Batman vs Superman Parte II – Liga da Justiça de Grant Morrison perpetua a distorção
Outro escritor que contribuiu para que se firmasse ainda mais a fama de que Batman não só é o mais “poderoso” super-herói da DC, como o mais temido e respeitado, foi Grant Morrison, escritor e roteirista escocês de primeira linha que faz sucesso nas HQs desde os anos 80, quando surgiu para o mundo ao dar uma nuance mais aprofundada ao Homem-Animal.
Morrison foi escalado pela DC em 1996 para reformular aquele que sempre devia ter sido o carro-chefe da editora, a Liga da Justiça. O escocês recebeu a Liga após Mark Waid ter conseguido mostrar em uma minissérie anterior, que era possível a equipe ter histórias psicologicamente densas e com temas grandiosos, fugindo do deprimente tom comédia pastelão dado por Keith Giffen e J.M. DeMatteis na fase anterior do grupo.
O trabalho do britânico com a LJA foi primoroso – e continuado, em tom semelhante, por Mark Waid e Geoff Johns na sequência – e fez da Liga algo que ela deveria ter sido sempre: a reunião dos maiores personagens da DC em popularidade, poder, importância e representatividade dos valores de justiça e liberdade.
Com Morrison, a Liga foi praticamente recriada, tendo como pilar os sete maiores super-heróis da DC: Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde, Flash, Aquaman e Ajax (Caçador de Marte), e passou a ter a Torre de Vigilância, localizada na Lua, como base. Os roteiros valorizavam a Liga como nunca havia ocorrido antes, com as histórias tendo tons épicos e dramáticos, com a equipe sempre defrontando-se com ameaças grandes demais para que apenas um ou alguns dos personagens pudessem lidar sozinhos.
A idéia de um verdadeiro grupo de super-heróis, finalmente, fazia sentido prático, e o resultado foi sensacional.
A LJA do estrondoso sucesso das fases Morrison/Waid/Johns serviu de base para a animação Liga da Justiça (Justice League – 2001/2004) e sua sucessora, Liga da Justiça Sem Limites (Justice League Unlimited – 2004/2006) do Cartoon Network.
Bruce Timm e Paul Dini, responsáveis pela animação, deram a ela o mesmo tom sóbrio, denso e dramático da sua fonte de inspiração nas revistas, objetivando alcançar um público mais maduro e até adulto, fugindo da audiência basicamente infantil da antiga Superamigos (Superfriends – 1973/1986 – ABC).
E é aqui que nosso caro Grant Morrison recebe sua parcela de “culpa” pela popularização da imagem exagerada que o Batman possui hoje em dia, em termos conceituais.
O sucesso da Liga da Justiça – primeiro nas HQs e depois na série animada e seus conseqüentes longa-metragens – firmou ainda mais um Batman que se mostrava quase tão forte quanto o de Frank Miller. Apesar de não apresentar o comportamento violento e psicótico retratado pelo raivoso libertarian em O Cavaleiro das Trevas, o Homem-Morcego integrante da já mundialmente famosa e incrivelmente popular Liga da Justiça da América – a tal LJA – herdou daquela versão hard quase que uma ausência de limites quanto a recursos, capacidades e poder (no sentido mais amplo que essa palavra pode ter).
Sob a batuta de Morrison (e consequentemente na série animada), a Liga frequentemente era “salva” de algum inimigo pelo Batman, e na maioria das histórias o Homem-Morcego tem uma influência quase deliberativa sobre os demais membros da Liga, inclusive o seu líder, o Superman, em um claro exagero narrativo tendencioso.
É verdade que Morrison exagerava no peso do Morcego na equipe, para o bem e para o mal. Em várias histórias, outros integrantes da Liga mostram ter mais medo do que respeito pelo Batman, além de poucos gostarem realmente dele.
Além disso, a história mais emblemática da representatividade de Bruce Wayne na Liga, nessa fase, Guerra dos Mundos (New World Order, 1997 – DC Comics), tem um erro cabal e inaceitável, que joga por terra toda sua “credibilidade” como mantenedora da reputação do Batman na LJA. Ou pelo menos deveria.
A aventura mostra a chegada do Hyperclan, um grupo de marcianos brancos disfarçados de heróis, que se anunciam como salvadores do mundo, apontando soluções para a seca, a fome, a miséria, etc, quando na verdade querem é conquistar o planeta.
