Crítica: Snowden: Herói ou Traidor
Direção : Oliver Stone
Elenco: Joseph Gordon-Levitt , Shailene Woodley , Zachary Quinto , Melissa Leo , Tom Wilkinson , Joely Richardson , Nicholas Rowe , Timothy Olyphant e Nicolas Cage
Chegamos num momento da história mundial que praticamente todos os medos e conceitos tecnológicos e surreais vistos em obras como 1984 de Orwell se tornaram realidade. Um mundo que cada vez mais vigiado com suas guerras travadas através de computadores e não mais nas frentes de batalhas, cujas ordens para aniquilar seus alvos são feitas de maneira corriqueiras entre um lanche e conversas banais sobre o cotidiano.
Oliver Stone continua com seu cinema de denúncia e mesmo com seu senso de patriotismo característico ( como visto em JFK ou 4 de Julho), seu novo trabalho é capaz de distanciar deste contexto e, mesmo com certa irregularidade, fazer jus a suas intenções.
Ao ser convocado para trabalhar na NSA – e posteriormente CIA- , depois de uma frustrada passagem pelo serviço militar, Ed Snowden (Levitt) decide revelar ao mundo , através dos jornalista Glenn Greenwald (Quinto) e Ewen MacAskill (Wilkinson), todos os abusos que as agências têm cometido contra o povo americano e outras nações ao redor do mundo – cuja denúncia acarretou em inquéritos dos responsáveis e declarações do próprio presidente Barack Obama sobre os grampos.
Neste momento já surge uma importante questão sobre as denúncias de Snowden. Sendo vigiado e não podendo confiar em ninguém, o ex- agente somente poderia recorrer a imprensa investigativa capaz e com coragem de revelar os documentos (algo raramente visto aqui no Brasil, onde somos testemunhas da falta de escrúpulos da nossa imprensa cada vez partidária e menos interessada em fazer um verdadeiro jornalismo).
Denúncias que por mais que sejam documentadas e divulgadas parece que, somente pelo fato de acharmos de não termos nada a esconder (como se a própria privacidade não fosse importante), testemunhamos estes incidentes sem nos darmos conta de suas gravidades.Ficaria confortável em saber que hacker te vigia pela câmera de seu celular ou webcam?
É estarrecedor que devido as suas paranóias e questões de segurança, os EUA possam, com um apertar de botão, destruir toda a rede do Japão apenas por não ”concordarem” com suas políticas de vigilância. Assim como interceptar o avião do presidente boliviano Evo Morales apenas por suspeitar que Snowden estivesse a bordo – e até mesmo obter informações de milhões de civis ao redor do mundo, onde o Brasil é um dos recordistas de dados interceptados.
Este procedimento que não tem fronteiras e desrespeita a própria constituição americana, pois a quarta emenda, que limita o direito obter uma informação , diz que uma prova obtida mediante a sua violação é inadmissível em julgamentos criminais (ainda bem que estas coisas não acontecem, pois imagine se um juiz qualquer autorizasse e divulgasse a gravação de uma conversa envolvendo o presidente americano). Obviamente este controle americano não se resume a este poder em si , mas obviamente pelas velhas questões financeiras. Espionar a Petrobras e sua tecnologia para exploração do pré-sal, assim como os e-mails da então presidenta Dilma Rousseff (deve ser paranoia minha achar que estes fatos não tenha consequências no cenário político de hoje, enfim…) soam quase como um ato de guerra se estivéssemos em outras épocas.
Todavia, o grande problema deste Snowden: Herói ou Traidor é não conseguir talvez desenvolver suas denúncias de maneira plena chegando quase a diluir seus conceitos dentro de uma narrativa por vezes cansativa e desnecessária. Como pelo fato de, mesmo sendo mostrando o filme de ordem cronológica, acaba deixando uma sensação de quero mais , pois o filme funciona justamente quando temos a dinâmica entre Snowden e os jornalistas Glenn Greenwald e Ewen MacAskill.
Ou quando dedica praticamente toda sua estrutura para apresentar o desenvolvimento do romance entre Snowden e Lindsey (Woodley). Relacionamento , além de ocupar desnecessariamente boa parte do longa, a direção não poupa, para tentar engrandecer este vínculo , cenas com certo sentimentalismo e uma fotografia quente nas sequência entre o casal que acabam destoando, ao meu ver, do restante do filme.
Mas quando o roteiro do próprio diretor em conjunto com Kieran Fitzgerald acerta em sua denúncia é importante que temos a consciência do que está sendo apresentado. Assim vemos a velha política americana de policiar o mundo em nome da segurança que no fundo é o velho desejo de controle social. Alguns diálogos e situações infelizmente se entregam a chavões e forçam casualismos como o fato de Snowden terminar uma tarefa em tempo recorde apenas para o instrutor se mostra incrédulo. Ou pelo fato de Snowden dizer que continuar a trabalhar seria prejudicial a sua saúde, entretanto, ele viaja para o Hawaii para trabalhar como Hacker somente para criar o conflito dramático com Lindsey.
Joseph Gordon-Levitt novamente se apresenta carismático e capaz de criar um protagonista fragilizado pela paranoia diante da exposição diante das câmeras, mas invocando um sentindo de emergência para criar uma identificação diante do público. O ator é competente ao criar a introspectividade e idoneidade do retratado, como podemos comprovar quando o verdadeiro Snowden surge em cena para completar o discurso do ator numa bela transição de cena.
Um homem que sente como numa revolta de Atlas, um defensor de De oppresso liber mas ao mesmo ataca uma mídia liberal e defende a política americana como um patriota. Mas é interessante que ao mesmo tempo seja visto como traidor pelo governo jamais duvidamos de sua intenções.
Visualmente a direção de Oliver Stone se mostra elegante e competente ao simbolizar o estado psicológico do protagonista, com numa cena ele tem sua imagem fundida aos dados do pc ou quando participando de uma videoconferência, o personagem é completamente subjugado pela imagem do chefe projetado gigantemente na tela. Ou quando durante uma outra cena, temos uma elipse onde a lente de uma câmera se transforma (e visualiza) uma dançarina de streep-tease, servindo como metáfora pela invasão de privacidade de um personagem na cena que acaba sendo um das motivações de Snowden em levar a frente seu plano-denuncia.
Elevando seu protagonista a ponte de mártir, Snowden: Herói ou traidor pode não ser tão contundente em apresentar novos fatos ou visões – ao meu ver , não seriam mais necessários. Mas devemos nos lembrar de todos os riscos que ele ainda corre para que possamos ter ciência de fatos que atingem diretamente a sociedade como conhecemos hoje.
Lute, duvide e questione.
Cotação 3/5
Rodrigo Rodrigues
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