A importância do apoio aos bons BGs nacionais
Imagem Ludopedia: O Bom do Vídeo Game
Provavelmente o assunto número um em termos de ibope, quando se fala em board games, é o preço dos jogos. O assunto número dois é o baixo padrão de qualidade na produção dos jogos, que frequentemente apresentam erros de componentes ou tradução. Parte da solução desses problemas envolve o apoio aos bons board games nacionais.
Essas questões já foram discutidos exaustivamente nos fóruns de jogos, e sempre fica aquela sensação de que muito se diz, mas pouco se faz. Muitas pessoas inclusive já chegaram à conclusão de que estamos fadados a continuar sendo um mercado de board games inexpressivo, de 1.000 a 2.000 unidades produzidas por jogo.
É preciso, no entanto, reconhecer que muito se avançou nesses quase 15 anos de mercado nacional de jogos. Muitos entre os mais “experientes” vão lembrar da época em que board game era um produto importado, para somente meia dúzia, e que lançamento nacional de jogos era coisa de ficção científica. Hoje nós já temos editoras, lojas, eventos, e alguns designers nacionais de jogos. Apesar desse avanço significativo, é preciso reconhecer também que de alguns anos para cá o mercado de board games está estagnado na média de tiragens citada anteriormente.
O mercado nacional de jogos cresceu bastante em pouco tempo, mas atingiu um patamar e não consegue avançar mais, pelo menos em relação à produção. Como esse é um mercado muito volátil e árido, as editoras não têm a menor segurança para investir mais no aumento das tiragens, o que teoricamente levaria a uma diminuição do preço dos jogos. Consequentemente, como os preços dos jogos não baixam, eles não se tornam suficientemente atrativos para o público em geral. Com isso o público que compra jogos não aumenta o que não justifica as editoras investirem no aumento da produção, pela falta de demanda.
Imagem Ludopedia: WAR, jogo nacional campeão de bilheteria
Também é preciso entender que, no mercado nacional, os board games são produtos pensados para o curtíssimo prazo, dado o tamanho pequeno das tiragens. Assim sendo, uma editora nacional não lança um jogo estrangeiro, no intuito de lançar um novo produto que será produzido e vendido durante décadas. Isso é o oposto do que acontece com os jogos de tabuleiro tradicionais, como “Detetive” e “WAR”, que mesmo com quase 50 anos de idade e totalmente ultrapassados, enquanto jogos, ainda vendem horrores todos os anos. A diferença é que Estrela e Grow possuem fábricas próprias, de modo que a produção depende exclusivamente da demanda.
Com os board games modernos estrangeiros a cosia é diferente. Eles são produzidos na China, porque nenhum outro país consegue oferecer um custo de produção tão baixo. Só que esse custo baixo de produção depende de tiragens de centenas de milhares de cópias. Nenhum mercado de board games consegue bancar isso sozinho. Por tal motivo, uma tiragem de 200.000 cópias, por exemplo, é divida entre os mercados de diversos países, e essas tiragens não acontecem o tempo todo.
É preciso considerar também que as editoras internacionais exigem, no contrato de licenciamento do jogo, que ele seja produzido nas gráficas chinesas, até como forma de manter um alto padrão de qualidade. Então, mesmo que as editoras nacionais fossem assoladas por uma onda de otimismo e resolvessem aumentar as tiragens dos jogos, dependendo do jogo, isso não seria possível, por estar condicionado à realização de tiragens internacionais.
Imagem BGG: Carcassonne, um jogo internacional campeão de bilheteria
E é justamente aí que os jogos nacionais se tornam tão importantes. Em primeiro lugar porque eles não dependem de tiragens internacionais, e não estão adstritos a exigências contratuais de editoras estrangeiras. Além disso, como esses jogos, apesar de bons, não são fenômenos mundiais, como um “Carcassonne”, um “Catan”, ou um “Ticket to Ride”, suas tiragens são absurdamente menores. Nenhum board game moderno nacional necessita de uma tiragem de centenas de milhares de cópias. Isso dificulta bastante atingir os baixos custos de produção chineses. Por conta disso, tem tudo a ver, produzir nacionalmente, os jogos de tabuleiro nacionais.