O Hyperclan planejou por muito tempo sua invasão, em todos os detalhes, e já chegou ao planeta sabendo o que e quando fazer, primeiro conquistando a admiração da população da Terra com suas boas ações, e depois dando cabo da Liga da Justiça. Tudo muito bem orquestrado, muito bem preparado, muito bem engendrado… porém, toda a atenção dispensada na estratégia para derrotar e aprisionar o Superman, o Lanterna Verde, e outros membros da Liga parece que foi relegada quando se tratou do Batman, que não mereceu quase nada de atenção dos astutos invasores.
Mesmo quando os marcianos brancos descobrem que o Homem-Morcego está vivo e em sua caça, não lhe dão muita importância, e caem facilmente em suas armadilhas, o que é totalmente absurdo, considerando-se que o Hyperclan havia estudado com afinco todos os integrantes da Liga em busca da melhor tática para derrotá-los. Como explicar então o desdém para com o Batman, como se nada soubessem acerca dele?
Pisada na bola do roteirista, mas compreensível pelos motivos editoriais apontados no Capítulo III (clique aqui para ler).
Seja como for, Morrison, direta ou indiretamente, fez com que uma versão mais light que o Cruzado Encapuzado de Miller, mas ainda assim exagerada, fosse novamente alçada aos píncaros da popularidade, firmando ainda mais o conceito de um Batman mega poderoso, capaz de quase tudo, contra qualquer um, sozinho. Não que o Morcego de Morrison seja “igual” ao de Miller… o que é igual é a elevação exagerada de suas capacidades, por motivos editoriais.
Nas novas gerações de leitores/espectadores, inclusive, é a imagem da luta entre Batman e Superman no longa-metragem animado Batman: O Cavaleiro das Trevas (Batman: The Dark Knight Returns – 2012 – Warner), dirigido por Jay Oliva, e não a imagem da luta na revista escrita por Frank Miller, que serve de referência para os que consideram como resultado normal de um confronto entre os dois ícones da DC, a “vitória” do Homem-Morcego.
O longa é mais uma de tantas animações derivadas da série Liga da Justiça de Bruce Timm, que já foi também uma evolução da predecessora Batman: A Série Animada (Batman: The Animated Series – 1992/1995 – Warner), e nele vemos a reprodução bastante fiel do mostrado em DK, de Frank Miller. A batalha entre os dois titãs é basicamente a mesma mostrada nas HQs de modo que agora, os new e os old “batmaníacos” têm uma mostra visual da batalha, com diálogos, sons e efeitos visuais que tornam ainda mais impactante o fato do Morcego “derrotar” o Homem-de-Aço.
Para se ter uma idéia da força desse conceito, em uma discussão (já comum hoje em dia) entre fãs da nona arte via redes sociais, quem se manifesta contra a possibilidade do Batman derrotar o Superman em uma briga, normalmente recebe como “resposta” um link do vídeo dessa luta mostrada na animação. Simples assim.
Para fins de comparação, veja no vídeo abaixo como é a retratação de uma batalha “real” entre o Batman e o Superman, em um roteiro isento. A cena pertence à animação Liga da Justiça – Guerra (Justice League: War – 2014 – Warner), de Jay Oliva, inspirada na fase Novos 52, da DC Comics, e mostra de forma muito mais real e crível como seria um humano como o Batman enfrentar alguém com as capacidades do Superman:
Já vimos, portanto, como Grant Morrison ajudou a sedimentar o conceito de Batman extremamente poderoso popularizado por Frank Miller em DK. Mas assim como fizemos com o libertarian Miller, vamos agora analisar Morrison e sua maneira de pensar e escrever, para entendermos porque seu Batman era retratado de forma tão proeminente na Liga da Justiça das HQs.
O escocês afirma em seu primeiro livro em prosa, Superdeuses (Supergods – 2011 – Spiegel & Grau), que o experimentalismo sempre fez parte de seu trabalho, e, de fato, uma olhada por sua obra comprova isso. Desde os tempos de Zenith, publicado na revista 2000 AD, antes mesmo de ficar famoso com o Homem-Animal da DC, que o escritor costuma abusar do experimentalismo em seus roteiros.
Além desse gosto por quebrar paradigmas, o escocês sempre gostou de trabalhar mais a psiquê dos personagens, do que seus músculos e poderes. Morrison, ao longo de sua carreira, optou na maioria das vezes por aprofundar as características psicológicas dos personagens com que trabalhou. Foi assim que o personagem de terceiro escalão Homem-Animal, por exemplo, ganhou popularidade e tiragens de primeira linha na DC, quando era roteirizado pelo futuro rebooter da Liga da Justiça.
Pois essas duas características explicam seu trabalho com o Batman na Liga e depois dela. Morrison gosta de personagens humanos, lowprofile e multifacetados. E quando pega algum personagem que não é assim, ele o deixa dessa forma, dali em diante.
