Desenvolvimento Tecnológico, Ansiedade e Board Games

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Antes de iniciar o texto, e para situar quem porventura está lendo um artigo meu pela primeira vez, valem lembrar que eu normalmente utilizo os board games como um gancho para tratar não apenas dos jogos, mas também de outras questões mais amplas.

 

Dito isso, a teoria mais aceita sobre a origem do do homo sapiens, estabelece que ele surgiu na África entre 200 e 150 mil anos atrás. Em contrapartida, a civilização tem apenas 10 mil anos de idade. Isso que dizer que em 95% do seu tempo de existência, o homo sapiens foi um nômade caçador-coletor. Logo, em apenas 5% desse tempo, o homo sapiens passou a viver em assentamentos fixos, que se transformaram em cidades, posteriormente em países, e por aí vai. Só que, durante 95% desse tempo, o homo sapiens mudou muito pouco, relativamente é claro. Por outro lado, nos outros 5% as mudanças pelas quais o homo sapiens passou, foram verdadeiramente fantásticas. Pouco mais de 10 mil anos atrás o homo sapiens vivia em cavernas, e hoje ele já planeja pisar em Marte, em algumas décadas.

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O interessante é que o mesmo fenômeno se repete, quando se analisa apenas o período de civilização, mas de uma forma ainda mais concentrada. Do alvorecer da civilização até o século XVIII, as mudanças foram relativamente muito poucas, em alguns campos fundamentais. Quando se pensa em transporte, até o início do século XIX, a principal forma de transporte terrestre foi a tração animal (cavalo), e marítima, o barco à vela. Posteriormente, surgiu o barco e o trem à vapor. Já no século XX surgiu o automóvel (em escala industrial), o avião e hoje temos foguetes que alcançam o espaço.

 

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Imagem Google: Napoleão Cruzando os Alpes de Jacques-Louis David (5ª Versão) – no século XIX, até os imperadores andavam a cavalo

 

Do mesmo modo, algo semelhante aconteceu com os meios de comunicação. Até meados do século XIX, a comunicação de longa distância era basicamente através de cartas transportadas por uma pessoa e, em alguns casos, pombos correios. Uma pessoa escrevia uma mensagem, enviava para o destinatário e esperava que ele recebesse e respondesse a sua mensagem. Quando ainda se fazia a travessia do Atlântico em barcos à vela (início do século XIX), a viagem demorava em média dois meses. Isso dependia de diversos fatores, como a cidade portuária em que se vivia, de logística de transporte, condições climáticas e por aí vai. Sendo assim, um jornal europeu chegava ao Brasil, com notícias pelo menos dois meses atrasadas.

 

Na transição do século XVIII para o século XIX surgiu, na França o sistema de telégrafo ótico criado por Claude Chape. O sistema funcionava com torres colocadas a uma distância média de 20 km uma da outra, e contavam com telescópios para que elas se enxergassem. Além disso, havia um sistema de braços ou barras mecânicas que ficavam em sete posições diferentes gerando quase 200 combinações possíveis. Com isso, uma mensagem poderia ser transmitida em questão de dias ou talvez horas. Mas o sistema ainda era complicado, muito dispendioso, e muito limitado, de forma que somente mensagens realmente muito importantes eram transmitidas.

 

Somente em meados do século XIX, mais precisamente em 1844 surgiu a primeira linha de telégrafo, ligando as cidades de Washington DC e Baltimore. A comunicação à longa distância começou a ocorrer de forma muito mais rápida, e passou a estar disponível para o grande público.

 

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Imagem Wikipedia: Alexander Graham Bell fazendo a primeira ligação entre cidades distantes (Nova York e Chicago), em 1892

 

No finalzinho do século XIX surgiu o telefone, cuja invenção é atribuída a Alexander Graham Bell, apesar de diversos outros cientistas disputarem essa invenção. De todo modo foi Graham Bell que conseguiu a primeira patente da invenção nos USA. A primeira ligação telefônica interurbana foi feita em 1892, entre Nova York e Chicago.

 

Mesmo existindo desde o final do século XIX, ainda demorou quase 100 anos para o telefone se popularizar e se tornar acessível. Basta dizer que nos anos 70 pouquíssimas pessoas, e muito abastadas, possuíam telefone em casa. Uma ligação interurbana era um pesadelo e caríssima. Ligação internacional então nem se fala. No Brasil, as linhas de telefone eram tão raras, e difíceis de conseguir, que até meados dos anos 80, pessoas ainda investiam dinheiro em telefones, comprando e alugando as linhas.

