Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Elenco: Sônia Braga, Thomas Aquino Bárbara Colen, Udo Kier, Silvero Pereira, Wilson Rabelo, Carlos Francisco, Antônio Saboia,  Brian Townes, Jonny Mars, Chris Doubek, Lia de Itamaracá, Alli Willow e Karine Teles 

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Nota: 5/5

Abrindo o longa com um tom de ficção-científica ao som de “Não Identificado” na voz de Gal Costa, com os versos “Eu vou fazer uma canção pra ela, uma canção singela, brasileira, para lançar depois do carnaval..” , Bacurau já expõe suas entranhas antagônicas de gêneros da nova obra de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (sobre o que escreverei mais adiante). Mas isso é somente a ponta do iceberg da forte alegoria social e política sobre nosso país, seja através uma pequena cidade do interior nordestino ou uma grande capital.

Antes de tudo, me permito copiar aqui o trecho que escrevi sobre Aquarius e que confirma mais um grito de Kleber Mendonça através da arte: “Assim como em O Som ao Redor, o diretor não deixa jamais de inserir um sentido de denúncia e urgência social brasileira. Características que somente não fazem sentido nas cabeças retrógradas que tentaram boicotar o filme…”. Ou seja, usando diversas representações, os diretores não somente denunciam, mas mantém suas críticas sobre um país cada vez mais retornando à sua “tradicional” desigualdade. O que traz ainda maior tristeza é que a situação geopolítica nacional – que já era desanimadora -, onde o próprio Aquarius foi sabotado pela Ancine, (recém tomada por aqueles que veem a arte como ideologia e ameaça), é constatar que vários de nossos pesadelos se tornaram realidade depois das eleições; onde o país afundou ainda mais no obscurantismo de tempos ainda mais sombrios, cuja resistência é fundamental para nossa sobrevivência.

Ambientada em um futuro próximo, a cidade de Bacurau encontra-se literalmente fora do mapa, esquecida e sofrendo a escassez de água que não é resolvida pelo prefeito Tony (Thardelly Lima, caracterizado como o típico político de direita comum nascido em berço de ouro) , vê seus moradores vivendo suas rotinas de dificuldade de uma cidade típica do sertão nordestino. Contudo, o primeiro ato foca mais nas consequências do falecimento de uma antiga moradora e no dia a dia de pessoas com rostos comuns e sagacidade o interior, pessoas que ser orgulham de um filho “dotô” e que tratam uma assistência médica como uma imagem sacra sendo carregada de mão em mão como se fosse uma salvação divina. Um povo “não cansado, mas como fome” como tão bem diz um dos personagens – elogiável, portanto, pelo uso de atores não profissionais em sua maioria, trazendo uma legalidade para crenças de todo um povo. Assim, Bacurau é uma espécie de vingança do cangaço de um Brasil cada vez mais desassistido que decide se rebelar contra um entreguismo e as pessoas que as julgam apenas como peça de um tabuleiro descartável de um jogo muito mais complexo.

Uma obra permeada de camadas com uma incrível capacidade de se apresentar com um western (seja algum do Clint Eastwood ou até mesmo Sete Homens e um Destino) do sertão com elementos fantásticos, suspense, humor acima da média com relação a visto nos filmes anteriores de Kleber Mendonça e até mesmo uma pitada a la Tarantino! Tudo isso causa uma estranheza que, ao brincar com estas convenções, deixa o espectador sem realmente saber o que pode estar acontecendo ou o que irá acontecer depois do seu primeiro ato.

Apesar da falta de estrutura da cidade, é nobre constatar que a educação é vista como fundamental, onde o ensino é feito com ajuda de um tablet através da figura de Plínio (Rabelo); até porque a tecnologia é vista como uma ferramenta poderosa para união daquelas pessoas, visto que seus celulares estão sempre a postos para se comunicarem como uma rede de informação. Inclusive, é interessante que seja inserido um elemento símbolo do sci-fi, mas que em vez causar espanto, por acharmos que por ser do interior, as pessoas achariam que realmente se trata de algo não mundano, rapidamente eles reconhecem a intenção de tal objeto.

Méritos também para a montagem fluida de Eduardo Serrano ao imprimir um ritmo sólido ao longa, tendo vários temas jogados na tela; fora que ao não ter um protagonista claro, Bacurau (a cidade) acaba que toma para si as atenções como um refúgio (ratificando a eficiente rede de comunicação entre os moradores), e realmente é impressionante como o filme vai de um gênero a outro sem sentirmos uma quebra narrativa. Mas vale destacar que mesmo com essa falta de protagonismo temos que mencionar obviamente a presença de Sonia Braga, que surge inicialmente com certa dose de fundamentalismo, mas que aos poucos vai se tornando uma importante aliada da cidade ao confrontar novamente o status quo, como feito em Aquarius, pois vemos que se trata de alguém que tem ciência de sua posição e importância para aquelas pessoa. Elogios também aos atores com certa experiência ou iniciantes como Barbara Cole, Thomas Aquino e principalmente Silvero Pereira (uma atuação cheia de força e um olhar assustador como se fosse uma espécie de Lampião futurista).

Usando elementos simples entre as transições das cenas, como cortinas (algo que sempre traz uma ágil elegância), a câmera de Kleber transita com naturalidade e com movimentos econômicos durante todo o longa; elogiável, portanto, a fotografia de Pedro Solero que transmite de maneira eficaz o clima de acordo com o gênero que o longa aborda, como visto na tensa sequência marcante quando crianças brincam com lanternas – uma cena bem conduzida, em que a luz assume o significado de “guia” de maneira emocionalmente distinta. Assim como o design de produção que, por exemplo, dá um leve toque apocalíptico ao filme ao usar imagens de áreas abandonadas como visto no esconderijo dos guerrilheiros.