Todavia, é preciso levar em consideração a questão do controle de qualidade e da falta de expertise e maquinário inferior das gráficas nacionais. Isso funciona mais ou menos como a questão do aumento das tiragens. Em outras palavras, as gráficas nacionais não investem em melhora o maquinário e as técnicas de produção, porque não existe demanda suficiente por parte das editoras nacionais. E as editoras não geram essa demanda, porque as gráficas não têm maquinário, e nem a expertise adequada na produção de jogos.
Por esse motivo, produzir domesticamente os jogos nacionais depende também de um trabalho muito forte no controle de qualidade. Infelizmente, as editoras nacionais ainda pecam bastante nessa área de controle de qualidade, especialmente no caso das editoras maiores. As editoras menores não podem “se dar ao luxo” de errar, porque isso pode implicar inclusive no fechamento da empresa.
Imagem BGG: Chaparral um excelente jogo nacional da MS Jogos
Apesar disso, ainda é fundamental investir nos jogos nacionais, porque essa é uma alternativa viável, talvez a principal alternativa, para a melhora do mercado nacional de jogos. Só que esse “investimento” tem de partir não apenas por parte das editoras, mas principalmente por parte da própria comunidade. Se as pessoas não começarem a ver com outros olhos os jogos nacionais e não começarem a investir nisso, as editoras nacionais também não farão. Nenhuma empresa vai investir e produzir jogos que não vendem. Assim, parte da responsabilidade por esse fortalecimento e promoção dos jogos nacionais também é da comunidade boardgamer nacional.
Isso faz todo o sentido, porque, ao longo dos anos, já foram lançados jogos nacionais muito bons, com diferentes níveis de sucesso. São jogos como “Chaparral”, “Triora”, “For the Quest”, “Vale dos Monstros”, “Caçadores da Galáxia”, “Jester”, “Cartógrafos”, “Dogs”, “Space Cantina”, “Quartz”, “Marvel Comic Hunters”, entre outros. Muitos desses jogos não ficam nada a dever às suas contrapartes importadas.
Alguns jogos apesar de bons sofreram bastante com uma produção problemática. Esse foi o caso do “Herdeiros do Khan”, com aqueles componentes sofríveis até mesmo para o padrão Estrela e o “Blacksmith Brothers” com aquele tabuleiro minúsculo. Mas ainda assim são bons jogos e com alguma boa vontade e bastante trabalho dá para melhorar sensivelmente a produção e ficar com um jogo bom e barato.
Imagem BGG: Masmorra de Dados, fazendo sucesso no exterior, após banho de loja da CMON
Há também o caso de jogos nacionais, adquiridos por editoras gringas e relançados com enorme sucesso, como foi o caso do “Masmorra: Dungeons of Arcadia”, que era originalmente o “Masmorra de Dados”, e do “Sheriff of Nottingham”, quer originalmente era o “Jogo da Fronteira”.
Portanto, existem diversos jogos nacionais muito bons e que são uma alternativa muito interessante aos jogos estrangeiros, cujos preços estão ficando cada vez mais inviáveis a cada dia que passa. O próprio “Herdeiros do Khan”, tão massacrado por conta da baixa qualidade dos componentes custa menos de R$ 100,00. Com mais R$ 30,00 dá para fazer um bom upgrade nesses componentes e ficar com um jogo ótimo por menos de R$ 150,00. Isso é mais ou menos 1/3 do que custa o “As Viagens de Marco Polo”.
