O apocalipse zumbi é possível mas altamente improvável
Nestes tempos em que uma das maiores – dependendo do episódio chega a ser a maior – audiências televisivas de séries nos EUA e no mundo todo pertence a The Walking Dead, uma velha questão volta a tona: o apocalipse zumbi é possível?
De uma certa forma, a ciência já respondeu a essa questão de modo razoavelmente afirmativo, ainda que salientando que não se tratariam de zumbis idênticos aos dos filmes e séries, nem das mesmas condições lá mostradas. Ao invés de ‘mortos-vivos’, teríamos uma infecção (provavelmente por vírus) que causaria alguma doença neuro-degenerativa, que afetaria a coordenação motora e a cognição das vítimas.
O problema é que essa infecção dificilmente viraria uma pandemia nos moldes como os da série capitaneada por Rick, Daryl, Michonne, Glenn e etc. Na verdade, as probabilidades disso acontecer tendem a quase zero. Veja os principais motivos:
a) Organismos mortos não conseguem ressuscitar:
Não existem maneiras de se reanimar um organismo morto, mesmo com vírus ou bactérias. De tal modo que só poderiam sofrer uma ‘zumbificação’ os organismos ainda vivos, que se contaminariam com o agente causador da doença, e que sobrevivessem à infecção. Isso reduz drasticamente a quantidade de indivíduos contaminados que seguiriam por aí caminhando e espalhando a infecção para o resto da população e também impediria que as pessoas que morreram por outras causas ‘voltassem à vida’ para piorar o quadro da infestação (que é o que ocorre em The Walking Dead).
b) A maior parte dos zumbis morreria de inanição:
Se apenas organismos vivos se transformariam em zumbis, isso significa que eles precisariam de energia para continuar vivos, ou seja, precisariam comer. Apenas isso já seria um problema enorme para os zumbis com mobilidade reduzida, que dificilmente conseguiriam caçar (humanos ou animais) em quantidade suficiente para se manterem vivos. Bastariam poucas semanas de infestação para que os sobreviventes se escondessem ou dificultassem a caça ao ponto da maior parte dos mordedores não conseguir se alimentar o suficiente para continuarem vivos por muito tempo. E se os zumbis forem do tipo ‘rápido’, daqueles que desembestam a correr como loucos, isso significa que seu metabolismo pediria ainda mais energia, ou seja, eles precisariam de ainda mais comida que os lentos e tradicionais zumbis romerianos.
c) Os próprios zumbis seriam agentes contra a infestação:
Se os zumbis atacam animais e humanos para se alimentar, isso significa que os ‘mortos que caminham’ – ao contrário do que imaginamos ao ver os filmes e séries – dificilmente deixariam as pessoas escapar com apenas uma mordida infecciosa. A imensa maioria das pessoas atacadas seria comida pelos zumbis, de tal modo que não haveria infecção se espalhando em massa de zumbis para pessoas sãs, como a ficção mostra. A maioria esmagadora das vítimas morreria despedaçada e, como vimos no item ‘a’, não sairia por aí infectando mais pessoas. O ciclo seria interrompido constantemente, até que se auto conteria, principalmente em cidades pequenas ou em localidades com pouca população.
d) As mordidas dificilmente causariam uma pandemia:
Vamos dizer que, ao contrário do provável, os zumbis mordessem suas vítimas mas não as comessem inteiras, ou então que houvessem muitos sobreviventes das mordidas dos walkers. A dificuldade de se criar uma infecção em massa por esse meio pode ser demonstrada pelo combate à raiva, uma doença que se transmite da mesma maneira, com o qual a humanidade convive faz séculos, e que não exterminou uma parcela significativa da população nem mesmo quando não haviam vacinas, justamente porque na vida real é mais difícil um ser vivo chegar até você de forma tão silenciosa e lhe morder, quando não há cortes, edições ou ângulos de câmera escondendo o atacante, que ‘sai do nada’ e dá algumas dentadas na vítima. A título de comparação, um vírus extremamente mortal e que se espalha pelo ar como o da SARS, causou infecções generalizadas na Ásia entre 2002 e 2003 e infectou por volta de 10 mil pessoas e matou cerca de 900, e tratou-se de uma das maiores e mais rápidas epidemias virais da História. Outra comparação pode ser feita com o vírus do Ebola, que apesar de não se propagar pelo ar, também não precisa de um acontecimento tão invasivo como uma mordida para se alastrar. Entre 2013 e 2015 o surto de Ebola na África ocidental – o mais grave de todos já registrados – contaminou por volta de 27 mil pessoas e causou 11 mil mortes. São números altos, mas, em termos globais, são insignificantes.
e) Os humanos reagiriam de forma eficiente:
Se considerarmos que a situação de uma eventual pandemia de ‘zumbificação’ tivesse início, é preciso considerar que haveria resposta enérgica dos humanos sãos. Ao contrário do mostrado nos filmes e séries, a verdade é que dificilmente as forças armadas e a polícia cairiam frente a um agrupamento de seres lentos e nada inteligentes. Por mais que as autoridades assumissem a gravidade da situação e demorassem para intervir, a infecção também não se espalharia de forma rápida e implacável (conforme vimos nos itens anteriores), de tal feita que quando resolvesse agir, a humanidade rapidamente controlaria a situação, consideradas as premissas anteriormente explanadas. Cenários como o de tanques de guerra abandonados em meios a hordas gigantes de zumbis são praticamente impossíveis de ocorrerem.
Conclusão:
Conforme vimos, um apocalipse zumbi é praticamente inviável. Algo parecido seria, na verdade, uma epidemia de alguma infecção neuro-degenerativa, causada provavelmente por um vírus, mas os resultados seriam diferentes dos vistos nos filmes e séries, com apenas ‘vivos’ sendo zumbificados e com a maioria dos infectados perecendo em poucas semanas por inanição. Além disso, um vírus que não se propaga pelo ar tem meios muito mais lentos e problemáticos para se alastrar, de modo que seria – muito provavelmente – controlado a tempo de se evitar o caos mundial, ou seja, não haveria pandemia. É muito mais provável que a humanidade tenha que se preocupar com pandemias causadas por algum vírus mortal que se espalhe pelo ar do que com algum vírus que transforme as pessoas infectadas em ‘zumbis’ mordedores e eles passem a espalhar ainda mais a infecção.
Obs: o caso do CDC e seu artigo sobre um apocalipse zumbi na verdade tratou-se de uma iniciativa bem-humorada e espirituosa do órgão para chamar a atenção da população para preparativos em caso de situações de emergência, visto que comunicados e artigos tradicionais raramente chamam a atenção e os avisos são negligenciados pela população. Na ocasião, o CDC preparava um artigo sobre kits de emergência e precauções em situações anormais de emergência, pois a temporada de furacões teria início e o órgão iria fazer sua publicação anual regular sobre o assunto. Abordar o tratado com exemplos de zumbis foi uma ótima maneira de chamar a atenção da população para o artigo e as medidas de segurança nele expostas.
Ralph Luiz Solera
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