Crítica: Ponto Cego (Blindspotting)

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Direção: Carlos Estrada Lopez

ElencoDaveed Diggs, Rafael Casal, Janina Gavankar, Jasmine Jones, Wayne Knight,Kevin Caroll e Tina Campbell Marshal

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Nota 5/5

Faltando poucos dias para o fim de sua condicional, Collins (Diggs) trabalha em uma empresa de mudança durante o dia. Mas, ao voltar para casa, ele testemunha um crime contra um homem negro que o faz repensar sobre se deve denunciar (ou não) o crime (o que seria algo em vão por todo o contexto), ao mesmo tempo em que precisa lidar com assuntos corriqueiros do dia a dia . Obviamente rotinas permeadas de preconceito, indiferença e injustiças que fazem Collins um homem com semblante tranquilo, mas ciente que mais cedo ou mais tarde deverá enfrentar seus medos e uma sociedade racista.

Se há alguma justiça a ser feita dentro do cinema para as premiações em 2018/2019, Ponto Cego do diretor estreante Carlos Lopez Estrada, deverá repetir, no mínimo, o caminho trilhado por Corra! ano passado. E se o filme do diretor Jordan Peele usou o terror como metáfora e pano de fundo para escancarar o preconceito da sociedade escravocrata, Lopez Estrada aposta em parte no humor e criatividade como base para reabrir a ferida que nunca cessa da violência e injustiça contra a comunidade negra. Mostrando total controle narrativo de sua obra, o diretor transita de maneira extremamente orgânica entre situações onde o humor ácido flui de maneira funcional com outros de maior tensão e de extrema violência  . Reparem por exemplo em toda construção da sequência em que Collin se envolve em um briga; onde o diretor começa criando uma rima devido ao uso da trilha sonora que iniciou o longa com o protagonista na prisão (no caso a ópera de Verdi), aqui  esta  mesma trilha é repetida para depois quase em passe de mágica estarmos envolvidos naquela discussão permeada de violência (para no final retornarmos ao humor, por assim dizer, devido a uma simples bebida que iniciou a toda a discussão).

Assim, é bem vindo que por várias vezes, o recurso da tela dividida sempre para apresentar os contrastes, tanto pessoal quanto social, como em um determinado momento que vemos de uma lado casas luxuosas e de outro a pobreza de um bairro de Oakland, abrindo espaço espaço para outras das discussões que a obra aborda como a apropriação imobiliária. Tal elemento é também alvo de críticas do diretor de maneira tocante, uma vez que normalmente as antigas residências destruídas e que darão lugar a novos moradores, são permeadas de lembranças dos antigos moradores da comunidade negra que ficarão apenas registradas em álbum de fotografias jogado entre escombros. Pessoas nunca ouvidas, nunca vistas e sempre tidas como inferiores e invisíveis, não sendo coincidência que, ao se preparar para mais um destas mudanças, a nova proprietária é vista de um ângulo superior em contraste a posição de Collins. E mesmo sempre invocando o humor e o colorido, é interessante que situações sejam feitas de maneira sutil, como o fato de que estas mesmas pessoas (brancas), por exemplo, tentam demonstrar algum tipo de senso de justiça social dando ”festas mistas” com três negros!

Trazendo sequências cheias de simbolismos que não somente apontam o preconceito na cara do espectador, mas servindo também como um tapa, Ponto Cego apresenta também umas das mais emblemáticas e fortes cenas dentro do cinema do ano. É exemplar, como todo o longa, que a obra nos traga  durante um pesadelo que faz parte da realidade diária de toda comunidade negra, onde a autoridade (inicialmente sem rosto e localizado sempre nas sombras) assuma o papel de policial, juiz e executor (brilhantemente engrandecido pelo fato da trilha criar a rima da batida do martelo se confundido com tiros , ao mesmo tempo trazendo em cena um júri acorrentado diante da “lei”). E Falando rapidamente sobre a fotografia, durante as primeira cenas, há uma predominância de uma luz azulada que me remeteu quase como uma pequena referência a Moonlight. Contudo, não é errado dizer que o diretor Carlos Lopez Estrada tem seus momentos de inspiração em Scorsese/Tarantino quando usa o vermelho projetado sobre a face de Collins indicando uma violência acontecendo – seja ela um crime em si ou o próprio simbolismo que o sinal fechado traz para ele e todas a pessoa daquele local .  