Imagem Google: Cartucho Super Mario Bros, um clássico dos videogames
Desse modo, ao invés de apenas reclamar que os board games estão cada vez mais caros, uma alternativa viável para o problema é investir nos board games nacionais, coforme dito anteriormente. Nesse sentido, a bola da vez é o “O Bom do Vídeo Game”, dos designers André Negrão e Patrick Matheus. O jogo está em plena campanha no Catarse e conseguiu a proeza de ser financiado em apenas 99 minutos (link abaixo):
https://www.catarse.me/obomdovideogame?ref=ctrse_explore_pgsearch
Para quem ainda não sabe, o “O Bom do Vídeo Game” remete ao início dos anos 90, quando os videogames se tornaram mais acessíveis, especialmente com a chegada dos consoles de 8 e de 16 bits. Porém os cartuchos ainda eram muito caros, e daí surgiram as locadoras de jogos.
O “O Bom do Vídeo Game” tanto envolve a questão do aluguel das fitas, quanto o relacionamento dos jovens com seus pais, no quesito videogames. Se a criança se comportasse e fosse bem na escola, ela podia jogar, caso contrário o jogo ia para caixa em cima do armário. Há também o desespero para zerar os jogos, as revistas de games das bancas de jornal e os utilíssimos passwords que salvaram a vida e parte da mesada de muita gente. Tudo isso está lá no jogo.
Imagem Google: antiga Revista de Videogames
Além de ser um jogo nacional o que por si só já vale uma conferida, é preciso destacar também a originalidade do tema. Atualmente, em um verdadeiro oceano de lançamento de jogos de alocação de trabalhadores, uma das maiores reclamações da comunidade é a falta de algo novo. E esse é um dos pontos fortes do “O Bom do Vídeo Game”. Isso porque ele faz um uso interessante das mecânicas e tem um tema totalmente inédito. Outro ponto a favor é que o jogo tem regras simples, mas boa profundidade estratégica. O tema até pode ser leve e infantil, mas o jogo é de complexidade média para pesada. Por conta disso tudo, o “O Bom do Vídeo Game” une o útil ao agradável. Ele é uma prova de que nós brasileiros também podemos produzir ótimos jogos de tabuleiro.
Imagem Ludopedia: Engis
Infelizmente nem tudo são rosas e o preço do jogo ainda está um pouco salgado (R$ 350,00). O “Engis” do Marcos Macri por exemplo, saiu por apenas R$ 200,00, em média, já incluído o frete. Porém, é preciso considerar primeiro a quantidade de componentes do “O Bom do Vídeo Game” que é bem grande. Em segundo lugar, há que se considerar que o preço do jogo, mesmo alto, ainda está bem abaixo da média dos últimos lançamentos, para jogos com complexidade média. Então, vale ao menos uma conferida nos diversos vídeos já disponíveis nos canais de board games.
No mais o “O Bom do Vídeo Game” é bem nostálgico e vai tocar no coração de muitos marmanjos, “sopradores de cartuchos”, de algumas décadas atrás.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
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fiquei sabendo que ja tem editora brasileira que tem setor pra analisar projeto de jogo igual editora de livro faz
Cara Kika29
Você está correta. O mercado nacional de board games modernos ainda é muito pequeno. A Grow e a Estrela são outra história porque elas são empresas enormes que atuam em um patamar de dezenas de milhares de cópias dos seus jogos de tabuleiro (Detetive, WAR, Imagem e Ação, Banco Imobiliário, Jogo a Vida, Perfil, etc), e isso por ano.
Só para comparar e entender essa disparidade, as editoras de jogos de tabuleiro modernos atuam com tiragens totais, ou seja, produziu aquela quantidade e não produz mais, na casa de 1.000 a 2.000 cópias. Alguns jogos acabam tendo novas tiragens (que dependem de uma nova tiragem mundial, conforme explicado em outros textos), e outros têm até tiragens maiores. Mas isso é raro e só ocorre com jogos que são verdadeiros fenômenos de venda como Ticket to Ride, Pandemic, Dixit, etc.