Nada mais normal, portanto, que o escritor tenha calcado suas histórias da LJA no Morcego, o personagem mais “humano” e “normal” da equipe, além de ter uma atratividade ímpar do ponto de vista psicológico. Deve ter pesado demais também o fato de que Morrison – estudioso das técnicas narrativas – sabia do potencial de ancoragem de todo um grupo sob os ombros daquele personagem que mais tem condições de fazer com que os leitores se identifiquem, justamente por suas características tão “comuns”, em comparação com os demais integrantes da Liga.
A mesma técnica de ancoragem é empregada pelos roteiristas de filmes, principalmente os mais grandiosos e fantasiosos, como A Origem (Inception – 2010 – Warner) de Cristopher Nolan, por exemplo. No longa, temos uma equipe de “invasores de mentes”, que conseguem induzir suas vítimas a sonos controlados, onde invadem seus sonhos para interagir com seu alvo – sem que ele note que está dormindo – e assim conseguirem obter informações valiosas.
A Origem começa com uma demonstração do modus operandi da equipe, que logo precisa contratar um novo integrante. A escolha recai sobre Ariadne (Ellen Page), que passa a ser então nosso (espectadores) elo com o filme, já que ela é a “humana comum” em meio aos super-heróis da equipe comandada por Cobb (Leonardo DiCaprio).
Ariadne é novata no meio e precisa ser apresentada a todos seus colegas (ou seja, nós, os espectadores, que nada sabemos da equipe e dos integrantes, somos a eles apresentados), além de receber “aulinhas” bastante didáticas de como tudo é feito (novamente, nós, os espectadores, somos informados sobre os métodos e técnicas da equipe).
A técnica de ancoragem em um personagem “comum” é usada em diversas obras (ainda que na maioria das vezes seja quando alguém normal é introduzido em um meio fantástico), para que através dos olhos desse personagem, nós, os espectadores, aprendamos tudo o que precisamos sobre aquela realidade, e, assim, nos identifiquemos com o personagem e passemos a torcer por ele.
Faça um check-list mental e confirme se isso não ocorre em todas as sagas de grande sucesso como Star Wars, Avatar, Senhor dos Anéis, Matrix, O Hobbit, Jogos Vorazes, Crepúsculo, Maze Runner, Divergente, etc… sempre há um personagem “novato” em relação ao mundo (situação) em que está sendo introduzido, para nos servir de referência e cumprir sua Jornada do Herói (saiba mais sobre isso clicando aqui).
No caso da Liga, o Batman está longe de ser um novato ou então uma pessoa comum introduzida em um meio fantástico, mas o fato dele ser o mais “normal” dos integrantes, e o de maior empatia perante o público, garante a ancoragem necessária pretendida pelo escritor.
Grant Morrison, portanto, cercou-se de todas as garantias de que sua Liga da Justiça iria ser um sucesso de público – e vendas – ao rebootar a equipe com os maiores heróis da DC e calcar a maioria de suas histórias no Batman, o personagem com maior potencial de identificação dos leitores e o personagem mais interessante, para o escritor, do ponto de vista psicológico.
Para levar a cabo sua idéia, entretanto, o britânico precisou dar uma incrementada na importância – e capacidade – do Homem-Morcego como herói, em comparação com as revistas de linha do personagem, levando-o a um ponto parecido com o que Frank Miller havia feito, descontada a psicopatia e violência daquela versão.
Mas mesmo assim estava perpetuado o conceito inaugurado pelo libertarian…
Confira nos links abaixo os demais capítulos deste estudo:
Parte I – Frank Miller subverte o Batman e muda seu status
Parte II – Liga da Justiça de Grant Morrison perpetua a distorção (lendo este)
Parte III – A DC diminui o Superman e aumenta o Batman
Parte IV – Por que a maioria gosta mais do Homem-Morcego
Parte V – Analisando a famosa batalha usada como modelo
Parte VI – Exemplos de lutas contra um Homem-de-Aço verossímil
Parte VII – O veredito é: essa luta tem uma vitória fácil e lógica
Ralph Luiz Solera
Latest posts by Ralph Luiz Solera (see all)
- Análise: a obra máxima do terror é The Thing? - 12/07/2022
- Na mesa: jogo de tabuleiro The Thing: The Boardgame - 11/07/2022
- Série do Obi-Wan expõe o verdadeiro problema dos SW da Disney - 02/06/2022
- Resenha: o box completo de Bone - 17/11/2021
- Piores Filmes do Mundo: Serpente Mortal (Silent Venom) - 06/11/2021
e essa imagem ultima ai com o Batman derrotando toda a Liga??? chupa essa manga