Crítica: Gritos e Sussurros (Viskningar och rop)
Gritos e Sussurros (1972)
Diretor: Ingmar Bergman
Elenco: Harriet Andersson, Kari Sylwan, Ingrid Thulin, Liv Ullmann, Anders Ek, Inga Gill, Erland Josephson e Georg Årlin
Nota 5/5
Em nosso texto Cinéfilo, uma arte além da diversão, expus como teria sido descobrir diretores clássicos, como Bergman, durante o início da “carreira” de cinéfilo deste artista que, caso eu precisasse escolher o três maiores diretores que já assisti, Bergman seria um deles; mas confesso que independente da idade, a complexidade da obra do diretor passa diretamente por questionamentos complexos que foram a base de toda a sua incomparável filmografia.
Morte e vida, lembranças, relacionamentos desfeitos, ambientes familiares opressores e instáveis, sexualidade e etc. foram assuntos recorrentes em diversas das obras primas por ele feitas, ou seja, vemos de uma certa forma como seus filmes retratam a busca pela alma humana; sim é impossível dizer que Bergman teve apenas uma obra prima, pois é consenso que produziu várias (O Sétimo Selo, Persona, Morangos Silvestres, O Ovo da Serpente, Sonata de Outono…) que trabalharam de maneira sublime todos esses assuntos sem necessariamente, como obras deste porte, responder tudo o que abordava, mas principalmente questionando a própria existência!
Lançado em 1972 e brilhantemente fotografado por Sven Nykvist, Gritos e Sussurros é mais uma destas obras inquietantes sobre tais temas que Bergman faz com maestria, enchendo-as de simbolismos. Doente e acamada pelo câncer, Agnes (Andersson) passa a ser cuidada diariamente pelas suas irmãs Karin (Thulin) e Maria (Ullmann, em sua quinta parceria de dez com o diretor), como também pela empregada Anna (Sylwan); entretanto, este dinâmica é apenas um espécie de camada superficial dos sentimentos de amor e ódio entre os personagens, que aos poucos são revelados de maneira sutil, como uma luxúria quase religiosa em que justamente a pessoa com menos laços sanguíneos (no caso Anne) é justamente a que demonstra uma maior dedicação e sentimentos sinceros como uma Pietá sempre disposta a ceder os seios e o conforto para um amor moribundo; até porque os sentimentos nutridos por Anna e Karin por Agnes são vistos como algo sem volta, em relacionamentos conturbados que culminaram no próprio estágio que suas vidas se encontram devido a problemas em seus casamentos sem futuro – motivados por traições ou não.
Bergman conduz estes conflitos de maneira atemporal (mesmo se passando aproximadamente no início do Século 20 a obra mostra-se totalmente atual), fazendo um exercício cujo tempo sem volta é visto nos relógios que surgem no início da projeção. Elogiável, portanto, que o quarteto de atrizes se apresentem de maneira tão distintamente complexa ao se completarem em seu conflitos: se Andersson traduz a instabilidade psicológica pela doença e fim inevitável (ao mesmo tempo que, através de flashbacks, visualizemos certa inocência misturada com autopiedade, por acreditar na felicidade antes compartilhada com as irmãs no passado), Thulin é vista com uma nova matriarca que, por ser a irmã do meio, tenta criar uma espécie de controle diante de Anna e da própria Maria. E mais uma vez Liv Ullmann transita com maestria e beleza entre a pecaminosidade e a inocência de uma mulher que demonstra a falta de empatia de maneira ainda mais cruel pela sua aparente fragilidade, ou seja, por mais que tomem a iniciativa dos cuidados de Agnes, tudo não passa de um encenação em nome de uma imagem familiar facilmente desbotada.
Para isso, retomando a fotografia, o diretor Sven Nykvist transforma Gritos e Sussurros em uma ode clássica com enquadramentos que salientam todos os elementos em cena de um belíssimo trabalho de reconstituição de época e trazendo planos que criam rimas visuais remetendo ao passado daquelas mulheres, como se pode ver logo no início do longa quando vislumbramos uma bela paisagem das cercanias da mansão trazendo um elemento em cena remetendo a um dos poucos momentos felizes em conjunto da irmãs.
Mas nada mais impactante que o uso da palheta de cores de Nykvist, principalmente o vermelho que sobressai em toda a obra e com significados diversos como o sexo, a violência e a morte. Usando a cor nas transições em Fade In/Out focado em Anna representando o amor por sua patroa, o vermelho domina o cenário do quarto de Agnes como uma masmorra de sangue, violência e sexo; mas não a sexualidade como ato em si somente, mas a representatividade do feminino e seu poder de vida pelo purificatório. E não sendo suficiente, Bergman traz momentos de pura dubiedade e loucura com doses de terror sobre se aquela despedida final seria uma expurgo daquelas mentes ou não!
A única certeza que a personalidade daquelas mulheres demonstram é que procuram algo que talvez nunca realmente quiseram alcançar, que não fosse o fim daquilo e que possam dividir seus ganhos, o que de certa maneira torna Anna a grande vítima descartável por justamente se preocupar com o aspecto humano e essa complexidade de nossa existência, que somente diretores como Bergman poderiam ousar a analisar.
Rodrigo Rodrigues
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filmaçõ mesmo muito bom
Muito bom seu texto… me identifiquei com várias partes. Sempre que assisto a um filme de um grande diretor como Bergman eu penso no por que ainda hoje seus filmes são tão revelantes, mesmo o cinema e suas técnicas tendo evoluído tanto depois de décadas. Existem várias razões para isso e vai depender muito do diretor. Por exemplo, no caso dos filmes de Bergman suas temáticas existenciais e seus estudos de personagens são materiais de estudos até os dias de hoje. Além disso, seu estilo de filmagem, com um cuidado minucioso de mise-en-scene, oriundo de seu fascínio pelo teatro, deixam suas obras ricas em detalhe que fazem com que cada revisitada à obra seja uma experiência de descoberta e aprofundamento. Um mestre do cinema. Uma obra prima.