O Efeito Magic no Consumo de Board Games
O Magic: The Gathering é, com toda a razão, um dos melhores jogos criados pela mente humana até hoje. Sua influência é de proporções “gargantuescas”, conforme explorado em outro artigo recente (10 Board Games Clássicos Mais Influentes). Esse texto “O Efeito Magic no Consumo de Board Games”, aborda essa grande influência do Magic na indústria dos jogos especificamente em relação ao consumo.
A importância, do Magic é de tal monta que, ele criou um novo tipo de jogo, o CCG (Collectible Card Game). Criar um jogo novo é bem menos complicado, mas criar toda uma categoria de jogos, isso é verdadeiramente fenomenal e não se vê todo dia. Basta pensar na quantidade de CCGs e posteriormente LCGs que vieram após o Magic, muitos deles verdadeiras cópias disfarçadas. A questão é que, como tudo na vida, essa enorme influência do Magic funciona tanto para o bem, quanto para o mal.
Durante décadas, jogos clássicos, como Banco Imobiliário (Monopoly), Detetive (Clue), WAR (Risk) e Jogo da Vida (Game of Life), se mantiveram basicamente os mesmos. Muito de vez em quando surgia uma edição especial, ou uma versão temática, mas isso demorava às vezes anos. Além disso, na maioria dos casos essas novas edições, apresentavam pouquíssimas mudanças, e basicamente de natureza estética.
Imagem Google: Board Games Clássicos
Com o surgimento do Magic: The Gathering, esse cenário mudou, porque ele apresentou um novo paradigma de consumo, baseado na compra desenfreada. Os jogadores precisavam comprar um pacotinho de cartas (boosters) atrás do outro para conseguir montar um baralho minimamente competitivo. Obviamente se pode argumentar que isso não era uma novidade, porque álbuns de figurinhas já faziam isso décadas atrás. Mas além desse esquema de consumo, o Magic apresentou um novo elemento que fez toda a diferença.
Quando uma pessoa completa um álbum de figurinha não há um álbum dois ou uma extensão do álbum original. O álbum acabou está acabado e ponto final. Só que quando o Magic começava a apresentar desgaste e as vendas começavam a declinar, imediatamente a Wizard of the Coast lançava uma nova edição. E esse material extra, que saía, salvo engano de dois em dois anos mais ou menos, frequentemente incluía novas habilidades e regras. Isso renovava o interesse no jogo e retroalimentava o consumo desenfreado, criando toda uma geração de jogadores viciados na novidade, e sempre na edição seguinte.
Esse culto ao novo acabou sendo uma das características mais marcantes da comunidade consumidora de jogos modernos. Não importa se a nova versão é melhor ou pior que a antiga, o que interessa é que ela é nova e por isso é fundamental comprá-la. Evidentemente, em alguns casos, uma nova versão melhora alguns eventuais problemas de edições anteriores. Só que nem sempre essa mudança é tão fundamental, a ponto de justificar comprar a nova edição, especialmente quando já se tem a antiga.
Imagem BGG: Magic: The Gathering
Um exemplo disso é a franquia Zombicide, que em termos de fidelização da clientela segue exatamente a cartilha do Magic The Gathering. Quase que anualmente surge uma nova edição, uma versão temática, ou algum material extra para o Zombicide. A CMON aposta acertadamente que mesmo que o sujeito já tenha tudo da franquia, ainda assim ele comprará o material extra, o que efetivamente ocorre.
Por incrível que pareça se uma pessoa gostar de super-heróis, ele comprará a versão Marvel e DC, mesmo tendo tudo do Zombicide parado na estante. Mas isso não é apenas uma questão de jogar no cenário que ela gosta, utilizando o Batman ou o Hulk. Isso porque quando saiu o Zombicide Faroeste, mesmo quem não curtia tanto o tema, também comprou essa nova versão, por conta de ser uma novidade.
