Na Mesa: Fla x Flus Lúdicos, Julinho da Adelaide e Preconceito de Peso

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Imagem: Ludopedia – Zombicide – Amados por uns, por outros nem tanto

 

Os board games representam um  hobby bastante eclético. O Chico gosta de jogos assim e o Francisco gosta de jogos assados. O bom é que existem os mais diversos board games capazes de agradar aos mais diferentes tipos de freguês, que, como diz o ditado, tem sempre razão.

 

Tem gente que prefere euros, tem gente que prefere dungeon crawlers. Tem quem gosta de jogos 18xx super complexos, de fundir a cuca e tem quem gosta de jogos mais leves, para deixar a rotina do escritório, no escritório.

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Além disso, alguns boardgamers são verdadeiros fanáticos pelo seu “jogo do coração”, também conhecido como Top 1. Eles defendem os seus “preciosos” com unhas e dentes, nas discussões dos fóruns de jogos, em verdadeiros “Fla x Flus” lúdicos. Alguns dos principais são:

 

Agricola x Cavernahttps://ludopedia.com.br/topico/1390/agricola-ou-caverna;

Terra Mystica x Projeto Gaiahttps://ludopedia.com.br/topico/65728/analise-projeto-gaia-e-melhor-que-terra-mystica;

Twilight Imperium x Eclipsehttps://ludopedia.com.br/topico/27908/eclipse-vs-twilight-imperium-4;

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Imagem: Ludopedia – Terra Mystica x Projeto Gaia

 

Assim sendo, o caminho natural, para quase  todo mundo que inicia nos board games modernos, é começar com jogos mais simples e depois passar para jogos mais complexos. É isso que acontece com quase tudo aquilo que se aprende, ou seja, primeiro se começa com o fácil, para só depois de algum tempo, passar para o mais difícil.

 

Só que no universo dos board games, isso acaba gerando uma distorção, que não faz o menor sentido. Isso porque muitos boardgamers, geralmente veteranos (e até quem nem é tão veterano assim, mas vai na onda) acaba achando que o valor do jogo decorre diretamente do seu peso. Só para esclarecer o peso de um jogo, em termos gerais, é uma medida do seu grau de complexidade, e do tamanho da sua curva de aprendizado. Em outras palavras, nesse raciocínio equivocado, se o jogo é pesado, difícil e complexo, ele é necessariamente bom. Consequentemente, se o jogo é leve, descontraído e simples, ele é necessariamente ruim. Em alguns casos mais extremos, é possível encontrar até quem ache que o gosto por board games pesados é um indício incontestável de uma inteligência superior.

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Imagem: BGG – Agricola x Caverna

 

Isso, obviamente não tem a menor razão de ser, e nem nenhuma justificativa ou argumento defensável. Simplicidade não é necessariamente ruindade, nem complexidade é necessariamente qualidade, e vice-versa. Além disso, simplicidade não é sinônimo de facilidade. Como dizia Erasmo Carlos: “se o simples fosse fácil, já teriam feito outro Parabéns para Você”.

 

Basta pensar, por exemplo, nos jogos 18xx, que envolvem a gestão de companhias ferroviárias no século XIX. Um dos pontos fortes desse tipo de jogo é justamente aquilo que afasta muita gente. Nós jogos 18xx, normalmente, há uma preocupação tão grande de aproximar a experiência lúdica da experiência administrativa real, que é muito comum que as pessoas sintam que estão trabalhando ao invés de se divertindo. E absolutamente ninguém quer se sentir trabalhando profissionalmente nos seus momentos de lazer. Mas não é porque uma pessoa não gosta de jogos 18xx (jogos reconhecidamente pesados), que elas são obrigatoriamente menos inteligentes do que quem gosta.

