Crítica: O Farol (The Lighthouse)

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Direção: Robert Eggers

Elenco: Robert Pattinson, Willem Dafoe e Valeriia Karaman

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Nota 5/5

Se a morte pálida, com pavor agudo, fizer o oceano ceder a nossa cama, Deus que ouve as ondas rolarem para salvar nossa alma suplicante

Apenas em seu segundo longa-metragem, o diretor Roger Eggers traz novamente um refinamento pouco visto no gênero do terror e confirma como um ótimo contador de história ; se em seu elogiável A Bruxa, o diretor trabalha constantemente o clima de inquietude sem necessariamente apelar para sustos fáceis, mesmo contendo elementos “facilmente” identificáveis dentro do senso comum, como fundamentalismo, crendices e demônios refletidos nestes elementos, o diretor repete a dose neste angustiante O Farol de maneira ainda mais eficiente e , no caso, menos lúdico – e por isso , ainda mais eficiente.

Claro que tais elementos elementos fantásticos estão lá e um clima cada vez mais aterrorizante sempre se faz constante, mas o longa acaba criando um interessante contraponto temático com o anterior sem sair do contexto de A Bruxa, uma vez que o filme de 2015 ocorre todo em uma floresta e tem uma atmosfera opressora e contornos religiosos mais agudos e a visão do feminino como algo pecaminoso, enquanto aqui, Eggers insere outros elementos voltados para a sexualidade masculina diante da solidão e insanidade de dois homens marcados pelos seus passados, sucumbidos ao controle de um farol no ano de 1890., cuja misteriosa luz acaba sendo um objeto de desejo dos personagens. Uma obra, inclusive, com contornos de homoerotismo pautado por desígnios inseridos dentro de uma “taberna diabólica”, permeado de seres mitológicos refletidos pela escuridão da alma humana; um verdadeiro “Inferno de Dante” em constante clima de tensão e simbolismos.

Elogios, portanto, para a fotografia de Jarin Blaschke que traz – com seu preto e branco – um elemento clássico do início do cinema de terror, realçando as sombras e suas formas como uma entidade sempre presente dos rostos daqueles homens e suas silhuetas de um local a esmo no meio do oceano.  Ademais, como não poderia deixar de ser notado, ao trazer uma razão de aspecto preto e branco reduzidíssima (1.19:1) o resultado acaba naturalmente aumentando ainda mais a sensação claustrofóbica do casebre onde acontece a maior parte da ação do longa; assim, é louvável também toda a construção narrativa de Eggers, desde a inquietante atmosfera até a lógica da movimentação de câmera dentro de um enquadramento reduzido, trazendo a natureza daqueles personagens e suas representações, como por exemplo, quando a câmera se move de baixo (Thomas, como a representatividade de um inferno) sendo levado para a topo do farol (Wake, representado com uma entidade diante daquele elemento). Apresentando um design de som exemplar, a edição transforma os sons diegéticos (aqueles que fazem parte daquele universo), como o navio e correntes em sincronia com o mar, sendo rapidamente se transformando em sons não diegéticos (não fazem parte daquele universo) que acabam de maneira eficiente engradecendo aquela atmosfera, como a buzina de uma navio que pontua praticamente todo o longa de maneira perturbadora!

Seria muito simples – e não é – que o relacionamento de Thomas e Wake seja visto somente a partir deste prisma lúdico entre luz e trevas, uma vez que a dubiedade os transforma em vítimas e algozes através de uma saúde mental completamente destruída com o tempo devido também ao isolamento cada vez maior ocasionado por uma tempestade que assola o local durante parte do filme. Criando uma elogiável dinâmica doentia, cruel e com poucos momentos de alívio na alma daqueles dois homens, tanto Robert Pattinson quanto Willem Dafoe transformam constantemente seus diálogos em embates de almas perdidas, correndo de um passado de morte sempre em seus encalços, permeados de diálogos como uma mistura de literatura antiga, mágica, aterrorizante… quase teatral. Assim, a direção e os dois atores jamais permite que sintamos que há realmente somente dois atores em cena por aproveitar todos os elementos visuais, interação e elementos em cena através de uma direção de artes detalhada.

Elogiável, portanto, a presença principalmente Robert Pattinson que jamais se deixa aparentar ser subjugado por DaFoe e sua força pelo seu domínio de cada cena em que aproveita cada segundo, como podemos comprovar em um monólogo do experiente ator sobre o passado de seu velho personagem. Tanto Wake quanto Thomas são complementos de mentes que se alternam em domínio diante da outra psique em uma busca de um alívio sobrenatural ou mítico contido naqueles espelhos que refletem a luz para os marinheiros desavisados; mas ainda assim somos levados a crer que o personagem de DaFoe apresenta um estado que esteja habituado a aquela situação e mantém um mistério a partir do ponto de vista de Thomas. Thomas, que por sua vez, se vê sempre relegado a trabalhos pesados e tendo que suportar o jeito do superior, de modo que o relacionamento transita entre o instinto psicótico, doentio, violento e paterno; e sendo verdade que possa haver realmente um elemento fantástico ou não, somos suficientemente capazes de entender que a atmosfera de tédio transforma homens em vilões.

Faça com que nosso pai, o rei do mar, suba das profundezas em sua fúria! Ondas negras cheias de espuma de sal para sufocar esta boca jovem com lodo pungente, para sufocá-lo, absorvendo seus órgãos até que você fique azul e inchado com porão e salmoura e não possa mais gritar”.

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FB_IMG_1634308426192-120x120 Crítica: O Farol (The Lighthouse)

Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

14 thoughts on “Crítica: O Farol (The Lighthouse)

  1. Viagem completa mas um otimo filme que foge do convencional e nos apresenta dois personagens absurdamente interessantes!!!

  2. muito boa critica gostei do critico bastante entendido no assunto voltarei pra ver outras criticas desse site ganhou um like

  3. assisti hoje… otimo exercicio de estilo, alias estiloso é a palavra pra definir o filme ne… muito fo da no visual, figurinos, dialogos… vai vir oscar por ai… o produto final no entanto so deve agradar em cheio cinefilo e critico de cinema letrado, pq de resto, o filme pouco entrega de entretenimento de fato, e isso considerando mesmo o cinema cult… parece mais aquelas obras que so sao admiradas por quem conhece cinema nos minimos detalhes (olha so o diretor usou o enquadramento numero 560 definido pelo Manual de Cinema da Eslovenia em 2003 e ainda por cima fez um travelling bunuelense no melhor estilo de Bergman no curta metragem de 1968 filmado em Paris)… enquanto A Bruxa tinha tb esse estilo todo, mas uma historia acompanhavel, esse filme na verdade ficou ininteligivel, pega a critica do Pablo Vilaça que vcs tanto amam e so tem elogios a essas tecnicas todas, mas zero linhas sobre a historia – ate pq historia nao tem de fato – e historia é o cerne de um filme, que nada mais é que uma historia em movimento… um filme é alguem contando uma historia, fico imaginando qd alguem faz um filme assim o cara pensando “nossa vou usar a tecnica de fulano que vi naquele livro da biblioteca de cinema que estudei nos anos 80, ninguem vai entender po rra nenhuma mas vai ficar fodastico, vao me elogiar pacas, vao dizer que nao ter entendido meu filme é sinal que ele é muito inteligente eu sou fo da mesmo uau” sinceramente, entre um filme descartavel de massa sem valor de estilo como Vingadores Ultimato ou O Farol, ineligentissimo (sei…), prefiro um Ultimato. E entre um Ultimato e um O Irlandes, sou mil vezes o Irlandes. E entre Irlandes e O Farol k k k mil vezes Irlandes.

    1. Muito obrigado. Enfim, uma opinião sensata sobre esse filme. Tem crítico que enaltece certos filmes apenas para parecer inteligente aos outros críticos, sendo que nem eles entenderam o filme de fato. Na verdade, O Farol me parece mais uma trolagem do diretor para esses críticos do que qualquer outra coisa. Talvez daqui a uns meses ele revele que ele fez o filme totalmente confuso de propósito, sugerindo sentidos que, de fato, não existem.

