Crítica: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark)
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Harrison Ford, Karen Allen, Paul Freeman, Ronald Lacey, Alfred Molina e John Rhys-Davies
Como analisar hoje, atualmente, um filme como Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (veja aqui o trailer original de 1981)? Sucesso absoluto de uma era dominada pela fantasia de Spielberg e Lucas, na qual o cinema de Hollywood tinha acabado de entrar em uma nova era com Tubarão (o primeiro blockbuster, que criou o “cinema pipoca”) e Star Wars (que formatou o “consumo de cultura” tal qual vemos hoje) mudando a história da indústria cinematográfica para sempre?
Durante esse tempo, entre um sabre de luz e outro, ouvimos o som do chicote do famoso arqueólogo em busca de tesouros escondidos… e nos maravilhamos com isso também.
Passados quarenta anos (!) desde sua estreia nos cinemas em 1981, eu vejo como o único caminho justo discutir as origens e motivações que levaram ao surgimento desse ícone da cultura pop, e quem sabe apontar possíveis problemas que nossa memória afetiva oculta – calma, não acredito que tenha tantos assim!
Inspirado nas aventuras de revistas pulp dos anos 30, Indiana Jones é o típico herói alfa dos contos: confiante, astuto, sempre tendo um plano contra os inimigos e sempre salvando a donzela em perigo, mas ainda assim sempre tendo sua vida correndo riscos reais. O filme mostra uma personalização do imaginário popular sobre tais aventuras, permeadas de florestas com tribos indígenas hostis, mapas do tesouro, cavernas escondidas e obscuras, armadilhas mortais, aranhas, cobras e outros animais ameaçadores, missões grandiosas, artefatos “místicos” a serem encontrados, etc. Tudo o que se possa imaginar (e poderíamos ter visto mais, se alguns projetos descartados também tivessem sido filmados!)
O roteiro do primoroso Lawrence Kasdan (Star Wars: Ep. V – O Império Contra-Ataca; Star Wars: Ep. VI – O Retorno de Jedi; Silverado; Corpos Ardentes; O Guarda-Costas; O Apanhador de Sonhos; Star Wars: Ep. VII – O Despertar da Força) consolida tudo isso de maneira perfeita, tendo como mote principal algo que seria difícil trabalhar pelo que representa para a cristandade: A Arca da Aliança. Sabendo disso, Spielberg e Lucas transformam Os Caçadores da Arca Perdida numa busca do MacGuffin (termo cunhado pelo mestre Hitchcock para objeto, evento ou pessoa, que move a narrativa, sem no entanto ter necessariamente uma grande importância para tal).
Até porque seria extremamente complicado (e talvez esse seja seu único problema) se tentassem criar uma solução viável ou plausível, do ponto de vista “histórico-religioso” sobre o conteúdo da Arca. Assim, até mesmo o final apoteótico de incríveis efeitos especiais (hoje datados, óbvio, mas ainda assim convincentes), que é usado claramente como um deus ex-machina (quando o autor não sabe resolver a situação que criou e “apela” para uma solução conveniente), é perfeitamente inerente àquele universo e casa totalmente com o clima do filme.
Indiana Jones já nasce intencionalmente como um ícone, tanto que em seu início vemos apenas o protagonista por trás e seu contorno no escuro, para somente, após uma pequena ação, ele sair das sombras, como se finalmente ali o longa mostrasse “seu herói”. Claro, como dito antes, Indiana não é de todo infalível, e a canalhice trazida por Ford já de Star Wars é fundamental, por exemplo, para o eficiente humor do filme, como na famosa cena do “duelo” com o homem da espada – como se fosse uma resposta à “polêmica” cena onde se questiona se Han Solo atirou primeiro ou não em Uma Nova Esperança (ainda que a versão “oficial” sobre o improviso de Ford na cena do duelo afirme que foi por conta de uma dor de barriga que ele resolveu agir daquela maneira). Humor esse que se apresenta por vezes sutil, soando como uma visão irônica do próprio Spielberg, uma vez que o personagem Marcus Brody (Denholm Elliott), responde com um “Era exatamente isso que os hebreus pensaram”, quando outro personagem exclama um “Meu Deus”, sobre o que teria dentro do Arca.