 

Existe ainda outro fator que demonstra claramente que peso não é necessariamente uma prova de que o jogo é bom. Só para ficar em um exemplo mais emblemático, basta pensar no War da Grow. Apesar da sua imensa popularidade, devida a alguns fatores que não tem a ver com a sua qualidade, a impressão que se tem desse jogo, dentro do hobby é normalmente ruim. O jogo é mecanicamente muito atrasado, as partidas são longas demais, em cada turno se faz basicamente a mesma coisa por horas e horas, o fator sorte é muito mais preponderante do que deveria, e há eliminação de Jogadores, o que é um desastre em jogos longos, entre outros pecados.

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Imagem: BGG – 18xx – 1830: Railways & Robber Barons

 

Segundo o BBG, o maior site de board games do mundo, o peso do WAR é 2.55 (esse número varia diariamente). Aplicando esse entendimento equivocado de que jogo mais pesado é necessariamente melhor, a conclusão a que se chega não tem o menor cabimento. Como o War é mais pesado, isso significaria que ele seria um jogo melhor que verdadeiras obras primas dos board games, tais como:

 

– Wingspan (Peso 2.45 – Ranking Geral BGG 26ª – Ludopedia 18ª);

Cascadia (Peso 1.83 – Ranking Geral BGG 50ª – Ludopedia 106ª);

– Azul (Peso 1.76 – Ranking Geral BGG 69ª – Ludopedia 34ª);

– 7 Wonders (Peso 2.32 – Ranking Geral BGG 84ª – Ludopedia 67ª);

Lords of Waterdeep (Peso 2.45 – Ranking Geral BGG 83ª – Ludopedia 59ª);

Invasores do Mar do Norte (2.54 – Ranking Geral BGG 96ª – Ludopedia 108ª);

– Dominion (Peso 2.35 – Ranking Geral BGG 113ª – Ludopedia 175ª);

Codenames (Peso 1.27 – Ranking Geral BGG 116ª – Ludopedia 171ª);

Pandemic (Peso 2.40 – Ranking Geral BGG 125ª – Ludopedia 100ª);

– Stone Age (Peso 2.47 – Ranking Geral BGG 140ª – Ludopedia 63ª);

– Ticket to Ride: Europe (Peso Peso 1.92 – Ranking Geral BGG 143ª – Ludopedia 46ª);

– Memoir 44’ (Peso 2.27 – Ranking Geral BGG 166ª – Ludopedia 180ª);

– Sagrada (Peso 1.92 – Ranking Geral BGG 173ª – Ludopedia 148ª);

– Splendor (Peso 1.79 – Ranking Geral BGG 195ª – Ludopedia 130ª);

– Carcassonne (Peso 1.80 – Ranking Geral BGG 200ª – Ludopedia 150ª).

 

Alguns desses jogos foram finalistas e outros ganhadores do Spiel de Jahres, e estão no top 200 do BBG, há anos. Alguns foram feitos pelos melhores designers de jogos de todos os tempos, e todos são jogos consagrados, de sucesso de público e crítica. Dizer que o War seria melhor que jogos desse quilate, só porque é mais pesado, demonstra incontestavelmente, o quanto esse raciocínio está equivocado.

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Imagem: Ludopedia – Azul – um jogo muito leve, mas ainda assim um dos melhores e mais elegantes BG de todos os tempos.

 

Isso ainda é reforçado pela posição no ranking geral, tanto do BGG, quanto do Ludopedia. No ranking geral do BGG, dentre os board games citados anteriormente, aquele com a posição mais baixa é o Carcassonne (200ª posição). Por outro lado, o War ocupa a 23.036ª posição. No ranking Ludopedia a distância é consideravelmente menor, mas mesmo assim, ainda é imensa. A posição mais baixa entre os board games modernos no ranking Ludopedia é do Dominion (175ª posição), enquanto que a do War é a 2.493ª posição.