Recentemente se verificou um aumento no preço do Descent: Lendas da Escuridão. Isso não faz o menor sentido porque o jogo, que muitos apostavam seriam um novo Gloomheaven, foi um verdadeiro fiasco. O jogo teve vários problemas. O preço de lançamento foi estratosférico de tão caro, além da inclusão dos cenários 3D ter aumentado consideravelmente o peso e tamanho da caixa. Isso transformou o Descent em um pesadelo de logística para transportar e armazenar o jogo, além de encarecer absurdamente o frete. Para coroar tudo a arte foi muito questionada e desagradou uma parcela significativa da comunidade. Com todos esses problemas, o preço do jogo que incialmente era algo em torno de R$ 1.200,00, despencou para R$ 600,00 / R$ 700,00.
Imagem BGG: Família Zombicide
É preciso esclarecer que nenhum desses problemas é uma questão de erro ou de defeito de fabricação, que a editora pudesse, ou devesse consertar. O problema é de design e de estratégia de comercialização, e quanto a isso não há o que fazer. Atualmente, o preço do Descent lacrado já voltou para a casa dos R$ 1.000,00, apesar de chegar a custar quase metade disso, pouco tempo atrás. Assim sendo, considerando que os problemas do jogo permanecem e permanecerão, não dá para explicar nem justificar, à priori, esse grande aumento de preço.
A única hipótese plausível para o aumento do preço é a proximidade do lançamento do novo material. O Descent Lendas da Escuridão, lançado em 2021 trata-se do Ato I, e dentro em breve sairá o Ato II. Como não poderia deixar de ser, a comunidade boardgamer, que vive à base de novidade, ficou alvoroçada e voltou a se interessar pelo jogo. Isso se aplica mesmo às pessoas que dois anos atrás não estavam tão interessadas assim no jogo. Essa é uma demonstração clara do verdadeiro fascínio que o “novo” exerce sobre a comunidade boardgamers.
Outro aspecto interessante, sobre essa relação da comunidade boardgamer com o novo, é que a princípio essa conta não fecha. Alguém que compra todo o lançamento que sai, dentro em breve não terá nem espaço para guardar os novos jogos, nem tempo para jogá-los. A solução encontrada é chamada de “rodar a coleção”, ou seja, “vender o antigo para comprar o novo”. Isso inclusive atende aos recém-chegados, que só descobriram o hobby após alguns jogos saírem de catálogo, e por isso não tiveram a oportunidade de comprá-los. Só que isso também não faz muito sentido, especialmente em relação aos jogos modernos.
Imagem Ludopedia: Descent Lendas da Escuridão
Uma das justificativas para se pagar mais caro pelos jogos modernos, que pelos jogos clássicos, é a melhor qualidade dos componentes que duram décadas. Claro que jogos modernos duram décadas, mas nem sempre na mesma família. Só que isso contradiz outra característica dos board games modernos, que é o fato dele serem jogos excelentes que a pessoa jogará anos a fio. Não dá para deixar de pensar que, uma pessoa comprar um jogo hoje, já com a intenção de vender dois anos depois, para comprar a novidade da vez, torna os board games modernos algo quase que descartável. Isso é diametralmente oposto àquilo que os board games são e o que representam.
Basta pensar em jogos como El Grande, Carcassonne, Tigris & Euphrates ou Puerto Rico. Mesmo já tendo mais de 20 anos de lançados, eles estão entre os melhores jogos de todos os tempos, não saem da coleção de muita gente, em hipótese alguma. Vender essas obras-primas, para comprar um jogo novo, só porque ele é novo, não deveria ter o menor cabimento. Mas, infelizmente, é assim que pensa e age boa parte da comunidade boardgamer, afinal é preciso abrir espaço, na estante e na agenda, para o novo jogo que vem aí.
O principal problema é que essa maneira de pensar, agir e vivenciar o hobby, não é nada saudável e, em última análise só gera frustração. Isso porque, dada a infinidade de jogos lançados todos os anos, é impossível, em termos práticos, acompanhar esse ritmo. Não dá nem para saber o nome de todos os jogos que surgem a cada dia, e muito menos comprá-los e jogá-los. Nem mesmo quem trabalha profissionalmente com jogos, consegue tal façanha, quem dirá uma pessoa comum que apenas consome board games.
Imagem Ludopedia: Board Games Modernos, mas Já Clássicos.