    2. toda arte pode produzir obras populares e outras mais refinadas, e uma nao anula a outra… vcs podem curtir as mais populares e nao precisam desmerecer as mais avançadas, assim como quem gosta de um filme mais inteligente e diferente como esse nao deve desmerecer quem prefere as obras mais superficiais, nenhum dos dois é “melhor”, sao espectros diferentes da cinematografia e podem ser aproveitadas sem problemas… de fato nesse O Farol algumas coisas dao a entender como exagero, mas no geral a obra foi bem construida e esta bastante coesa, seja fotografia, edicao, interpretação e ate o mal falado roteiro, pois a historia tb nao é nenhuma coisa de outro mundo, so nao é o costumeiro… eu gostei, mas nao achei nada de espetacular, alias, nada nem mesmo de excelente, so achei… um filme legal de assistir

  4. bom filme na linha “isolado” as vezes cruza a linha do excesso e tem umas falas que parece monologo e fica um pouco artificial mas a atuacao dos autores compensa o filme é estilo viajadao mas da pra compreender so que como quase todo filme assim o roteiro da uma tapeada na gente como na cena em que o mais novo ve uma gosma caindo da grade do topo do farol na primeira vez e ve um tentaculo ali ainda nao havia nenhum sinal de loucura nele logo a gente é tapeado e induzido a achar que tem um monstro mesmo ali mas blz ne se o roteirista fosse 100% perfeito nao era humano tb kkk

    1. Luisa
      Bem vinda
      Você foi bem observadora. Realmente é muito bom quando um roteiro não cede ao obvio e questiona todo o tempo o que o espectador esta assistindo! O seu exemplo de não sabermos se era um alucinação ou não é perfeito!
      Abraço

  5. permita-me discordar de alguns pontos, Rodrigo, o filme puxa referencias pagãs e não cristãs, além de outras mitologias, como a grega, de modo que nao vi nada relativo a “inferno” nos planos e angulos de camera utilizados, me pareceu mais apenas a tecnica de fazer alguem parecer maior e mais ameaçador naquele momento, ja a tecnica de mostrar os ambientes maiores por fora que por dentro foi boa, mas passou um pouco do ponto, pq os interiores nos parecem pequenos DEMAIS em relacao ao exterior, ai perde força pq nos tira do filme em determinados momentos, tb queria citar o tempo de escala irregular, em que um dia parece muito e semanas parecem nada, a busca quase fanatica de Wislom pela “luz” (quer subir, se conhecer mais, se iluminar e se livrar das trevas do passado, etc) e até a possibilidade dos dois serem a mesma pessoa?

    1. inclusive qd um dos personagens se refere à “baixo” ou às “profundezas” a referência é sempre em relação ao mar (elemento primordial do filme, inclusive), nao inferno, com alusões até a Netuno, tritões, etc

    2. Parkin Peit
      Bem vindo.

      Antes de tudo , agradeço imensamente pela sua opinião e nem precisa permissão rs. Fico extremamente feliz que meu texto tenha motivado uma opinião tão bem feita e embasada como a sua. Parabéns mesmo!
      Bem, o filme abre margens para diversas interpretações e sua versão sobre o conceito de inferno se algo mais ligado ao conceito não cristão é condizente também ao contexto do filme. Talvez até mais que a própria questão cristã!
      Mas sempre que tem algo “dividido” em um conceito “acima” e “abaixo” sempre levo para esta lado cristão, até porque como tem a questão metafórica do Inferno de Dante (“O Inferno sempre são os Outros”) acabei levando para este lado.

      Quantos aos ângulos, não usaria o termo “apenas”, até porque como uma técnica para aparentar alguém maior e ameaçador é um recurso sempre válido! Ademais, o fato do ambiente interno serem pequenos , é justamente para isso: causar um clima de claustrofobia e sufocante (inclusive , tem um filme chamado “O filho de Saul” que usa tela reduzida de maneira ainda mais sufocante). Quanto a percepção do tempo, eu sinceramente não senti em nenhuma momento, até porque o tempo fílmico deve ser considerado, mas se achou , não tem problema. É uma observação que demonstra sua atenção ao ver um filme. Isso é sempre bem vindo! E para finalizar , por algum momento eu também achei que pudessem ser a mesma pessoa. E não descarto isso ainda ! rs

      Obrigado por ler o texto e ceder seu um pouco do seu tempo para participar da discussão!
      Abraço

    1. Cam Illa
      Bem vinda
      Sim, começou muito bem! Depois de 2019 terminar com Ascensão Skywalker era preciso começar assim.
      abraço

    2. Pattinson, Physique du role. Muito apropriado para o papel. Vi o filme mais de duas vezes para tentar entender, e pouco entendi. Mas, acredito que thomas é uma espécie de Jack Torrance vivendo uma síndrome do isolamento. Isso tornaria um filme de terror falso e evidenciaria a inquietude de Winslow com relação a luz; mariposa apaixonada. Um atormentado encena a Curiosidade que mata! A Luz é minha!!!

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