Aliás, o elenco de apoio não compromete e serve bem ao protagonista, seja o já citado Marcus Brody, sejam os personagens de Sallah (John Rhys-Davies) – ambos retornaram em A Última Cruzada (1989). Portanto, é uma pena ver que a personagem Marion (Karen Alllen) – cujo arco fica prejudicado por surgir inicialmente como uma forte personagem feminina que acaba sendo enfraquecida durante o filme – não tenha a oportunidade de ter participado das aventuras seguintes, que não seja o irregular Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2006).
Fotografado pelo então veterano Douglas Slocombe, o diretor de fotografia foi fundamental para dar textura e vida ao mundo de Indy, onde sua visão permite ao filme ser uma inspiração do clássico Lawrence da Arábia, como visto nos belos planos passados no Cairo, principalmente aqueles ao pôr do sol com os operários trabalhando – fora, o dito anteriormente sobre as sombras e silhuetas que apresentam o protagonista. Completando o belo trabalho técnico temos aqui o premiado e colaborador assíduo de Spielberg, Michael Kahn (além de Caçadores da Arca Perdida, Kahn venceu o Oscar com O Resgate do Soldado Ryan e A Lista de Schindler); o montador imprime ritmo ao longa sem oscilar ao passar por diversos lugares (selvas, montanhas no Nepal, deserto do Cairo, estaleiros secretos de submarinos típicos de 007, etc.), onde seus raccord (transição entre as cenas) são geralmente elegantes, culminando na famosa transição em que acompanhamos as viagens de Indiana Jones pelo mapa – e para azeitar ainda mais esse cenário, ainda temos a inesquecível trilha sonora do mestre John Williams que fala por si, como um elemento vivo, e que é uma das mais famosas da História do cinema.
Indiana Jones e os Caçadores da Arca perdida é um filme que jamais envelhece. Sua atemporalidade reside justamente na capacidade de invocar a aventura que habita eternamente no coração de cada um dos seus fãs, de todas as idades. Não injustamente, é considerado por muitos como o maior filme de aventuras já produzido pela sétima arte.
Rodrigo Rodrigues
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Melhor filme de aventura ja feito! Tem que ser muito ruim de vida pra achar problema nesse filme..
Foi muito bom na sua época, hj nao da mais pra comprar a ideia de alguem tao desastrado que so sobrevive a tantas situacoes com sorte ou por acaso ou ainda por ajuda de roteiro, sem falar que o fim do filme foi um autentico roteirismo: nao sabiam como resolver a situacao criada e apelaram pra uma magica que mata todo mundo, mas so os que estao de olhos abertos hahaha mas claro que o filme é bom sim nao to dizendo o contrario
O final realmente foi zoado, nao da pra negar, mas nao chega a diminuir a obra, e discordo de vc: mesmo hj em dia ainda é um filme excelente
esse filme é maravilhoso, meu preferido, vejo todo ano a trilogia mas esse é meu preferido
vs supervalorizam os produtos da sua epoca, boomers
Sim, somos e assinamos embaixo. Os millennials nunca saberão o gostinho de ter visto isto da primeira vez..quando não se tinha nada !!! ou quase nada…:)
Aventura e comédia! A comédia é um dos principais fatores que tornaram Indiana Jones um dos clássicos do cinema – quem nunca riu da luta mais rápida da história do cinema? Porém, ela não é o único motivo. Todo esse roteiro simples, mas altamente cativante e bem executado e as seqüências de ação muito bem feitas deram um chega para lá na incerteza sobre o sucesso que rondava a produção na época. Mas tudo funciona perfeitamente! Esse filme é incrível! Ah, meu pai me deu o nome de Karen em homenagem a advinha qual personagem hahahaha
Creio que vc também se identifica bastante com a Marion, não ? Beijos, continue nos seguindo aqui no site.
Filme ótimo, mas sinceramente, não vejo ele tão bom assim como vcs falam não. Já vi aventuras melhores. Os Piratas do Caribe por exemplo. Alguns filmes do Jackie Chan tb. Aventura pura!