Basta pensar em jogos como El Grande, Carcassonne, Tigris & Euphrates ou Puerto Rico. Mesmo já tendo mais de 20 anos de lançados, eles estão entre os melhores jogos de todos os tempos, não saem da coleção de muita gente, em hipótese alguma. Vender essas obras-primas, para comprar um jogo novo, só porque ele é novo, não deveria ter o menor cabimento. Mas, infelizmente, muita gente faz isso, afinal é preciso abrir espaço, na estante e na agenda, para o novo jogo que vem aí.
O principal problema dessa maneira de pensar, agir e vivenciar o hobby não é nada saudável e, em última análise só gera frustração. Isso porque, dada a infinidade de jogos lançados todos os anos, é impossível, em termos práticos, acompanhar esse ritmo. Não dá nem para saber o nome de todos os jogos que surgem a cada dia, e muito menos comprá-los e jogá-los. Nem mesmo quem trabalha profissionalmente com jogos, consegue tal façanha, quem dirá uma pessoa comum que apenas consome board games.
Isso tem outro lado ruim, que é a doutrinação dos recém-chegados a esse culto ao novo. Com isso, talvez muitas pessoas nem cheguem a jogar os “jogos modernos clássicos”, só porque eles não são novos, e o que interessa é lançamento.
Imagem BGG: Alguns Jogos Praticamente Esquecidos (Barony, Noria, Ricardo Coração de Leão, Torres, Era Idade Medieval e Jorvik).
Nesse sentido é sempre bom lembrar, embora seja algo óbvio, que um jogo é bom, se ele for bom, e isso não tem nada a ver com ele ser novo. O fato de um jogo ser um lançamento, por si só, não torna o jogo bom nem justifica que ele seja jogado e comprado, apenas por isso. O que torna um jogo bom são outros fatores como, um cenário bem trabalhado, o uso inteligente e elegante das mecânicas, um conjunto de regras coeso e eficiente, componentes de boa qualidade e uma arte bonita e bem feita. A data de lançamento não está entre esses fatores, até porque a condição de novo é algo efêmero e passageiro.
Aquilo que é novidade hoje, evidentemente não será amanhã ou daqui a um ano. Assim, se os pontos positivos de um jogo se resumem basicamente à sua condição de novo, quando ele perder essa condição, nada de bom restará. Quando isso acontecer, tal jogo estará fatalmente fadado ao esquecimento, com já ocorreu com diversos board games nessa condição.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
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boas ponderacoes eu pessoalmente nunca gostei do Magic justamente por causa dessa sacanagem ai que fazem
Caro Desvaireds
Eu concordo consigo, só gostaria de acrescentar que não sei se o formato de venda do Magic chega a ser uma sacanagem da Wizard of the Coast. Na verdade essa foi uma forma que a empresa encontrou de tornar o produto dela sempre relevante, e com “ar de novo”, mas que obviamente é feito em total desfavor dos compradores.
Mas é aquela coisa, no início do anos 90, quando as pessoas começaram a jogar Magic ainda dava para alegar inocência, porque as pessoas ainda não sabiam exatamente que haveria esse lançamento contínuo de material novo a cada dois anos. Porém, depois de três décadas de Magic, e com a Internet como ferramenta de pesquisa, qualquer um que entre nesse universo do CCG, sabe muito bem que esse não é um hobby barato.
Além disso, é preciso destacar que, diferentemente do que ocorria nos idos de 1993, hoje já se vendem baralhos montados de Magic, e existem lojas, físicas e virtuais, que vendem no varejo a carta que você quiser, dentro de certas limitações evidentemente. Por isso, atualmente ninguém precisa gastar toda a mesada em boosters de Magic, buscando desesperadamente um “Dragão de Shiva da vida”.
Isso para não falar, nas versões digitais do Magic: The Gathering, que permitem jogar com baralhos superpoderosos, com cartas raríssimas, todas as Power Nines, por exemplo, e isso sem gastar uma verdadeira fortuna no processo. E isso mata a vontade, e a saudade de muita gente. Para os interessados, o site mtgo.com é uma boa opção para jogar Magic on-line.
Claro que não é a mesma coisa que jogar com um baralho real, porém o preço é diretamente proporcional à essa diferença de “felling” entre o “Magic tradicional” e o “Magic virtual”.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio