Na Mesa: bloqueios criativos voluntários devidos ao sucesso nos BGs

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Imagem Ludopedia: Catan Soccer Fever Scenario

 

Bloqueios criativos são um verdadeiro “bicho-papão”, para escritores, músicos, pintores, cineastas, artistas em geral ou qualquer pessoa que trabalhe com criação. Isso inclui os designers de board games. Ele acontece quando a pessoa simplesmente não consegue criar algo novo, nem que seja para finalizar uma obra inacabada. Alguns fãs, ou ex-fãs, defendem que foi isso o que aconteceu com George R. R. Martin e Patrick Rothfuss, por conta da interminável demora na finalização das séries de livros “Crônicas de Gelo e Fogo” e “Crônicas do Matador do Rei”, respectivamente. Esse atraso já chega a incríveis 12 anos, em ambos os casos (os últimos lançamentos de ambas as séries foi de 2011 nos EUA). Isso fez com que muitas pessoas simplesmente desistissem dessas séries.

Nesse aspecto, o mercado editorial e dos board games são bem parecidos. Isso porque em ambos há uma quantidade enorme de lançamentos a cada ano. Assim sendo, se não for possível ler um livro, porque ele ainda não foi lançado, existem sempre boas opções. No caso dos fãs de livros de fantasia uma boa opção é a série dos dragões de Dragonlance de Margaret Weis e Tracy Hickman, bem como a excelente série de livros do elfo negro Drizzt Do’Urden de R. A. Salvatore. Isso para não falar no melhor de todos que é sem dúvida o Tolkien.

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Imagem Amazon: Trilogia Clássica de Margaret Weis e Tracy Hickman

O mesmo se aplica aos jogos de tabuleiro. A menos que uma pessoa seja simplesmente fanática por um determinado jogo, a ponto de não enxergar nenhum outro, não tem nenhum sentido ficar caçando um jogo esgotado no mercado de usados. Tampouco não há nenhuma necessidade de aguardar um lançamento nacional (se inglês for um problema), nem de se contentar com jogos defeituosos em alguns casos. Basta comprar outro jogo similar, em perfeitas condições, e ser feliz. Porém, é bom lembrar que essa questão (se existem board games insubstituíveis ou não) é amplamente discutível e não cabe no escopo desse texto.

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Imagem Amazon: Livros de Martin, Rothfuss e Rowling

Outro tipo de bloqueio criativo ocorre com alguns autores, que após atingirem um sucesso gigantesco com uma obra, simplesmente não conseguem criar uma nova obra original com algum sucesso pelo menos próximo. Os novos livros podem ser até bons, mas sofrem muito na comparação com o “best seller” anterior. Não é à toa que J. K. Rowling, escreveu “O Chamado do Cuco” sob o pseudônimo de Robert Galbraith. Em defesa da britânica, vale lembrar que pelo menos ela finalizou uma obra, ao contrário dos outros dois autores citados aqui. Com os board games não é diferente.

Criar um jogo de tabuleiro realmente bom, e que ao mesmo tempo faça sucesso, não é nada fácil. Qualquer um, que já tenha tentado isso, sabe a dificuldade que é. Isso porque não basta apenas criar um jogo bom equilibrado e divertido. Também é preciso conseguir vendê-lo, e vendê-lo muito bem.

Alguns designers são verdadeiros “One Hit Wonders”, termo aplicado aos artistas e bandas que lançam uma única música de muito sucesso, mas nunca mais conseguem repetir o feito. Basta lembrar de músicas como “She’s a Maniac” (Michael Sembello), “Macarena” (Los Del Rio), “Groove is in The Heart” (Dee-Lite), dentre outros. Isso também é bastante comum entre os designers de board games. Klaus-Jurgen Wrede lançou o Carcassonne e nenhum outro jogo de sucesso. O mesmo se pode dizer de Jean-Louis Rubira do Dixit, e de Dirk Henn do Alhambra. Todos os três jogos vencedores do Spiel de Jahres de 2001, 2003 e de 2010, respectivamente.

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Imagem BGG: Carcassonne, Alhambra e Dixit

Claro que esses designers lançaram outros jogos, mas nenhum que tivesse sequer uma fração considerável do mesmo sucesso de suas principais criações. Alan R. Moon por sua vez criou um dos maiores sucessos da história dos board games, que é o Ticket to Ride. Ele também criou o Elfenland, outro jogo ganhador do Spiel de Jahres. Mas esse segundo jogo, apesar do prestigiado prêmio, é praticamente um ilustre desconhecido entre os boardgamers mais novos. Fora isso, Alan R. Moon, não criou mais nenhum outro jogo de sucesso.

No outro extremo da escala estão os designers com diversos jogos de sucesso. Porém, quando se consegue essa façanha, o que é para poucos, surge um novo problema. Com o sucesso, naturalmente, aumentam cada vez mais as expectativas em cima do próximo jogo desse designer.

03-Ticket-to-Ride-300x300 Na Mesa: bloqueios criativos voluntários devidos ao sucesso nos BGs

Imagem BGG: Ticket to Ride

E aí surge o dilema, focar seus esforços criativos para ampliar o sucesso de suas obras-primas, investindo em expansões, ou criar um jogo totalmente novo?

Um exemplo disso é Vlaada Chvátil, um dos melhores designers de todos os tempos. Ele é o autor de jogos de muito prestígio como Mage Knight, Through the Ages, Space Alert, Galaxy Truker, e Codenames. Só que, depois do lançamento de Codenames em 2015, Vlaada nunca mais lançou nenhum outro jogo original de sucesso, mas apenas expansões de suas criações.

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Imagem BGG: Catan

Outro caso emblemático é Klaus Jurgen, que depois do Catan, nunca mais criou nenhum outro jogo de destaque no nível mundial. Depois do enorme sucesso que foi o Catan, Klaus Jurgen só lançou expansões e as mais variadas edições temáticas do jogo. E olhe que esse designer conquistou quatro prêmios Spiel de Jahres, o que é muita coisa.

Só para se ter um parâmetro de comparação, basta analisar o desempenho de outros designers consagrados, nas três categorias do Spiel de Jahres. Antoine Bauza (7 Wonders e Hanabi), Bruno Cathala (Kingdomino e Dragomino) e Alexander Pfister (Broom Service e Isle of Skye) têm apenas dois títulos cada um. Uwe Rosemberg (Agricola) e Matt Leacock (Pandemic Legacy Season 2) têm apenas um prêmio cada, e concedidos de forma especial. Já outros designers do naipe de Eric Lang, Stefan Feld, Vital Lacerda, Simone Luciani, Daniele Tascini, Jamey Stegmaier, Corey Konieczka e Bruno Faidutti, até já foram indicados, mas nunca ganharam o Spiel des Jahres, apesar de terem vencido outros prêmios de board games, com menor destaque.

E no caso de Klaus Teuber (1952), nem é uma questão de idade. Isso porque Wolfgang Kramer (1942) é dez anos mais velho, e Michael Kiesling (1957) apenas cinco anos mais novo. No entanto ambos ainda criam jogos de muito sucesso até hoje, e continuam figurando nas listas de top designers de todos os tempos do BGG.

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Imagem BGG: Azul (um dos BG de maior sucesso, lançado em 2017)

Evidentemente, quando um designer lança um jogo de sucesso, é natural que ele queira explorar essa fórmula vencedora à exaustão. Renner Knizia, outro grande vencedor do Spiel de Jahres e um dos “top designers” em qualquer lista, possui incontestavelmente a maior quantidade de jogos lançados. Mas quando se analisa de perto os inúmeros jogos do Mestre Knizia, fica claro que muito deles são bem parecidos. Em alguns casos, praticamente o que muda são apenas o nome e o cenário do jogo, como acontece com o Keltis e o Lost Cities.

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Imagem BGG: Keltis e Lost Cities Jogos Parecidos do Knizia

A impressão que dá é que enquanto alguns designers continuam produzindo jogos originais, mesmo depois de grandes sucessos, outros designers passam por um bloqueio criativo, intencional ou não.

Jogos como Catan, Carcassonne, Codenames e Ticket to Ride possuem uma quantidade absurda de expansões e versões temáticas. É muito compreensível que o designer e principalmente a editora de um jogo de muito sucesso queiram ganhar ainda mais dinheiro com seu jogo. Não há absolutamente nada de errado nisso, e qualquer pessoa no mesmo lugar, talvez fizesse exatamente o mesmo. Por isso é natural que após o sucesso do board game se siga a sua versão de franquias de igual sucesso (Star Wars, Marvel, Disney, Game of Thrones, Harry Potter, Star Trek, etc). Essas franquias têm uma gigantesca base de fãs, que compram qualquer produto relacionado a elas, independente de gostarem desses produtos ou não.

Todavia, apesar dessa estratégia obviamente render muito dinheiro para o designer, ela também pode acabar deixando-o preso a um único jogo, acarretando uma espécie de “bloqueio criativo lúdico”. A expansão Catan Soccer Fever Cenário é um exemplo claro disso. O Catan é um jogo que se passa originalmente em um cenário que lembra superficialmente a Europa medieval, e que por isso não tem nada a ver com futebol. É possível argumentar que o universo de Catan é fictício, e por isso, seu criador teria em tese a liberdade de incluir qualquer elemento que achasse interessante, inclusive o futebol. Mas só para manter o tema “esportes”, outra forma de encarar essa “liberdade criativa” foi o que J. K. Rowland fez ao criar o quadribol, como o principal esporte do universo Harry Potter.

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Imagem Goggle: quadribol  

No caso do quadribol, o elemento desportivo foi utilizado de forma muito mais temática e que faz todo o sentido, dentro da proposta da série de livros. A comparação entre o quadribol, no caso do Harry Potter, e o futebol, no caso do Catan, torna gritante a diferença no uso desses dois elementos, em cada um dos respectivos universos.

Isso sem falar na incompatibilidade na quantidade de jogadores. O Catan é um jogo que pode ser jogado por duas pessoas, mas é muito mais indicado para um número maior de jogadores. Já os jogos envolvendo futebol e a maioria dos outros esportes, normalmente são pensados para apenas duas pessoas. Acresce ainda, que justamente pelo fato do Catan original não ser indicado para duas pessoas que foi criado o Catan Duel, com esse fim específico.

Por fim, não dá para saber se o caso do Klaus Teuber é um bloqueio criativo genuíno, ou apenas uma questão de focar naquilo que dá mais dinheiro, e de forma garantida. Isso porque seu retrospecto, e grande sucesso, na criação de jogos demonstram que seu talento é indiscutível. Justamente por isso, não apenas Klaus Teuber, mas todos os outros designers fenomenais que conseguiram vencer nesse meio tão competitivo que são os board games, merecem todo o respeito e admiração.

Mas para qualquer boardgamer com um pouco mais de conhecimento, fica bem claro, que essa nova “expansão” juntando Catan e futebol, não passa de uma tentativa de espremer mais alguns trocados dos fãs desse famoso board game.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

7 thoughts on “Na Mesa: bloqueios criativos voluntários devidos ao sucesso nos BGs

    1. Caro Gui Primo

      Realmente, muito mais difícil do que bolar um jogo legal é fazer com que ele seja lançado. Nesse caso o mercado de jogos funciona de forma bem parecida com o mercado editorial. Por isso eu fico imaginando quantos livros muito legais nunca “vão ver a luz do dia”.

      Só a título de ilustração, todo mundo conhece o jogo Magic: The Gathering, do Richard Garfield, que se tornou um dos maiores fenômenos em termos de jogos, principalmente nos anos 90 e 2000. O que talvez nem todos saibam é que esse jogo quase não foi lançado. Quando um jovem acadêmico do campo da matemática chamado Richard Garfield bateu na porta da Wizards of The Coast, ainda uma editora pequena, foi para oferecer outro jogo chamado RoboRally. A editora a princípio gostou bastante da ideia, mas como era um editora pequena ela não possuía recursos para produzir o RoboRally, e por isso o jogo foi rejeitado.

      Já no final da reunião, quando o Richard Garfield já se preparava para ir embora, e mergulhar no anonimato, um dos diretores da editora fez uma pergunta que literalmente mudaria o mundo e a vida de muita gente. Ele se virou para o Richard Garfield (já se levantando) e perguntou: “Olhe eu gostei muito desse RoboRally mas infelizmente não vai rolar, porém você não teria algum outro jogo, mais simples, para nos mostrar?” O Richard Garfield então respondeu: “Olha eu dou aula de matemática, então desenvolvi uma ferramenta para ensinar análise combinatória para meus alunos, é um jogo de cartas que não tem nem nome, mas eu chamo de As Cinco Cores da Magia, vocês querem ver”. O pessoal da Wizard of TheCoast ficou encantado, pirncipalmente porque aquele jogo eles tinham condição de produzir. O jogo foi lançado na GenCon (uma das maiores convenções de jogos do mundo), virou uma verdadeira febre em pouquíssimo tempo, e o resto é história.

      Um forte abraço e boas jogatinas!

      Iuri Buscácio

    1. Cara Carol Rosa

      Muito obrigado que bom que você gostou.

      Um forte abraço e boas jogatinas!

      Iuri Buscácio

  1. isso ai nao é necessariamente bloqueio criativo… bloqueio criativo é qd o autor, escritor, etc, nao consegue nem fazer sua parte de criar ou inventar o que precisa… já isso ai que vc citou a gente nao sabe se o que ocorreu foi que os designers nao conseguiram fazer mais jogos ou se eles fizeram, mas as editoras nao quiseram comprar ou produzir… ou eles mesmos desistiram de enviar pras editoras pq nao gostaram do resultado… ou por algum outro motivo estavam envolvidos em outros trabalhos, etc… mas sao coisas diferentes de bloqueio criativo… pelo menos até onde sabemos

    1. Cara Laurinha Almoxi

      É justamente por isso que eu falei em “bloqueio criativo voluntário”, e não apenas em “bloqueio criativo”. Assim sendo, o texto trata de designers de jogos muito criativos, que por um motivo ou outro, param de criar e lançar jogos novos, porque voluntariamente ficam presos a um único jogo de sucesso, porque isso é mais rentável.

      Um forte abraço e boas jogatinas!

      Iuri Buscácio

    2. por isso que nao é bloqueio criativo rs é opção do designer, ta muito ocupado, nao quer mais fazer isso, pegou outro projeto, etc… bloqueio criativo é querer fazer e nao conseguir pq nao sai nada, nao produz nada

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