Crítica: Não! Não Olhe! (Nope)

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Direção: Jordan Peele

Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Devon Graye, Brando Perea, Michael Wincott e Keith David.

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Como é impossível escrever o texto sem abordar detalhes da trama… o texto pode conter spoilers!

Trabalhar a expectativa do público requer uma habilidade – e coragem – por tal elemento preencher os espaços na maneira que vemos uma obra. Isso é um dos pilares principais para apreciaremos ou não um filme.

Se fizermos um simples exercício básico das letras do alfabeto, quando o filme nos apresenta “A” nós esperamos racionalmente um “B” e por seguinte um “C”. No entanto, o diretor pode vir novamente com um “A”, quebrar nossa expectativa e ganhar mais nosso envolvimento. Digo isso, pois Jordan Peele, sendo um diretor que fez isso magistralmente em seus dois primeiros filmes, não se esquiva de correr riscos nesse inquietante Não! Não olhe!.

Se em Corra! temos um soco racial travestido de humor sombrio, em Nós o diretor amplia suas alegorias sócio-econômicas através do terror propriamente dito; e mesmo que nesse segundo as interpretações sejam mais diversificadas que no primeiro, ainda assim temos uma base palpável para essas opiniões.

Todavia, isso não acontece exatamente nesse Não! Não olhe! que pode até ser acusado de esticar demais essa expectativa e não entregar uma base para dar suporte nas suas alegorias travestidas de Guerra dos Mundos; quando digo expectativa não me refiro exatamente numa reviravolta ou plot twist, mas sim do filme ir empurrando o espectador para dentro da narrativa.

Assim, ao longo do filme, vamos vendo que aquilo que o filme se mostrava desde o seu início… acaba por ser aquilo mesmo. E talvez esse seja o grande problema do longa, porém, as alegorias (algumas óbvias como quando um personagem assiste um documentário sobre moluscos caçando) estão lá para quem quiser ver, como por exemplo, a correção histórica no áudio visual usando convenções tradicionalmente feitas por homens brancos ou até mesmo a exposição da mídia em que o mais importante é a exploração de uma boa imagem do que a própria vida de quem a faz!

Notório também que o roteiro do próprio diretor permite mais vácuos do que o público pode preencher, deixando uma sensação de estranheza maior do que necessariamente de incômodo ,diante dessa mistura de abordagens, mesmo que estejamos falando de um público conhecedor dos dois primeiros filmes do diretor. Parecendo-me até que, ao abordar as questões raciais de maneira menos expositiva e apostando num arco aparentemente mais simples, ficamos com a sensação de que Peele tentou algo que atendesse um público mais diversificado; mas pode ser que eu esteja enganado.

Trabalhando como adestradores de cavalos na empresa herdada do pai que trabalha diretamente com Hollywood, O. J. Haywood (Kaluuya), junto com sua irmã Emerald (Palmer) enfrentam estranhos fenômenos em sua fazenda enquanto decidem se vendem ou não a propriedade para o empresário vivido por Steven Yuen, até por serem descendentes diretos do jóquei – não reconhecido, obviamente por não ser branco – que participou do Cavalo a Galope (a primeira imagem em movimento que se tem notícia na história, de 1878).

Aliás, a cidade/parque diversões temática dirigida por esse último se torna o palco da alegoria maior, pois ao se tornar um “experimento” para o fenômeno ufológico, cuja ligação com o empresário se dá justamente na necessidade de controlar algo mais poderoso devido ao seu trauma de quando era um ator mirim de uma sitcom em que a mascote do programa apresentou um surto psicótico.

Inclusive, o filme traz inicialmente a frase “Eu jogarei imundície sobre você, e a tratarei com desprezo; farei de você um exemplo...” denota também contornos quase divinos ao usar o espetáculo chamado Laçada Estrelar como um ritual de sacrifício para “acalmar os Deuses”, mas, claro, ganhando em cima disso.

Trazendo elementos levemente cômicos mais sutis (principalmente na dinâmica dos irmãos), Não! Não olhe! parece esquecer em que focar quando precisa direcionar-se ao público. Não sendo à toa que as duas cenas de maior tensão parecem mais incluídas “apenas” para atender como um filme de diretor como gênero de terror. Isso, no entanto, não significa que não sejam eficientes e tensas, pelo contrário, como podemos ver na sequência que se passa no celeiro ou quando vemos realmente o que aconteceu no estúdio com o pequeno Gordy (e os desfechos quase antagônicos das duas mostra essa salada de estilos, uma vez que apenas uma cena termina em tragédia).

Aliás, tecnicamente, Jordan Peele demonstra saber explorar o espaço  para compor as cenas, seja no uso constante de planos abertos ou focando na distancia entre os personagens, exaltando ainda mais o ambiente em que ocorrerá o clímax, na explosão sonora dos galopes ou até no uso de rimas visuais quando vemos OJ cavalgando através do celeiro, repetindo a cena do antepassado que inaugurou as imagens em movimento.