 

Na segunda metade do século XIX o físico, e inventor, italiano Gugliermo Marconi inventou o rádio. Essa é outra invenção controversa, porque Nikola Tesla também alegava ser o “pai da criança”. Independente disso, inicialmente o rádio só transmitia sinais e a primeira transmissão de voz só ocorreu em 1921. Já no caso da televisão, em 1928 surgiu a W2XB, no estado de Nova York, a primeira estação de TV do mundo.

 

Porém somente na década de 50 (no Brasil foi nos anos 70) a televisão se popularizou, atingindo uma grande quantidade de pessoas, se tornando um produto de massa. Em 1957 os russos (na época, “soviéticos”) lançaram o primeiro satélite artificial da história o Sputnik. Quase 10 anos depois, em 1967 a rede britânica BBC fez a primeira transmissão de sinal de televisão via satélite. Foi o programa “Our World”, que incluiu entre notícias e outras atrações, os Beatles cantando “All You Need is Love”.

 

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Imagem Google: Beatles tocando All You Need Is Love, no Primeiro Programa Transmitido Via Satélite pela BBC, em 1967

 

Conforme visto acima o desenvolvimento tecnológico na área da comunicação foi enorme, nos últimos 200 anos. Mas nada disso se compara, nem de perto, com o que ocorreu da década de 1990 para cá. Nos anos 90 três invenções realmente modificaram o mundo. Vale destacar que todas as três surgiram décadas antes, em épocas variadas, mas foi nos anos 90 que elas realmente se popularizaram e atingiram o grande público. A primeira e maior de todas foi sem dúvida a Internet. O primeiro servidor comercial de Internet no Brasil foi o Alternex do Ibase, liberado para o grande público em 1992.

 

A segunda grande invenção, e que hoje tem um vínculo quase total com a Internet foi o telefone celular. A terceira e última invenção, mas não menos importante, foi a TV por assinatura, que também se popularizou mundialmente na década de 1990. Até o início dos anos 90 existiam basicamente seis redes de televisão com abrangência nacional: a TVE, que era praticamente uma estatal, a Rede Globo, a Rede Manchete, a Rede Record, a Rede Bandeirantes e a TVS (antigo SBT). Fora essas, havia algumas redes de televisão regionais afiliadas, que tinham alguma programação própria, mas normalmente retransmitiam o sinal das grandes redes.

 

Hoje em dia é difícil, especialmente para quem não era nascido a época, imaginar como as pessoas viviam sem celular, sem Internet e sem TV por assinatura. Não cabe aqui discorrer se a vida era melhor ou se as pessoas eram mais felizes, que é assunto para outra pauta. O que interessa aqui é apenas o impacto que essas três invenções causaram, tanto para o bem quanto para o mal, e assim mesmo apenas em uma questão muito específica.

 

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Imagem Google: As Redes Nacionais Privadas da Televisão Brasileira dos anos 80.

 

Ninguém discorda de que uma maior oferta de opções é boa para as pessoas, porque aumenta a possibilidade de escolha. Além disso, quanto maior e mais variada a possibilidade de escolha, maior a possibilidade de que uma dessas opções seja exatamente aquilo que se procura.

 

Também não há dúvida de que após a década de 1990, o mundo se tornou mais personalizado, mais rápido e dinâmico, aliás, muito mais rápido e muito mais dinâmico. Em alguns casos, especialmente na questão da comunicação, com a popularização do celular e da Internet, ela se tornou praticamente instantânea. Bastava ligar, ou mandar um e-mail, para entrar em contato com outra pessoa. Antes disso, uma pessoa que queria falar com outra dependia de achá-la em algum lugar, em que houvesse telefone fixo, ou que ela recebesse um eventual recado e retornasse o contato.

 

No caso da TV, antes da década de 1990, o conteúdo disponível estava restrito a apenas 6 redes de televisão nacionais, e isso era tudo o que havia. Porém, com a TV por assinatura, praticamente da noite para o dia, as pessoas começaram a dispor de centenas de canais, dos mais variados assuntos. Isso sem falar que esses canais eram personalizados e direcionados, ou seja, passavam apenas, séries, desenhos, esportes ou filmes o dia inteiro. Além disso, a TV por assinatura quase não dependia do dinheiro de anunciantes, porque a mensalidade da assinatura já cobria boa parte do seu custo, gerando ainda um lucro considerável.

 

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“Cada Escolha, uma Renúncia” Chorão do Charlie Brow Júnior.

 

Isso tudo parece uma maravilha, e em muitos aspectos realmente é. Porém, há um lado sombrio e obscuro, dessa quantidade absurda de opções, para o qual nem sempre se presta a devida atenção.  O homo sapiens com seus apenas 200 mil anos de existência, e isso considerando a hipótese mais longeva, ainda é uma espécie relativamente muito nova.

 

Isso quer dizer que, morfologicamente ou anatomicamente, o cérebro humano é basicamente o mesmo de 200.000 anos atrás, apesar de toda a tecnologia que a humanidade já criou e desenvolveu. Ao longo de milênios, o ser humano contou utilizando os dedos das mãos, um dos motivos para utilizarmos basicamente a escala decimal. Isso parece lógico, afinal o homem tem dez dedos.

 

Aqui cabe um parêntese para falar de um povo da antiguidade, que muito nos influencia até hoje, e para o qual não é dado o devido crédito, que são os babilônicos. Um dado interessante é que os babilônicos usavam o sistema sexagesimal (com base no sessenta) ao invés do sistema decimal. E isso faz todo sentido, afinal o sessenta é divisível por todos os números de um a dez, com exceção do sete. Não é a toa que o sistema sexagesimal nos influencia até hoje, com a hora de sessenta minutos e o minuto de sessenta segundos, criados pelos babilônicos. Também se atribui a criação do dia de 24 horas aos babilônios, muito embora essa invenção também seja disputada pelos egípcios.

 

Do mesmo modo, a circunferência tem 360 graus, outra invenção babilônica provavelmente decorre do ano babilônico de 360 dias. Aliás, esse ano de 360 dias é outro conceito babilônico usado até hoje, correspondendo ao ano comercial, com doze meses cada um com exatos trinta dias.

 

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Imagem Google: Babilônicos

 

Para cálculos abaixo de sessenta, os babilônios utilizavam o sistema duodecimal, baseado no doze, que se acredita ser uma invenção dos sumérios, outro povo antigo sensacional. A vantagem, sobre o sistema decimal, é que doze permite a divisão por quatro e por três, com números naturais. E isso é uma baita vantagem.

 

Mas talvez o mais interessante disso tudo, é que o sistema duodecimal também utilizada os dedos para cálculo. E aí fica a dúvida de como faria sentido contar até doze, na mão, considerando que o ser humano tem apenas dez dedos. Para isso, os povos mesopotâmicos da antiguidade utilizavam um sistema simplesmente genial.

 

O fato é que a mão humana tem cinco dedos, mas que não são totalmente iguais, Isso porque quatro dedos da mão humana possuem três ossos cada um, mas o polegar possui apenas dois ossos, atualmente chamados de falanges. Assim sendo, para contar até doze os povos mesopotâmicos, fechavam o polegar, e utilizavam o indicador da outra mão para contar os ossinhos dos demais quatro dedos.

 

Ao fazer esse exercício percebe-se o quanto esse sistema é interessante, elegante e inventivo. Apesar das vantagens do sistema duodecimal, o que prevaleceu foi o sistema posicional/decimal dos indianos, divulgado na Europa pelos árabes juntamente com os números indo-arábicos. E aqui fecha o parêntese.

 

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Imagem Google: Sistema Duodecimal nos Dedos

 

Independente do sistema (decimal ou duodecimal), o fato é que esse parece ser o limite de variáveis com que um ser humano médio consegue lidar, pelo menos sem ter de recorrer à escrita. Basta pensar em uma lista de compras em um supermercado ou de presentes para familiares no Natal. Se uma lista contém quatro ou cinco itens, ou variáveis, dá para administrar tranquilamente essa quantidade, sem ter de usar lápis e papel. Conforme se vai chegando perto de dez itens vai ficando cada vez mais difícil, e daí em diante, o normal é começar a anotar em algum lugar para não se perder.

 

Claro que essa não é uma regra absolutamente, e algumas pessoas conseguem lidar com dez ou até bem mais itens ou variáveis. Mas essas são as chamadas “exceções que confirmam a regra”. De modo geral, utilizando apenas a cabeça, trabalhar com dez itens parece ser um limite bastante razoável para a maioria das pessoas.

 

Por tal motivo, lidar com uma possibilidade de escolha que envolva mais de uma centena de opções parece algo muito além das capacidades humanas. Obviamente não se trata aqui de ir aplicando parâmetros e reduzir essa centena até chegar a um número razoável como cinco, por exemplo. Isso porque nesse caso se está lidando com apenas cinco opções e não cem. Mas mesmo reduzindo essa centena de opções, para apenas vinte, ainda assim, isso é muito para se escolher. Isso porque escolher um dentre vinte é selecionar apenas 5% do total. Além disso, escolher um entre vinte equivale a renunciar a dezenove. Quando se aumenta a escala (cinco entre cem), mesmo mantendo a mesma proporção (5%), na prática a renúncia parece maior, porque se abiu de mão de 95 e não 19.

 

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Imagem Google: “Angústia Boardgamer”

 

Esse aumento da renúncia, e uma quantidade “inadministravelmente” grande de opções, gera sempre muita ansiedade, pelo quanto de coisa de que se está abrindo mão. Traduzindo isso para os board games, basta imaginar uma pessoa que compre um jogo de tabuleiro por mês. Mesmo essa sendo uma média, muito acima da média dos jogadores em geral, isso não representa nem um décimo da quantidade de jogos lançados anualmente, muito acima de uma centena.

 

Todavia, não é apenas nos board games que as pessoas lidam com quantidades muito acima da capacidade de administração. Basta pensar com quantas pessoas da rede social de alguém, essa pessoa fala regularmente, num espaço de tempo razoável uma vez por semana ou por mês. Se a pessoa tiver apenas vinte pessoas, talvez ela fale regularmente com quase todas. Mas quando esse número sobre para cem ou mais, provavelmente a pessoa fica vários meses, ou até mais de um ano, sem falar com a maioria dessas pessoas.

 

Claro que o conceito de proximidade de sua rede social varia de pessoa para pessoa. Assim sendo, algumas podem considerar que mesmo sem falar com aquele amigo do colégio, há vários anos, ele ainda faz parte da rede social dela. Mas mesmo assim, e apesar disso, dá para ter uma visão clara do raciocínio. O mesmo se aplica à quantidade de séries disponíveis nos serviços de streaming. A realidade é que por mais tempo de que se disponha, isso nunca será suficiente para conseguir assistir a tudo aquilo que se tem vontade.

 

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Imagem Google: Coleção de Board Games “Inadministrável”

 

No caso dos jogos, mesmo que alguém dispusesse de uma quantidade de dinheiro suficiente para comprar todos os board games lançados anualmente, não adiantaria muito. Ocorre que, mesmo nessa hipótese improvável, a pessoa ainda assim não teria tempo hábil para desfrutar satisfatoriamente de todos os jogos que comprou. Isso parece algo bem óbvio. Mas justamente por isso é tão impressionante a quantidade de pessoas, especialmente quem tem pouco tempo de board game, que ficam tão angustiadas por não conseguirem jogar e muito menos comprar todos os jogos que saem.

 

Esse raciocínio pode até parecer exagerado, mas ele é corroborado pela ansiedade das pessoas que não conseguem esperar alguns meses para comprar o jogo a preços melhores. Claro que essa espera aumenta o risco de comprar o jogo mofado, mas essa é outra questão, para outro tópico. Outro indício forte, da ansiedade gerada pela quantidade de lançamentos anuais de jogos, são os eventos de spoilers anunciando os próximos lançamentos.

 

Evidentemente se pode argumentar que os eventos de spoilers são como os trailers de um filme no cinema. Só que há uma “diferença, que faz toda a diferença”. As pessoas não vão ao cinema apenas para assistir trailers, mas para ver um filme, de modo que os trailers são apenas algo a mais. Já nos eventos de spoilers de jogos, as pessoas vão basicamente para saber em primeira mão os board games que vêm por aí. E o mais impressionante é que esses eventos são bem caros. Alguns tickets custam em torno de 250 reais, que é muito caro para apenas “experimentar”. Esse é o preço de um board game mais simples lacrado, ou da cópia usada de um jogo mais “encorpado”. Evidentemente cada um faz o que quiser com seu dinheiro, mas eventos assim parecem indicativos claríssimos de uma ansiedade crônica.

 

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Imagem Google: Evento de Spoiler de Lançamento de Jogos

 

Igualmente impressionante é que tais eventos normalmente são transmitidos nos canais do Youtube. Até quando isso não ocorre, momentos após a divulgação no evento, já surgem listas dos jogos anunciados, nos sites e fóruns de board games. Certamente também se pode argumentar que as pessoas lotam esses eventos para experimentar, em primeira mão, jogos ainda não lançados. Só que obviamente não é esse o intuito por trás desses eventos, caso contrário eles não focariam tanto nos spoilers. Existem diversos relatos de que esses eventos de spoilers estão cada vez mais focados no anúncio dos lançamentos e na produção de conteúdo, e em quem exerce essa atividade, do que em qualquer outra coisa, como oportunizar experimentar novos jogos.

