Crítica: Alien – O Oitavo Passageiro (Alien)

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Diretor: Ridley Scott

Elenco: Tom Skerritt, John Hurt, Sigourney Weaver, Ian Holm, Veronica Cartwright, Harry Dean Stanton, Yaphet Kotto, Helen Horton e Bolaji badejo 

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A maior prova da intangibilidade de Alien, O Oitavo Passageiro (1979) é, mesmo depois de uma bem sucedida continuação, narrativamente oposta e explosiva dirigida por James Cameron em pleno anos 80, depois do niilismo do injustiçado de Alien 3 de David Fincher (leia nossa crítica aqui) e do medíocre (para dizer o mínimo) Alien, A Ressurreição dirigido por Jean-Pierre Jeunet, constatar que o filme de Ridley Scott é, quarenta anos depois, um exemplo maior de um gênero que ele mesmo consolidou (ficção/terror) – e como cinéfilo somente pude ter contato com a obra quase dez anos depois de seu lançamento nos cinemas; apenas não consigo me lembrar se foi pela TV ainda na recém inaugurada Tela Quente ou através do VHS, mas independente disso, o filme ficou marcado para sempre e a cada revisão a unica certeza que se renova é da sua perfeição como obra cinematográfica.

Ademais, não podemos deixar de comentar que este mesmo Ridley Scott (que dirigiu duas obras-primas seguidas, já que o filme seguinte do diretor foi nada mais nada menos que Blade Runner, que também se tornou referência anos depois) retornou ao universo por ele criado no inconsistente Prometheus (2012) e no malfadado Alien – Covenant (2017) que pode ter sido a pá de cal na série; fora que volta e meia surgem rumores de que um novo filme virá, que pode ser dirigido pelo próprio Ridley Scott (ou James Cameron), que poderemos ter a participação de Sigourney Weaver, etc… Até mesmo artes conceituais de um novo filme a cargo de  Neill Blomkamp (Distrito 9) foram divulgadas.

Mas nada de concreto foi anunciado!

Somente com o passar do tempo, assim como a maioria dos filmes que podemos atribuir o termo “clássico”, Alien – que foi recebido de maneira pouco empolgante pela crítica na época – não teve o reconhecimento à altura. Vincent Canby do New York Times disse que o filme “era um retrocesso para uma era de cinema menos sofisticada” e até mesmo Roger Ebert não foi muito favorável à obra dizendo que era basicamente “apenas um thriller de casa assombrada intergaláctica”. Contudo, nada melhor que o próprio tempo para por as coisas em seu devido lugar…, o próprio Ebert se redimiu anos depois, ao dizer que o filme “ainda vibra com uma intensidade sombria e assustadora”. 

Escrito por Dan O’Bannon (de Dark Star de 1974, dirigido por John Carpenter), Alien bebeu da fonte de filmes ‘B’ como O Terror veio do Espaço (1958), mas atingiu um nível de brutalidade pouco visto para o gênero; até porque tal estranheza se deve também pelo fato de que os “filmes espaciais” precisavam mais de discussões, filosofia e elegância de um 2001 – Uma Odisseia no Espaço que dez anos antes elevou tais filmes a um novo status. Mas a verdade é que, como Star Wars tinha mudado o cinema dois anos antes, qualquer coisa que mencionasse espaço e alienígena deveria seguir por estes caminhos (sendo bem-sucedido ou não). Entretanto, a aposta, em direção contrária, de Ridley Scott, se mostrou acertada.

Enfim, a trama todos conhecemos: depois de um pedido de socorro vindo de um planeta desconhecido, a nave Nostromo (nome baseado no livro homônimo de Joseph Conrad de 1904) decide averiguar e a tripulação encontra uma espaçonave alienígena; mas ao retornar à nave com um dos integrantes atingindo por uma misteriosa criatura, o tripulantes passam a ser perseguidos pelo alien que se transformou em uma monstrengo de mais de dois metros de altura, ágil, extremamente feroz e com sangue ácido (o que torna o uso de armas de fogo de curta distância algo ainda mais perigoso).

A própria concepção da criatura, que mal realizada poderia por todo o trabalho a perder devido à limitação tecnológica da época, foi inspirada no trabalho do suíço H. R. Giger e tem um viés de violência e horror baseado no surrealismo, que denota um explícita conotação sexual, ou seja, o facehugger tem em sua base conceitual contornos de um órgão sexual feminino e realiza uma espécie de estupro em sua vítima ao asfixiá-la – assim como a boca menor do alienígena, já adulto, que se projeta da boca maior, faz claramente uma alusão ao um falo, além de explodir um corpo masculino, como vista na icônica cena do jantar em que conhecemos o monstro em seu estado embrionário. Isso sem contar que a própria nave alienígena tem a mesma lógica sexualizada por suas entradas lembrarem um útero materno, e por mais bizarro que soasse na época, a visão de Giger foi fundamental para a existência da obra.