Todavia, ainda que o embate com o Alienígena/Nave/Caravela/Sei lá o que (nunca fica claro sua natureza) seja um interessante espetáculo visual, não permite um impacto maior. Pois, além de esperarmos aquilo, sua conclusão é mais para criar uma sensação dúbia quase involuntária (o leve riso de algumas pessoas próximas a mim não me deixam mentir, mas como provavelmente essa era a intenção do diretor – para bem ou para mal – me abstenho de condenar).

Mas em sua brincadeira com o imaginário do western branco quando o herói caminha ao vento, Não! Não olhe! parece aleatório em suas abordagens e ideias difusas, tornando o filme quase um experimentalismo de convenções e estilos. Como cinema, jamais estaria errado, mas aqui ainda prefiro apostar que isso possa ser um passo inicial de uma obra mais ainda mais confiável.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

12 thoughts on “Crítica: Não! Não Olhe! (Nope)

  1. nem com muito boa vontade da pra comprar a ideia desse filme… a menos que vc seja um fã do diretor e nao se importe em ver algo ruim apenas pq gosta dele

  2. filme assistivel… nao tem nada de mais nao, a critica endeusa o cara mais com base no que ele fez em Corra do que com base nos filmes atuais dele, todos bem mais ou menos…

    1. tenho que concordar… Corra! é um baita filme, mas depois dele o Peele nao fez mais nenhum grande filme nao, e esse aqui é o piorzinho da carreira dele

  3. Acabei de assistir “Não! Não Olhe”, Canadá 🇨🇦, EUA 🇺🇸, Japão 🇯🇵, terror/ficção científica, 2022, 2h 15min, Daniel Kaluuya, Keke Palmer e Steven Yeun (diretor Jordan Peele), 75% gostaram deste filme, TV APLICATIVO, desculpe minha sinceridade, não gostei, me decepcionei com este filme, e olha que gosto deste gênero de filmes (terror/ficção), um roteiro onde o telespectador não entende muito, fica esperando o desfecho e as explicações e…nada acontece, boas interpretações, mas o final tbm decepciona, eu esperava muito deste filme, mas, infelizmente não recomendo, acho que quis ser cult e acabou se atrapalhando na própria trama, 3,0

    1. O filme é “ok”… o hype exagerado é que prejudica, galera vem achando que é um novo “Corra” e se decepciona. Mas uma coisa é fato: o diretor vem caindo a cada novo filme, e a lacração vem aumentando. Curiosidade: em Corra, o melhor dele, nao tem lacração!

  4. filme interessante, apesar de problemas de roteiro… da pra se divertir sem esperar muita coisa e dando um baita desconto pra aparencia da “nave” e o modus operandi dela que sao bem toscos

  5. Ah fala serio, vc ainda viu muitas virtudes nesse filme. Pra começar aquele atorzinho medíocre, inexpressivo, incapaz de alterar fisionomia pra mostrar medo, alegria, tensão, etc… historiazinha rasa do caramba… design da coisa bisonho, pobre mesmo, usaram até lençóis pelo visto… a soberba do diretor escorre pelo canto da boca dele enquanto roteiriza um filme, da ate pra notar, o cara realmente se acha um genio… menos, Peele, menos… as bilheterias cada vez piores vão botar ele no devido lugar. Corra! foi uma exceção, pelo jeito.

  6. Jordan Peele pra mim ta igualzinho o Shyamalan… fez um espetacular Sexto Sentido, todo mundo ja viu o cara como gênio. Aí veio Sinais, ok, muito bom, mas menos do que o hype da época fazia crer. Depois veio A Vila e a qualidade foi um pouco ainda mais baixa. E nunca mais Shyamalan fez nada que preste de verdade. Peele surgiu com Corra e foi o gênio da vez. Nós foi beeem abaixo. E agora esse Não Olhe decepciona tb (não é ruim, mas longe de ser uma obra maravilhosa). Muito hype, pouca entrega. Em ambos os casos (Peele & Shyamalan) parece que a soberba derruba os caras, eles “ficam se achando” depois do primeiro sucesso estrondoso. “Eu sou foda!” é o que parecem dizer a si mesmos. O Shyamalan ainda fez Sinais e A Vila que são muito bons (muito abaixo do Sexto Sentido), mas o Peele já no Nós tropeou feio. Nota-se ali um “To acima dos mortais, faço o que quero, foda-se a audiência/bilheteria, vou fazer do meu jeito”. Difícil de explicar, mas é mais ou menos isso mesmo, soberba demais, se acham demais, a coisa sai demais do controle. Aposto com quem quiser que no próximo filme o estúdio vai obrigar o cara a fazer algo menos autoral e mais comercial. Anotem minhas palavras.

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