 

Outro fato gerador de ansiedade, é que as pessoas estão cada vez mais impacientes, com absolutamente tudo. Também não é para menos, afinal de contas, a geração que nasceu já com a Internet fazendo parte da sua vida, acostumou-se a um mundo em que quase tudo acontece instantaneamente. Com acesso a tanta informação, tão rapidamente, tantas possibilidades de escolha, tanto vídeo para curtir, tantas notícias para repostar, tanto conteúdo para dar likes ou cancelar, não há nenhum tempo a perder.

 

Atualmente, as pessoas já não conseguem esperar os parcos três minutos de duração de um vídeo do Youtube. Muita gente já migrou para os poucos segundos dos vídeos do TikTok. Isso é ainda mais comum nas crianças e adolescentes. Nessas faixas etárias se verifica cada vez mais uma redução no tempo que elas conseguem manter o foco em alguma coisa. Os apresentadores de podcasts precisam sempre incluir aquelas perguntas polêmicas para gerar cortes interessantes, capazes de atrair a audiência. Isso porque, por mais interessante que sejam os convidados, sem esses cortes o mais provável é que o vídeo completo tenha pouquíssimas visualizações.

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Imagem Google: TikTok

 

No caso dos board games, tanto essa ansiedade quanto a incapacidade de esperar, o pouco que seja, se traduzem no famigerado FOMO e no HYPE. Uma quantidade significativa da comunidade boardgamer ainda age como se cada lançamento fosse imperdível, e mais ainda como se caso a pessoa não comprar o jogo no lançamento, ela não conseguirá compra-lo nunca mais.

 

Esse é o chamado “Efeito Gloomhaven”, ou seja, um jogo esgotar em alguns horas ou em alguns dias. Mas isso só aconteceu, vejam só, com o próprio Gloomhaven e com nenhum outro jogo, apesar desse efeito parecer se aplicar todos os jogos. Mesmo o badaladíssimo Heat: Pedal to the Metal, um exemplo recente que esgotou bem rápido, ainda demorou algum tempo para que isso acontecesse. Além de não haver nenhuma dúvida possível que o jogo terá novas tiragens, considerando o seu grande sucesso em vendas.

 

Infelizmente o caminho para aprender a lidar com a ansiedade e a impaciência, ao menos no caso dos board games, requer algum tempo e vivência. Aos poucos as pessoas percebem que, a menos que a questão seja colecionar, não faz sentido ter 300 jogos na estante. Essa é uma quantidade muito maior do que normalmente se consegue jogar em um ano, com uma quantidade satisfatória de partidas de cada jogo. Para conseguir jogar 300 jogos em um ano (quase um jogo por dia) a quantidade de partidas teria de ser uma ou duas por jogo. Dificilmente isso seria satisfatório. Basta imaginar ter de esperar um ano inteiro para tornar a por na mesa o jogo de que se gosta.

 

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Imagem Google: Verdadeiros Colossos de Board Games Que Não Aparecem o Tempo Todo

 

No mesmo sentido, com o tempo as pessoas começam a perceber que os jogos são cada vez mais do mesmo. Não aparece um Azul, um Carcassone, um Puerto Rico, um Lords of Waterdeep, um 7 Wonders, um Brass, um Gloomhaven ou um TI4 todo ano, para citar apenas alguns. Na maioria dos casos, o que muda é apenas o cenário e um ou outro detalhe. Os inúmeros de jogos de alocação de trabalhadores, que surgem todos os anos, que o digam.

 

O tempo, vivência e experiência, também ensinam a aceitar e a conviver bem, com o fato de que não é possível comprar, e nem mesmo experimentar, todos os jogos que saem anualmente. Nesse estágio as pessoas começam a perceber que o HYPE e o FOMO exercem cada vez menos influência sobre si mesmas. As pessoas passam a entender que “jogos obrigatórios em qualquer coleção” são uma falácia. O que existem são jogos obrigatórios para cada um, os chamados jogos à prova de incêndio, mas cuja lista varia de pessoa para pessoa. Também se aprende que não é preciso um jogo super complexo e pesado, TOP 1 do BGG, para gerar diversão. Muitas vezes jogos bem mais simples geram tanta diversão quanto, dependendo de com quem se está jogando é claro.

 

Por fim, essa é uma forma muito saudável de vivenciar e aproveitar os board games, sem angústia, sem ansiedade, sem impaciência, sem estresse, mas apenas diversão, que é tudo que importa nesse hobby maravilhoso.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

 

P.S. Quem porventura tiver interesse em textos no mesmo estilo pode encontrá-los acessando o canal iuribuscacio no Ludopedia ou a seção de Jogos de Tabuleiro no portal maxiverso.com.

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

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