Com um elenco de peso que contava com a presença de John Hurt, Ian Holm, Tom Skerritt, Veronica Cartwright, Harry Dean Stanton e Yaphet Kotto, a obra catapultou Sigourney Weaver  para o estrelato com sua Ellen Ripley que facilmente se tornou um símbolo de força feminina em uma era pré-Rambo e Schwarzenegger; inclusive, em determinada cena, Ripley tem seu comando questionado pelo outros tripulantes quando Dallas (Skerritt) retorna para a Nostromo com o corpo de Kane (Hurt) infectado e não dão ouvidos para os códigos de quarentena para (mais ao final do filme) Ridley Scott expor o corpo de Weaver como se dissesse que depois de todo o terror que acometeu a tripulação e subjugou os homens, é uma mulher que iria salvar o dia e não um homem – tanto que, para manter a surpresa, o diretor mantém a atriz sempre como coadjuvante, que aos poucos vai sendo trazida para o centro da trama. Fora que na cena em que Ripley é atacada pelo androide de Ian Holm, claramente temos um sequência graficamente e simbolicamente pesada de estupro, e pelo fato dele ser um androide a violência se dá com uma revista enrolada, e não podemos esquecer que a inteligencia artificial da nave que conspira e deseja capturar a criatura para a companhia é apelidada de “mãe” (voz de Helen Horton), contrastando com o Hal 9000 de 2001 – Uma Odisseia no Espaço.

O maior mérito da direção de Ridley Scott (ou um dos) é justamente entender que a tensão constante não deve vir do que você vê, e sim do que não vê. Este fundamento, visto anteriormente no Tubarão de Spielberg, é o ensinamento básico de Hitchcock para um suspense bem-sucedido e foi incrementado com a famosa frase “No espaço ninguém vai ouvi-lo gritar”. Não é a toa que ao colocar na ponta do lápis o tempo total de tela do alien, ele talvez não chegue sequer a cincos minutos (!) e mesmo assim sentimos a presença da criatura todo o tempo, já que Scott intercala de maneira eficiente o suspense e a violência das ações do xenomorfo (e neste ponto podemos até criar uma relação com o próprio Tubarão, onde Spielberg teve problemas com o tubarão mecânico “Bruce”, e que por não conseguir fazê-lo obedecer aos comandos dos engenheiros, teve que refazer cenas e cortar outras… e essa ausência foi brilhante para manter a tensão do filme).

Em Alien, o diretor aproveita de maneira inteligente esse fato, ao apostar em planos mais longos que vão se acelerando de maneira elegante com o decorrer do filme; e fico tristemente indignado que a maioria dos diretores de hoje não teria uma mínima capacidade de criar um clima parecido sem apelar para cortes rápidos ou uma edição acelerada. Tanto que logo no início do longa a câmera percorre lentamente o interior da Nostromo até chegarmos aos tripulantes em suas câmaras de criogenia, o que aumenta o poder de sensação de isolamento, fundamental para filme e que prepara terreno para o que virá em seguida!

O trabalho do restante da equipe técnica também é primoroso, desde a construção dos cenários da Nostromo (que de tão primorosos chegam a trazer vida ao cargueiro espacial, ao ponto de torná-lo um “elemento vivo” da obra) até a fotografia do estreante em longas Derek Vanlint (que posteriormente não fez nada de grande relevância, ficando mais restrito a trabalhos com efeitos visuais). Vanlint claramente tem em 2001 – Uma Odisseia no Espaço sua fonte de inspiração, ao apostar em ambientes inicialmente mais claros – como o refeitório e dormitório dos tripulantes – mas que no desenrolar do filme vão sendo tomados pelos corredores escuros, esfumaçados e molhados, algo fundamental para criar o clima claustrofóbico, salientado pelas sombras em que não sabemos de onde a criatura sairá, como visto na sequência final em que Ripley atravessa um corredor iluminado pelas luzes de emergência para chegar à sala de controle cujo clímax  – em uma possível nova referência ao clássico de Kubrick – é apresentado praticamente sem diálogos.

Alien, O Oitavo Passageiro é um clássico fundamental e exemplo de como uma narrativa pode fornecer o máximo de tensão e terror de maneira única. Seria redundância recomendar o filme para as novas geração acostumadas com a criatura vindo dos games ou HQs, brigando com O Predador, mas, como cinéfilo, é obrigação: assista Alien, uma obra prima do cinema!

