Crítica: Os Miseráveis (Les Misérables)
Direção: Ladj Ly
Elenco: Damien Bonnard, Alexis Manenti, Djibril Zonga, Issa Perica, Al-Hassan Ly, Steve Tientcheu, Nizar Ben Fatma e Steve Tientcheu
Nota 4/5
“Não há nem ervas daninhas nem homens maus. Há apenas maus cultivadores” – Victor Hugo
Surgindo como uma clara mistura de Cidade de Deus, Tropa de Elite e Dia de Treinamento, este Os Miseráveis de Ladj Lypode ser considerada uma visão “moderna” do clássico de Victor Hugo; não que houvesse uma necessidade de uma atualização da obra, por essa sempre soar atual, mas ao trazê-la para um realização ainda mais contemporânea, o longa se torna ainda mais eficiente em sua análise social, política e religiosa.
Iniciado de maneira eficiente, devido ao contraste que surgirá depois, observamos os franceses comemorando a vitória na copa do mundo em 2018, onde toda Champs-Elysées é tomada por todo tipo de etnias celebrando a conquista nos campos russos sem qualquer tipo de discriminação; contudo, assim como ocorreria no Brasil, tudo isso é apenas uma fachada fortalecida por uma paixão, mas cuja empatia e de um país inteiro com o seu próximo termina ali.
Escrito pelo próprio diretor com auxílio de Alexis Manenti e Giordano Gederlini, o longa abrange um dia na vida de Ruiz (Bonnard), recém transferido para a divisão anticrime (como uma lei concomitante apenas servindo como simbiose para que nada saia do controle) formada também por Gwanda (Zonga) e pelo explosivo Chris (Manenti), enfrentando a rotina de um local permeados de grupos com imigrantes, muçulmanos e ciganos, vivendo cada um com suas próprias regras em uma cidade paralela, ainda que o “prefeito” (Tientcheu) consiga manter a “paz” entre os grupos, como aqueles religiosos liderados por Salah (Kanouté), sendo que ele mesmo já esteve no “outro lado” da história.
Filmado de maneira documental (câmera se movendo constantemente), Os Miseráveis traz paralelos com Cidade de Deus, seja pela presença do jovem Buzz (Hassan Ly) remetendo ao Buscapé (saindo a câmera e entrando um drone) e Issa (Perica) é uma visão particular do diretor para Zé Pequeno. Ademais, assim como o clássico de Fernando Meirelles e Katia Lund, Os Miseráveis se torna um recorte social e político de pessoas abandonadas, cuja narrativa intensa nos propõe reflexão sobre as causas humanitárias de um caldeirão étnico prestes a explodir nos subúrbios franceses, em que eles mesmos se voltam uns contra os outros, como cumprindo um projeto de poucos que fazem de tudo para se manterem onde estão. Não sendo mera coincidência que vemos rimas visuais diversas entre os dois filmes, como o fato de haver uma galinha na história como gatilho para a trama e um travelling simulando a famosa cena do filme de Meirelles e Lund.
Assim sendo, não importa o motivo ou faísca para a desestabilização deste frágil sistema e seus acordos (seja uma disputa entre camelôs de produtos falsificados ou até mesmo um furto de um animal de circo), o que importa é que o motivo vai gerar revolta e ainda mais violência. E no meio desta mistura, temos uma população, principalmente de jovens, à mercê do crime, drogas e prostituição de um local em que o futuro e riqueza passa longa dos principais pontos conhecidos da França; méritos, inclusive, para a direção que jamais nos permite esquecer tais elementos ao apostar em guetos e conjuntos residenciais desassistidos e também através de planos panorâmicos como se demonstrassem que não há fuga daquela pobreza.
Ademais, Ruiz, assim como Ethan Hawke ao confrontar o trabalho de Denzel Washington em Dia de Treinamento, vai entendendo rapidamente que sua maneira inicial de tentar ser respeitoso e seguir os procedimentos com a população local é quase um exercício em vão, principalmente pelo atuação anterior da Brigada Antidrogas e toda política de repreensão governamental. Inclusive, ao tentar humanizar os policiais em seu leito familiar no terceiro ato (aqui, ao meu ver, um contexto melhor inserido, pois em Tropa de Elite, por exemplo, o ponto de vista era da polícia – o que poderia desumanizar os moradores das comunidades), entendemos que os policiais são apenas peças descartáveis de um tabuleiro político. Ou seja, por mais que tenham atirado, eles não puxaram o gatilho sozinhos como diz a famosa frase do Capitão Nascimento.
Fechando com um claustrofóbico terceiro ato iniciado de maneira inocente, mas cheio de simbolismos (crianças brincando com pistolas d’água), em que os planos vão ficando cada vez mais fechados (em contraste com os planos abertos de boa parte do filme), Os Miseráveis explode toda sua revolta de um grupo desassistido até mesmo por aqueles que achavam que nunca as atingiram, mas que sempre as usaram como elementos apenas para manter o poder com uma escada social em que o verdadeiro topo jamais é atingido; e mesmo que a direção tente criar um conflito dramático e uma ambiguidade em seu final (aqui desnecessário, ao meu ver, pois sabemos como esta história continua), somos compelidos pela sua força e nos damos conta da desigualdade de um sistema cruel em que a maior parte da população está inserida. E por mais que as as elites e os governos tentem vender estas pessoas como pragas sociais a serem exterminadas, devemos lembrar que “um dia essa conta chega para todos”.
Rodrigo Rodrigues
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o livro tb segue essa linha de criticar a exclusao social principalmente de pretos e pobres?
bom filme, retrato fiel das desigualdades sociais e raciais, em alguns momentos força um pouco a barra da militancia, mas no geral cumpre com louvor seu papel… nota 6 de 10
Tonha
Bem vinda,
Qual a parte do filme você achou que força um pouco a barra da militância? (e que militância seria essa)
Obrigado
Não é musical.
esse filme é um musical tb? é inspirado no Victor Hugo ou é uma adaptacao fiel que so é mais contemporanea?