Crítica: Era uma Vez em… Hollywood (Once Upon a Time… in Hollywood)
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Emile Hirsch, Margaret Qualley, Timothy Olyphant, Julia Butters, Austin Butler, Dakota Fanning, Bruce Dern, Mike Moh, Luke Perry, Damian Lewis, Rafal Zawierucha, Lorenza Izzo, Damon Herriman, Michael Madsen, Kurt Russell e Al Pacino.
Nota 4/5
Assistir uma obra de Quentin Tarantino é um mergulho sem saída em uma visão ao mesmo tempo particular e coletiva do mundo através do cinema durante sua projeção; o diretor atravessou em sua carreira diversos estilos e gêneros como Os Oitos Odiados e Bastardos Inglórios ao ponto de chegar neste Era uma Vez em… Hollywood expondo uma colcha de retalhos de auto referências de sua filmografia (claro, como predominância do western) que, mesmo sem abordagem através de um enredo tido inédito – tanto que em pouco minutos visualizamos temos uma sequência que remete à cena do cinema do próprio Bastardos... – não pode ser acusado de repetitivo ou de ter uma pedância narrativa a essa altura de sua carreira? Pode, mas estamos falando de Tarantino e sua capacidade ao abordar os bastidores de suas influências é algo único e irresistível como uma experiência nova!
Sendo que agora, o diretor traz um momento específico – e trágico – de Hollywood, passado em 1969, ao mesmo tempo que presta uma homenagem aos seriados antigos que Tarantino absorveu como a esponja que é e que formaram boa parte de seu caráter cinematográfico. Portanto, não é para menos que logo em seus segundos iniciais a obra traga um símbolo retrô da Columbia Pictures e a razão de aspecto quadrada, como da televisão da época, demonstrando o ator Rick Dalton (DiCaprio) em seu auge como ator e demonstrando como o declínio da carreira o afeta emocionalmente, inclusive tendo sempre ao seu lado o amigo – e dublê – Cliff Booth (Pitt). O que nos traz talvez à personalidade principal do longa, uma vez que se passando em 1969, quando da aparição do grupo de seguidores de Charles Manson: a presença de Sharon Tate, que transforma Margot Robbie na peça fundamental do contexto de Era uma Vez em… Hollywood.
E se inicialmente o tom do longa pode soar inocente, percebi que tal abordagem é essencial neste conto de fadas imaginado pelo diretor, em que final feliz contradiz a realidade – assim como visto no filme que uma certa Shosanna abriu seu cinema para nazistas. Já neste filme, vemos uma jovem vivendo um sonho de princesa ao vivenciar a fama ao se casar com Roman Polanski, e Tarantino faz questão de engrandecer tal elemento através da cena em que Tate assiste no cinema Arma Secreta Contra Matt Helm, em que ela contracenou com Dean Martin.
Demonstrando total confiança do diretor no elenco, vemos que tanto DiCaprio quanto Brad Pitt se deixam levar por um timming perfeito para o humor e drama; não sendo surpresa a presença de atores recorrentes de Tarantino como Michael Madsen e Kurt Russell. Dicaprio como Rick Dalton é um mistura de vários personagens de séries ambientadas no velho oeste da época, como Bonanza e Roy Rogers, e personagens de filmes ‘B’, uma personificação das influências de Tarantino em um só elemento. Não sendo a toa que o personagem, durante determinada fase de seu declínio, parte para a Europa para fazer filmes spaghetti e outras produções, remetendo a própria história de Clint Eastwood e de uma das maiores, se não a maior, influência de Tarantino: Sergio Leone (até porque Era uma vez em… Hollywood é quase homônimo de Era uma Vez no Oeste…).
Enquanto isso, Brad Pitt traz seu Cliff Booth de maneira quase antagônica de Rick, ao se mostra sempre seguro de sua capacidade e inteligência, ao mesmo tempo que é tratado como um empregado sempre a disposição, com a suspeita pairando sobre ter sido ou não o assassino da esposa, ou seja, Cliff pode ser visto claramente como uma representação de Robert Wagner que até hoje é um dos principais suspeitos da morte de Natalie Wood (sua esposa na época) durante um passeio de barco.