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

19 thoughts on “Crítica: Alien – O Oitavo Passageiro (Alien)

  1. Filme bom pra epoca, mas hj em dia nao faz sentido achar ele tao bom… tem 10 filmes melhores do mesmo tema

  2. Que filme fascinante…..assim como sua crítica, nos remeteu ao ambiente deste filme, abraço com saúde……

    1. Josiano
      Bem vindo
      Obrigado pelas considerações. Fico feliz quando um texto consegue ser absorvido dessa maneira pelo leitor.

      Obrigado novamente e um forte abraço.

  3. acho que o filme foi fantástico na época… mas hj envelheceu um pouco… mas tb nao da pra cobrar que ele fique exatamente com o mesmo impacto hoje, 40 anos depois, nem Cidadao Kane conseguiu isso

  4. meu filme predileto… mas alguem ja explicou como o xenomorfo sabia que precisava ir pra capsula de fuga, pois qd a Ripley chega la ele ja esta la escondidinho… isso ja foi explicado?

    1. Mari
      bem vinda
      A explicação é que o Alien é mais inteligente que pensávamos!

  5. como o filme é antigo eu nunca tinha lido uma crítica dele, parabens Rodrigo, mostrou com maestria o lado tecnico do filme

    1. Ordenardor
      Bem vindo
      Obrigado pelo comentário. Ainda bem que leu conosco. Aproveita e curta nossa página!
      Abraço

  6. Texto muito bacana do Rodrigo, pegou detalhes que não tinha me tocado ainda, como o fato de Ripley, por ser mulher, foi questionada sobre a quarentena, que acabou sendo quebrada e gerou todos os problemas seguintes.

    Não percam meu texto sobre a produção deste filme, mais brevemente.

    1. pra mim vcs hj em dia ve coisa onde nao existe, quer me provar que la naquela epoca um diretor parou e pensou assim ‘vou deixar ela de coadjuvante, ai no final mostro pra todo mundo que ela é protagonista, que é mulher, que os homens nao conseguiram matar o bicho mas só ela, uma mulher, ela vai conseguir, vou mostrar que as mulheres sao poderosas, nao ficam atras dos homens, nao sao o sexo fragil, etc, hj em dia eu até acredito, pq hj em dia fazem isso pensado mesmo, mas nao epoca nao, me desculpe

    2. Pietro
      Bem vindo

      Bem, nada em um filme é empírico. Ou seja, sim, o resultado foi pensado mesmo!

      O resultado do filme é algo pensado desde o início pelo diretor; mas pode acontecer que o resultado final não tenha sido escrito inicialmente – algo normal em uma produção envolvendo centenas de pessoas, empresários, produtora e principalmente dinheiro!

      Assim, isso não impede que durante o processo de um filme as coisa mudem. E foi isso que aconteceu, pois Ripley não era para ser a protagonista, mas sigourney weaver foi tão bem que Ridley Scott resolveu coloca-la como protagonista (tanto que isso é claramente refletido no filme que, como disse no texto, ela vai assumindo o papel aos poucos). E na questão do feminismo, é claro que foi imaginado, até porque o filme dá este direito de interpretação e a atriz não iria ficar seminua no set a toa. Você até poderia chamar tal momento de chauvinista (eu entenderia), mas mesmo assim seria admitir que o filma abre margem para interpretação.

      Abraço

  7. filmes que mudaram o cinema: 10 Mandamentos, 2001, Tubarão, Alien, Star Wars, Matrix, Senhor dos Aneis

    1. Denis
      Bem vindo
      Acho que incluiria mais alguns ai: Metropolis, Ben Hur, Poderoso Chefão…rs
      Abraço

  8. bom filme, longe do hype por ele… como ja disseram, Scott em alguns momentos se rendeu aos sustinhos faceis, optando por colocar os personagens separados apenas para serem abatidos… a musica da uma subida, a criatura aparece, a tripulação toma decisoes estupidas, vidas são ceifadas por burrice, e bora pra frente que atras vem gente… mas o resultado final é bom sim, bem acima da media

    1. PrayforAmazonia
      Bem vindo
      Acho que apostar em sustos fáceis não é bem exatamente que ele faz, porque ao manter constantemente o clima de tensão (algo nem difícil) os sustos são resultados naturais. E quanto a estar bem acima da média, discordo um pouco do tempo porque ele foi o parâmetro para tudo que veio depois no gênero.
      Abraço e muito obrigado pelo comentário.

    1. Decadron
      Bem vindo e obrigado pelo comentário!
      Abraço

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