E se ja não fosse suficiente toda sequencia passada , o diretor ainda nos traz planos que se torna um dos mais emblemáticos do filme; não somente pelo impacto causado, mas pela representatividade e denúncia contida nela e servindo perfeitamente como ecos que ressoam na mente do espectador. Como no momento em que o protagonista se vê diante de um mural com fotos e velas acesas para vítima do crime que presenciou, cujo os poucos transeuntes ignorando a dor de parentes e amigos como se fosse algo corriqueiro (o que de certa maneira infelizmente é). Ou no momento que Collins, durante uma corrida matinal, tem um visão de todos aquela pessoas vitimadas que sem dúvida alguma é uma das mais forte cenas do ano.

Ademais, é contundente pelos detalhes que nem a mídia escapa da crítica do diretor, pois é interessante reconhecermos a maneira que a imprensa trata os suspeitos ao mostrar um policial envolvido sempre de uniforme (e o respeito que a farda traz) em contraponto a vítima com roupa de presidiário e não em roupas civis. E se a narrativa já é algo que devemos aplaudir, o roteiro de Rafael Casal e Daveed Diggs constrói um belo panorama para personagens dentro de um cenário social complexo e obviamente crítico sobre a questão racial. Não sendo por acaso, que o próprio Rafael Casal atue no longa como o âncora (não necessariamente moral) do protagonista, onde seu personagem Miles (será inspirado em 8 Miles de Eminem?) traz uma complexidade que casa perfeitamente com o filme e sua temática. Sempre imprevisível e amigável, Miles é a uma espécie de discussão em pessoa. Casado com uma mulher negra, vivendo em bairro negro e inserido em toda aquela cultura, ele se torna um elemento de apoio e destruição para Collins por, mesmo que ele nunca tenha consciência disso, jamais ser visto como um pelas autoridades (ou seja, por mais que tente, a culpa sempre caíra sobre o amigo). E se neste panorama cultural – é importante frisar – cada frase dos diálogos emana a força necessária e a acidez mencionada anteriormente; pois ao ouvirmos “Ninguém te interpreta mal” sabemos que o tratamento dado a Collins sempre será baseado na suspeita (aliás, se torna genial que em alguns momentos estes mesmo diálogos sejam declamados quase com um rap, engrandecendo aquela atmosfera).

E se até quase seu final, Ponto Cego já se tornou representativo, a direção nos entrega um clímax brilhantemente intenso pela sua importância e condução servindo como um alento contra aquilo que todos aqueles conflitos representam. Assim, a tensão que se mantém durante todo o momento, acaba servindo como metáfora para o medo que estas pessoas sentem; e não podemos nos cegar para estes mesmos dramas na sociedade em que crianças se habituam à violência policial… e que estamos condicionados a ver como “pontos cegos”.

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

4 thoughts on “Crítica: Ponto Cego (Blindspotting)

  1. tecnicamente defendo o filme, muito bom, so achei que ele pesa a mao um pouco em alguns momentos, e como o clima geral do filme nao eh pra tanto, acaba parecendo um melodrama em alguns momentos em que devia ser apenas triste ou dramático, uma pena

    1. Bellator
      Bem vinda
      Não problema em gostar de m filme tecnicamente e recrimina-lo moralmente. E acho que a grande qualidade do filme e poder juntar os gêneros de maneira coesa.
      Mas sua opinião é válida sim
      Abraço e sem possível curta nossa página

  2. bom filme, bem tocante inclusive, mesmo eu sendo branco consegui sentir o que passa um negro, como o mundo é injusto… e pra muita gente é “mimimi” isso

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