 

Nessa análise de rankings, é preciso considerar que, no BGG, o fato do War ser um jogo brasileiro prejudica muito a sua posição. Isso porque a imensa maioria dos votantes do BGG simplesmente não conhece o War. Mas isso não se aplica no caso do ranking do Ludopedia, porque, como o site é brasileiro, todos conhecem o War. Seria possível argumentar que a base de fãs brasileiros do War é provavelmente muitíssimo maior que a base de fãs brasileiros de todos os outros board games citados reunidos.

 

Nesse caso, se todas essas pessoas votassem no ranking do Ludopedia, a princípio, o War ganharia de todos os outros board games com ampla margem. Mas a situação não é bem essa, porque a comparação deve ser feita entre pessoas que conhecem não apenas o War, mas também que conheçam os demais board games. Dificilmente alguém que conhece os board games modernos, continua achando o War um excelente jogo.

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Imagem: BGG – WAR

 

Não é que o War seja ruim, ele é apenas um jogo ultrapassado, que provavelmente nenhuma editora lançaria hoje em dia. Um jogo em que é praticamente impossível para a última pessoa a jogar no turno ganhar a partida, ou com eliminação de jogadores na primeira hora da jogatina, que teriam de esperar mais quatro ou cinco horas para voltar a jogar, não teria a menor chance contra os board games de hoje em dia, que não possuem problemas tão sérios. Isso sem considerar que essa enorme popularidade do War entre os jogadores brasileiros decorre, não das qualidades do jogo, mas do fato dele ter sido lançado no nosso país 50 anos atrás, e em uma época em que havia menos de meia dúzia de jogos de tabuleiro como opção.

 

Esse exemplo demonstra que dizer que um jogo é melhor ou pior que outro baseado exclusivamente no seu peso, é tão errado quanto dizer que uma pessoa é melhor (ou pior) que outra, baseada unicamente na cor da pele. As duas posturas são fruto do preconceito, e, por isso, totalmente erradas. Claro que, por razões óbvias, a gravidade, o repúdio social e as consequências desses dois tipos de preconceitos não são as mesmas. Porém, preconceito é preconceito onde quer que esteja, e estará errado sempre.

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Imagem: Ludopedia – Carcassonne – um jogo muito leve, mas ainda assim fenomenal, mesmo com mais de vinte anos de lançamento.

 

É preciso considerar também, que esse tipo de preconceito quanto ao peso e complexidade poder ser especialmente prejudicial, principalmente para quem inicia no hobby. Basta pensar em um iniciante, que acabou de descobrir o universo dos board games e ainda não sabe muita coisa. Uma pessoa dessas nem teve tempo ainda de poder formar sua própria opinião e descobrir o tipo de jogo de que ela gosta. Nesse momento, ela dá de cara com o seguinte comentário: “bom mesmo é Food Chain Magnate, porque é pesado, já o Carcassone não presta porque é leve”.

Outra pérola que ela pode encontrar é algo do tipo “jogos legais são os 4x que duram 4 horas de partida, já os jogos família e party games é só para quem tem capacidade intelectual limitada”.

 

Isso pode até parecer exagero, mas existe uma razão para os jogos ameritrash (“lixo americano”) se chamarem ameritrash. O raciocínio por trás disso, apesar de muita gente tentar encontrar “razões alternativas” e menos ofensivas, é que os apreciadores de jogos euros tinham uma opinião muito ruim de jogos de exploração de labirintos, com dados, que não envolviam algum tipo de gestão de recursos, e que ainda tinham miniaturas detalhadíssimas, apenas para “disfarçar as deficiências do jogo”.

 

Claro que o Food Chain Magnate não é nem melhor, e nem pior que o Carcassone, e vice-versa. São apenas jogos diferentes, que vão agradar pessoas com perfis diferentes. E é muito boa e importante essa diversidade de jogos no hobby, justamente para contemplar uma gama maior de pessoas.

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Imagem: BGG – Food Chain Magnate – um jogo excelente, mas que não é para todos.