Pra quem cresceu nos anos 70,80, viveu um período de grande criatividade técnica, visual . Hoje os valores são outros. Pessoalmente, acho Piratas do Caribe, muito forçado, mas o próprio filme já pegava um pouco de Indiana Jones ..hoje tudo vem do que foi feito a 30, 40 anos atrás…
Sem a menor dúvida esse é um dos meus filmes favoritos de sempre. E o mais interessante em todo o filme é que Indiana Jones, apesar de tratado como um herói, não é super: altamente vulnerável ao mundo a seu redor, ele a todo momento se machuca, toma decisões importantes certas e erradas, enfim, é uma pessoa completamente normal em meio à uma situação extrema, e age possivelmente como eu ou você faríamos em tais ocasiões, com o devido conhecimento histórico que o personagem tem a seu favor. Ou seja ele é falível, é “gente como a gente”. Por mais que o filme seja cheio de ação – de boa qualidade -, a construção dos personagens é grande devido ao roteiro simples e direto. Eles que importam, não os rumos que a história toma.
Apesar de Harrison Ford não ter sido a primeira opção dos produtores para o papel (Tom Selleck era o escolhido, e outros foram cogitados), não dá para imaginar outro ator fazendo o papel. Um acerto por vias tortas, que no fim se mostrou perfeito tb!
Grande resposta UAINALDUM, ” Eles que importam, não os rumos que a história toma.”Falou tudo.
A deliciosa aventura “Os Caçadores da Arca Perdida” consegue misturar ação, suspense e bom humor, alcançando um resultado maravilhoso. É inevitável nossa identificação com o carismático personagem principal e, por isso, embarcamos juntos com ele nesta viagem maravilhosa através da imaginação. A grande direção de Spielberg e a ótima atuação de Harrison Ford criaram, junto com toda a equipe, um herói clássico, muito próximo de todos nós, e exatamente por isso, inesquecível.
É isto mesmo, uma união de todas as forças criativas em alta de Hollywood, fizeram uma obra prima
Como disse o grande Siqueira, o grande mérito da aproximação que o herói Indiana Jones consegue criar com o público reside no fato de que ele parece sempre vulnerável. E isto ocorre porque Indiana é alguém de carne e osso, que comete erros e acertos, e não um super-herói que acerta em todas as decisões e jamais dá a sensação de que corre algum risco. Indiana, por muitas vezes, toma decisões erradas, que pioram ainda mais as coisas, como podemos perceber logo no início do filme, quando ao voltar de um local sagrado onde consegue um artefato indígena, ele passa o artefato para seu colega que se encontra do outro lado de um buraco onde só é possível passar com ajuda, somente para que este o abandone à beira deste abismo. É claro que além desta vulnerabilidade, a excelente atuação de Harrison Ford também é diretamente responsável pelo sucesso do icônico personagem. Sarcástico, ele encarna o arqueólogo de forma tão incrível que mal podemos imaginar outro ator na pele dele. Lembrando a dupla identidade comum em outros heróis (Superman, por exemplo), Indiana aparece como um professor sério e tímido na universidade, mas se transforma completamente quando está na pele do arqueólogo aventureiro. Toda a concepção do personagem é ótima. O chapéu e o chicote se tornaram marcas tão fortes que hoje em dia, qualquer pessoa, mesmo que não tenha visto o filme, sabe de quem se trata somente ao ver a sombra deles. Indiana é um herói que evita, a qualquer custo, trazer problemas para si, como fica claro na engraçada cena em que mata um especialista em espada com um tiro. Ele sempre opta por resolver a situação da forma mais simples possível. Egoísta, Indiana sempre vai tentar salvar sua pele, mas como não é infalível (e sabemos disso), muitas vezes toma decisões erradas e a situação piora ainda mais. E o fato de não sabermos se Indiana vai tomar a decisão correta torna ainda mais plausível um possível fracasso dele, o que aumenta a carga de tensão nas muitas cenas em que corre perigo.
Continuem seguindo o Maxiverso, este mês será o mês dos 40 anos de Caçadores da Arca Perdida, um especial sobre as filmagens deste clássico já está a caminho…aguardem os próximos capítulos.
E aquela teoria de que o Indiana Jones nao altera em nada os acontecimentos do filme? Tudo que ele faz pra impedir os nazistas acaba dando errado e no fim tudo teria se resolvido com ou sem o Indy, ja que a Arca mataria todo mundo mesmo… isso nao da uma quebrada nas coisas ja que o protagonista acaba sedo irrelevante no fim das contas?
Isto apareceu no Big Band Theory, então se espalhou na internet como…o filme nem faz sentido….meu, ninguém se preocupou com isto por décadas…agora isto vai depreciar uma obra ??? 2001 e Blade Runner, podem ser considerados lixos agora, porque o futuro previso nos filmes hoje está datado e não tem nada aquilo ??? Get a Life , people !