Contudo, para mim, é na presença do casal vivido por Karine Teles (em mais um papel que gera antipatia ao público como visto em “Que Horas Ela Volta?”) e Antônio Saboia, que a direção escancara de vez sua posição ao trazer os dois como representantes daquilo que de mais perigoso e denunciativo o filme abrange. Ao se comparar com os estrangeiros do longa, liderados pelo ator Udo Kier, e contando com americanos, o simples fato de acharem que, devido ao fato de serem de uma região rica (Sudeste) ou com influência Europeia (Sul) são melhores que os demais. Assim, é quase um tapa na cara de realidade aos que se acham superiores a outros brasileiros por sua cor de pele, ainda mais porque para os estrangeiros de verdade, não passamos todos nós sul-americanos de pele clara de “mexicanos claros”, onde os “traços denunciam de longe” nossas origens latinas. Personagens estes que representam uma subordinação covarde e cretina de uma elite entreguista com complexo de vira-lata; não sendo a toa que um deles trabalha para o judiciário!

Tal contexto nos leva a outro ponto importante: como não sabemos exatamente a situação do Brasil em si neste futuro, é através de um detalhe que vislumbramos a gravidade da situação social em que o mesmo se encontra, pois ao mostrar através da TV que estão acontecendo execuções em praça pública, autorizadas pela justiça, deduzimos o quão grave chegamos ou em qual nível de sujeição estamos. Me atrevo até a dizer que as poucas instituições que ainda possam existir naquele futuro já foram tomadas após a queda do estado laico, uma vez que a própria igreja de Bacurau virou um depósito, denunciando sua inutilidade para a sociedade, e com apoio das autoridades locais. Não sendo por acaso que o pequeno museu da cidade é um dos focos de resistência por tratar a memoria da cidade como refúgio da história que não se deve deixar morrer (história que é uma das primeiras vítimas dos regimes autoritários).

Se normalmente em filmes estrangeiros, por mais questionável que seja, torcemos contra os “índios”, “nativos” ou qualquer povo que ouse enfrentar o poderio das grandes potências/heróis fabricados pela mídia para defender seus interesses políticos, em Bacurau é bem-vindo que, ao nos darmos conta, a resistência aos “povos civilizados” é algo vital para a nossa existência!

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Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a historia ou acharem que cinema começou nos anos 2000. De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

5 thoughts on “Crítica: Bacurau

  1. a política não é preto/branco, tem vários espectros… achar que só um lado é 100% certo e outro é 100% errado é tão errado qt achar que todo mundo está errado ou todo mundo está certo… cada governo teve erros e acertos

    1. Amanda
      Bem vinda
      Concordo com você totalmente. Apesar que chegamos em uma situação além de certo e errado; e sim um estado de gravidade extrema ao país.

      Contudo, voltando a obra em si, você assistiu o filme? Caso sim, esteja a vontade para correlacionar sua afirmação com o que foi apresentado no filme.

      Abraço

  2. parece bom o filme… pena que a critica politica fica so de um lado, do outro pelo jeito acha que foi tudo às mil maravilhas…

    1. Yasmin,
      Bem vinda
      Na maioria dos casos toda crítica é política, pois Cinema nunca é apolítico! Principalmente em um filme como Bacurau. De qualquer maneira aconselho sempre , por mais óbvio que seja, emitir uma opinião de um filme somente após assisti-lo.

      Abraço

  3. filme politizado gera critica politizada… viviamos uma distopia politica e corrupta com o PT, agora vivemos uma distopia politica e autoritaria com o Bolso… antes disso teve a era FMI/PSDB recessiva (se bem que pelo menos estabilizou a economia)… o mar de lama petista teve de lado bom uma melhor distribuição de renda, principalmente entre os menos favorecidos (ainda que com assistencialismo e uma economia mantida aquecida de forma artificial, uma bolha que estourou no fim do mandato da Dilma)… a atual era obscura dos radicais direitistas pode entregar de bom um enxugamento da maquina publica e uma maior liberdade economica ao país, porém está claro que passaremos por uma perda de direitos (trabalhistas, civis, sexuais, etc) tudo para talvez, talvez, termos penas mais duras a bandidos… fora o emburrecimento de uma sociedade que passa a duvidar da historia e a reclassificar conceitos como nazismo, ku klux klan, aquecimento global, sexualidade, etc em nome de política, ah e não me esqueço de terraplanismo e horóscopos olavistas… como o povo brasileiro sofre! Depois de generais que nos prendiam, torturavam e matavam sem julgamento, vem um sociologo, so que o sociologo chama aposentados de vagabundos e cumpre cartilha do FMI. Depois vem um trabalhador metalúrgico que nao rompe com os bancos e so maqueia uma politica social mais ampla, aumentando a divida interna e viabilizando um propinoduto histórico. Depois vem aquela que mal conseguia se expressar, nao fazia nada e so viu o circo ruir. Caiu legalmente, alegando golpe. Agora veio aquele que tb mal sabe se expressar mas qd consegue dá mais vergonha que a anterior. So fala groselha, so faz groselha. Se cada povo tem o governante que merece, somos o pior povo do mundo.

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