 

Além disso, a própria noção de “esse jogo é melhor do que esse”, no final das contas, não faz o menor sentido. Isso não existe. O que existe é “esse jogo é melhor que esse” para aquela pessoa específica. Tem gente que gosta de Zombicide, mas não gosta de Terraforming Mars. Do mesmo jeito que tem gente que gosta de Terraforming Mars, porém não gosta de Zombicide. Isso só para ficar em dois jogos muito populares. Nenhum dos dois está nem certo, e nem errado. Essa é apenas uma questão de opinião, e opinião cada um tem a sua (e ás vezes acha que é só a dos outros que não presta).

 

Por isso, é fundamental não considerar opiniões alheias como a verdade absoluta, independente de quem seja essa opinião. Definitivamente, o chamado “argumento de autoridade” não combina em nada com board games. Acima de tudo, é sempre bom ter em mente que não é um ranking, ou peso, ou a opinião de um especialista que vai ditar o jogo que uma pessoa gosta. Assim, é fundamental experimentar os jogos por si mesmo, e descobrir o que melhor agrada e o que não, sem se deixar impressionar demasiadamente por opiniões alheias.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

 

P.S. Nessas questões de preferência pessoal, seja em jogos de tabuleiro, ou em qualquer outro assunto, é sempre bom lembrar das sábias palavras de Julinho da Adelaide, que dizia: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta…”

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

11 thoughts on “Na Mesa: Fla x Flus Lúdicos, Julinho da Adelaide e Preconceito de Peso

  1. Maiores rivalidades tabuleiristicas:
    Duna Imperium x Arnak
    On Mars x Terraforming Mars
    Coup x The Resistance
    Battlestar Galactica x The Thing x Insondável
    Xadrez x Damas
    Arkhan x Mansion of Madness x Eldricht
    Azul x Sagrada
    Agricola x La Granja x Caverna
    Detetive x Scotland Yard (os antigos)
    Rallyman GT x Formula D
    Pokemon TCG x Magic
    Zombicide x Dead of Winter
    The Mind x The Crew
    U-Boot x Cap Sonar
    Esqueci alguma?

    1. tem vários, principalmente de euros… vc não imagina como galera treta por causa do seu joghuinho favorito, como se fosse ideologia política… O sujeito que idolatra o Tehoticatan (sei la como escreve) mas odeia o Tekhenu, e por ai vai… eurista é tudo maluco!!! Parece que gostam de jogo e não de jogar… defendem seus jogos ou mecanicas como se fosse time de futebol…

    2. concordo com o Zagrebi, as pessoas sao preconceituosas, tipo ele mesmo que falou que “eurista é tudo maluco” ou seja o sujo falando do mal lavado

    3. e pensar que tem gente que ao inves de aproveitar todo tipo de jogo fica com tretinha no facebook e na ludopedia, é de matar isso

    4. boargames sao como qualquer outro ramo da sociedade: tem imbec&* pra tudo, tem quem brigue por tudo

    5. seria legal uns textos ai discorrendo sobre esses duelos que vc citou heim fica adica ae pro Maxiversu

  2. Rankings do BGG e Ludopedia mudaram bastante no ultimo semestre heim Brass passou a ser o melhor jogo da história!!!

  3. hj em dia parece que a humanidade decidiu que tudo tem que ser Fla x Flu ne… nunca da pra apreciar os dois lados da moeda, nao sei pq as pessoas acham que tem que escolher um lado e odiar o outro, isso é com Star Wars x Star Trek, DC x Marvel, PS x XBox, Bolacha x Biscoito, Euro x Ameritrash, e por ai vai… vem, meteoro!

    1. Caro Foridianu

      Concordo completamente com o que você escreveu. Entretanto, tenho apenas uma única ressalva a fazer, porque, afinal de contas, todo mundo sabe que o certo é biscoito, mesmo que alguns não admitam. KKKKKK

      Um forte abraço e boas jogatinas!

      Iuri Buscácio

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