o óvulo dela poderá ter o gene “G”. Nosso filho (que seria eu mesmo), terá no final o mesmo par “FG” que eu.
Ou seja, “bastaria” que para cada um dos milhares de pares de genes, minha esposa tivesse um dos genes do par dela igual a um dos genes do meu par. E meu espermatozoide especifico fosse gerado exatamente com os genes de cada par que me diferenciam dela. E o óvulo dela fosse gerado exatamente com os genes de cada par que eu e ela temos em comum.
Seria improvável ao extremo, mas seria matematicamente possível. Não seria um paradoxo absoluto.
Olá Augusto, obrigado pelo comentário. O que vc falou parece certo, mas confesso que só um especialista no assunto poderia confirmar isso rs.. abraço
me deu tontura e dor de cabeça ler isso kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk que piração