Recriando de maneira eficaz a atmosfera efervescente daquele ano, Tarantino aproveita para preencher a tela com elementos como ode ao audiovisual, conforme visto na ótima aparição de Damien Lewis interpretando Steve McQueen (Fugindo do Inferno é mais uma das referências metalinguísticas de Tarantino, inclusive é um cena do clássico de 63 que vemos sendo homenageada e imaginamos Rick como escolhido para o papel que foi de McQueen). E falar em referências de Tarantino é um delicioso e demorado exercício, pois a cada minutos somos recheados por elas, seja através de outras séries famosas como UNCLE, FBI, Combat ou longas como Pendulum com George Peppard. E talvez a maior polêmica seja a abordagem sobre Bruce Lee que aqui é visto mais com um charlatão arrogante sem qualquer coisa da aura mítica que o marcou. Mas é possível compreender que Lee não era perfeito e muito pouco humilde, sem manchar sua carreira…
Estruturalmente contando com tramas paralelas, Era uma Vez em… Hollywood talvez não tenha a solidez de um Pulp Fiction, onde as histórias eram claramente divididas, e pode até causar certa dispersão por alguns momentos por um excesso na montagem e de situações que levam a lugar algum. Contudo, quando situamos o fim dos arcos de Rick, Cliff e Tate, rapidamente o filme entra no eixo para seu clímax, até porque narrativamente Tarantino nos presenteia com momentos elogiáveis; reparem, por exemplo, na bela sequência em que conhecemos a residência de Cliff e a câmera vai acompanhando o veículo e posteriormente se eleva como aquele tradicional plano dos filmes de faroeste ao entrarmos em uma cidade – entretanto, em vez de uma cidade, temos um drive thru. Mais homenagem que isso, impossível! Planos com a câmera atrás dos personagens (aqui, talvez um dos excessos), o fetiche por pés, Pussy Cat, e os diálogos permeados de metáforas que conseguem transitar pelo humor e o drama de maneira eficiente – como na conversa entre Rick e a pequena Trudi (Butters) – estão lá. Isso sem contar que até mesmo ao trazer elementos de suspense, Tarantino demonstra ser capaz de temermos pela vida dos personagens como visto na tensa sequência em que Cliff adentra o reduto dos seguidores de Manson que, devido também ao contexto histórico, sabemos o tamanho da ameaça que representa.
Quebrando a expectativa histórica, Era uma Vez em… Hollywood traz todos os elementos finais que se espera de um filme de Tarantino. Assim, a violência gráfica e absurda que faz o público delirar é entregue de maneira mais que satisfatória. É quase um ritual! Mas, de qualquer maneira, o final feliz de “conto de fadas” visto aqui (“Era uma Vez“…ok?) através do destino de Sharon Tate, consolida o fim de uma época sem inocência com certa melancolia.
Rodrigo Rodrigues
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misterio pra mim quem curte o Tarantino… mesmo estilo em todos os filmes, tenta ser genio do cinema com dialogos espertalhoes ultra afiados e estilosos, cheio de manias com as cameras, transforma historias normais em coisas egocentricas… haja s*co
pode ate nao ser tudo o que falam mas dai a dizer que os filmes dele sao ruins nao tb ne fala serio ai cada filmaço
pq tarantino tem tantos haters……..? grande cineasta, estudioso, nao se vende, mantem-se firme as suas conviccoes, faz os filmes do geito ue gosta, e parece uqe isso incomoda muita gente, faz grandes filmes, quase nao erra, quase nao faz filmes ruins
Ombrinho
Bem vindo
Discordo um pouco, Tarantino demostrou capacidade suficiente para apresentar temas diversos dentro de uma narrativa particular.
Mas você tem todo o direito de não gostar.
Abraço
“Era Uma Vez… Em Hollywood” é uma experiência mise-en-scène. Cada close, ângulo e o porquê do posicionamento são sistematicamente pensados. A câmera dança com atitude que acontece em um Set de filmagem e suas interferências externas. Mais Zapata, menos “Bonanza”. “Não quero um caubói de televisão, e sim ator”, diz-se. A cerveja espirra no óculos. – Fabricio Duque
Discordo dessa ode ao filme a a Tarantoviski. O filme é chato, beeeem chato. Conheço os lances daquele tempo – pois o vivi – e Tarantino não precisava gastar quase três horas para se repetir na tela, remoendo as mesmas estórias dos personagens (bastava mostrar o Brad dirigindo uma única vez, não as quase vinte). Enfim, a única coisa legal mesmo foi a catarse coletiva com a turma do Manson, ao final, algo já visto com o Hitler, dos Bastardos Inglórios. Tarantino já foi melhor!
Inácio
Bem vindo
Acho que dá para não gostar de “Era uma vez…” ( e você apontou alguns problemas, ok) e concordar que Tarantino tem uma bagagem suficiente para ser reconhecido como um grande diretor (ninguém dirige Pulp Fiction, Kill Bill, Bastardos Inglórios a toa).
De qualquer maneira seu comentário é válido !
Abraço
gosto qd um critico de cinema mostra conhecimento de filmes antigos e da historia do cinema e assim pode contextualizar obras primas como esse filme parabens Rodrigo Rodrigues
Nando Brio
Bem vindo
Obrigado pelo comentário e que tenha gostado do texto. Acho que qualquer um que propõe a escrever críticas dever seguir tais princípios!
Muito Obrigado