Por outro lado, os board games já estão começando a interessar algumas editoras, inclusive de fora do setor de jogos. Esse tipo de produto representa uma boa perspectiva de exploração de novos mercados. Isso porque cada vez mais as pessoas estão lendo menos, e consequentemente comprando menos livros. Basta ver a quantidade de séries literárias que as editora simplesmente abandonam na metade ( e o leitor que se vire para ler no original), simplesmente porque elas não renderam o suficiente para continuar. Por outro lado, os board games são um produto mais perene, porque as pessoas sempre vão comprar. Isso ocorre especialmente com os jogos de carta que são mais baratos, e mais simples de jogar.
Em virtude disso, nada mais natural que as editoras comecem a ver com bons olhos e mercado novo de jogos de tabuleiro, que tem um bom potencial de crescimento.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
Cara Elva
Há apenas uma ação judicial (desde 2008 salvo engano), da Hasbro, dona do Monopoly e do Clue, respectivamente o Banco Imobiliário e o Detetive, apenas contra a Estrela.
A questão é que o Monopoly e o Clue com outros nomes (Banco Imobiliário e o Detetive) foram lançados pela Estrela nos anos 70, sem pagar os royalties e o licenciamento para a Hasbro que é a detentora dos direitos sobre esses jogos. Para piorar, os jogos foram lançados exatamente com a mesma arte e as mesmas regras, dos jogos originais. Em outras palavras, a Estrela pegou dois jogos (entre outros brinquedos) de outra empresa e lançou como se fossem de sua propriedade.
Durante décadas não houve problema algum, porque o mundo era muito maior, e a Europa e os Estados Unidos pouco se importavam com o que acontecia por essas bandas. Mas com o surgimento da Internet e da Globalização, a Hasbro tomou conhecimento de que uma empresa brasileira estava comercializando seus produtos, com enorme sucesso, e sem pagar nada. Com isso, em 2003, foi feito um acordo entre as empresas, de modo que a Estrela poderia continuar comercializando os produtos da Hasbro, mas pagando royalties.
Em contrapartida a Hasbro se comprometeu a não lançar esses produtos no Brasil, nem fazer concorrência com a Estrela. Em 2007, aproximadamente, a Hasbro lançou o Monopoly e o Clue aqui, e a Estrela alegando quebra de contrato, parou de pagar os royalties. Com isso, as duas empresas estão brigando na justiça de São Paulo, desde essa época. Até pouco tempo atrás, a Estrela estava perdendo a causa, mas houve uma reviravolta e ela conseguiu manter os direitos sobre o Detetive, porque quando o jogo foi registrado no país a Hasbro ainda não possuía representação no país. De todo modo, só por precaução, o Detetive da Estrela foi modificado e agora ao invés de se passar em uma mansão, o jogo se passa em uma cidade, e provavelmente no futuro a empresa alegará que se trata de um jogo diferente. Mas esse processo ainda vai longe, e muita coisa ainda pode acontecer.
Isso só é possível porque, no Brasil, não é possível registrar as regras, funcionamento e mecânicas de um jogo, apenas o nome (desde que ele seja único e original), a arte, e outros aspectos muito específicos. A editora Pais e Filhos, por exemplo já lançou um jogo chamado “Suspeitos”, que é exatamente o mesmo jogo do Clue/Detetive, porém com outra roupagem.
No caso da Grow, cujo WAR é praticamente uma cópia do Risk, a situação foi diferente, porque desde o início algumas regras foram modificadas, para deixar o jogo um pouco diferente. Um exemplo disso, são as cartas de objetivo, que não existem na versão original. Por isso, é pouco provável que a Grow venha a sofrer algum processo por conta do WAR, no futuro.
Espero ter tirado a sua dúvida.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
uau que aula muito bem explicado!
Cara Gambitinha
O mercado brasileiro de board games já tem um bom tamanho. Nada que se compare aos mercados mais tradicionais, nem e muito longe. Mas mesmo assim, nós já produzimos alguns jogos bem legais. Uma sugestão de jogos nacionais são os do Marcos Macri da MS jogos, como Engis e Chaparral. Vale a pena conferir.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
ta tendo briga judicial da Estrela e Grow com as empresas do Risk e Monopoly nao ta?
legal esse texto tb nem sabia que tinha jogo brasileiro assim