Crítica: Três Faces (Se Rokh)

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Diretor: Jafar Panahi

Elenco: Jafar Panahi, Marziyeh Rezaei , Behnaz Jafari, Maedeh Erteghaei e Narges Delaram

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Nota 4/5

O diretor Jafar Panahi é resistência. Cumprindo a mais dolorosa pena que um artista poderia sofrer – deixar de exibir sua arte em seu próprio país ao ser proibido de filmar durante 20 anos pelo regime iraniano – Panahi consegue dentro de suas limitações apresentar não somente obras minimalistas, mas verdadeiros gritos de liberdade e principalmente amor ao Cinema! Foi assim, por exemplo, com Isso não é um Filme (2011), filmado de maneira praticamente caseira enquanto aguardava sua sentença e Táxi Teerã (2015) em que Panahi atuou como motorista e testemunha ocular da sociedade Iraniana em outra bela homenagem ao cinema; Assim, neste Três Faces ele trás novamente sua ode ao cinema, apresentando aspectos desta mesma sociedade como pequenas doses de thriller com elementos bem pessoais pela “trama” ocorrer em um vilarejo desassistido e pobre no interior do país, o que remete às suas origens.

Depois de receber um vídeo da jovem Marziyeh Rezaei sobre sua proibição de estudar cinema, a atriz Behnaz Jafari parte para o tal vilarejo em companhia do próprio Panahi para averiguar a veracidade ou não das imagens que acabaram de maneira trágica. Uma jornada de autoconhecimento, com doses “quixoteanas” em busca de algo que ela não sabe se realmente aconteceu, através de ruas e casa esquecidas em que a modernidade custa a entrar (tanto que rapidamente nos remete a qualquer local do sertão brasileiro em que o único telefone do local fica na pequena venda freqüentada pelos moradores). Reparem que com o fato de usar os atores representando eles mesmos, Três Faces já denuncia, como de hábito nos filmes do diretor, um espécie de metalinguagem – claro, que aqui há o peso da falta de recursos do diretor que, proibido de filmar, provavelmente depende da ajuda de um equipe técnica praticamente reduzida a poucas pessoas (que obviamente não podem ser reveladas por questão de segurança dos profissionais).

Todavia, a qualidade narrativa de Panahi é algo único pela capacidade do diretor trazer toda aquela atmosfera desolada do vilarejo através de longos planos que nos envolvem em situações simples, mas não menos significativas, que rimam com o contexto do local cujo tempo teima em passar. Raparem, por exemplo, no momento em que Jafari se desculpa com sua assistente por desmarcar um ensaio no dia seguinte devido ao vídeo recebido que a chocou, e a câmera passa todo o momento focado na atriz ao celular, desde o momento em que ela sai do carro e depois retorna sem que sintamos que a câmera esteja parada dentro do carro todo tempo. E não podemos esquecer que a própria sequência de abertura, um plano sequência filmado através de um celular, tem um simbolismo interessante, a veracidade das cenas passa pela qualidade das imagens cuja ausência de cortes (algo que somente poderia ter sido feito por um profissional e não um estudante) acaba que servindo como um exemplo de como se pode filmar quase sem recursos, e ainda assim, trazer algo relevante, tendo paixão pelo que faz.

Ademais, não é por acaso que a própria menina do vídeo possa ser vista como uma representação de Pahani, pois assim como o diretor que é impedido de filmar, a menina sofre da opressão religiosa e do patriarcalismo de uma sociedade em que uma mulher estudando para se tornar diretora seja uma das maiores vergonhas que uma família poderia passar na pequena vila. E neste momento, o diretor aponta para o preconceito que aprisiona da sociedade, mas sem perder a doçura para entendermos aqueles costumes locais de pessoas matutas, como no momento em que ao conversar com um antigo morador local, Behnaz Jafari é “incumbida” de levar um pequeno presente para um ator (que foi banido do Irã) conhecido pela sua virilidade (devido a um antigo filme) para trazer “masculinidade” para o filho.

O filme é todo permeado destes momentos, em que vamos acompanhando pequenos detalhes de cada ato, onde vale ressaltar o ótimo trabalho da trilha sonora que evidenciam o abrir de uma porta do carro, um andar ou os sons gerais do cotidiano; ou seja, por mais simples que isso possa aparentar, são estes detalhes que engrandecem a imersão do espectador. Isso sem falar que devido à liberdade um pouco maior que teve em Taxi Teerã (filmado às escondidas na capital), aqui, devido ao local afastado, Panahi consegue apresentar melhor o local que o cerca, onde as paisagens naturais do local falam por si. Não sendo por acaso, por exemplo, que a única estrada de terra batida que dá acesso à vila seja de mão única, onde um sincronismo entre os moradores jamais impediu de eles prosseguirem com suas vidas. Contudo, a complexidade da obra em seu final por apresentar ao mesmo tempo uma crítica e uma esperança de um futuro menos opressor, faz com que a falta de recurso e riscos que Jafar Panahi passa para realizar suas obras é suficiente para torná-las ainda mais belas.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

1 thought on “Crítica: Três Faces (Se Rokh)

  1. filme bastante sensível e bonito de assistir, mas tem momentos arrastados com cenas prolongadas que poderiam ter se resolvido na metade do tempo, essas coisas cansam

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