9ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Jogos
Imagem Ludopedia: Dobble
Esse artigo (9ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Jogos) é o nono de uma série de textos, contendo dicas para boardgamers, iniciantes ou não, no sentido de ajudar quem iniciou no hobby agora. O outro objetivo é propor um ponto de reflexão aos boardgamers mais experientes. Quem tiver o interesse de ler os textos anteriores, basta acessar os links abaixo:
1ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça Melhor o Hobby
2ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Caixas
3ª Dica P/ Novos Jogadores – 7 Cuidados ao Iniciar nos BGs
https://maxiverso.com.br/blog/2022/12/27/3a-dica-p-novos-jogadores-7-cuidados-ao-iniciar-nos-bg/
4ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça a Arte/Design dos Jogos
https://maxiverso.com.br/blog/2023/01/06/4a-dica-p-novos-jogadores-conheca-a-arte-design-dos-jogos/
5ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Peças
https://maxiverso.com.br/blog/2023/02/26/conheca-os-tipos-de-pecas/
6ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Tabuleiro
https://maxiverso.com.br/blog/2023/03/10/conheca-os-tipos-de-tabuleiros/
7ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 1
https://maxiverso.com.br/blog/2023/04/18/elementos-abstratos-dos-jogos/
8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2
8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2
Nesse nono texto a ideia é abordar os diferentes tipos de jogos, quais as suas principais características. Além disso, o texto abordará as semelhanças e diferenças, entre os tipos de jogos, e quais os pontos mais presentes em uns e em outros. Para evitar que o texto ficasse extenso demais, optou-se por dividir os tipos de jogos em vários textos. Desse modo, esse texto tratará das classificações mais amplas, como os jogos euro, ameritrash, familiares, festivos e abstratos. Já os textos seguintes abordarão tipos mais específicos de jogos, como os dungeon crawlers, os wargames, os jogos 18xx, os cooperativos, os jogos 4x, os jogos legacy, os jogos CIV, entre outros.
Imagem Google: Jogos Diversos
Evidentemente é sempre bom lembrar que toda a classificação e categorização são necessariamente arbitrárias e falhas. Elas são arbitrárias porque partem do ponto de vista do classificador. Só que esse ponto de vista nem sempre corresponde ao que a maioria das pessoas pensa. Por isso, qualquer classificação implica em uma convenção aceita em maior ou menor grau pela comunidade. Se a classificação for aceita, ela será adotada como aquilo que essa coletividade acredita ser o mais correto possível. Porém, isso não quer dizer, obrigatoriamente, que a proposta de classificação seja a mais precisa.
Do mesmo modo, toda classificação e categorização é falha. Isso porque é impossível estabelecer um sistema que preveja todo e qualquer tipo de jogo, que exista ou que venha a surgir. Basta lembrar que certamente existem jogos que talvez sejam tão únicos, que talvez não se encaixem em nenhuma categoria. Esses jogos necessitam da criação de uma classificação própria e única, que só se enquadre nele mesmo. Seguindo esse caminho, poderia se chegar ao absurdo de ter uma categoria para cada jogo existente, o que não faz nenhum sentido do ponto de vista prático. Por isso o texto tratará apenas os principais tipos de jogos, mais utilizados e referenciados, pela comunidade boardgamer.
Imagem BGG: 18XX – 1822
De uma forma geral, quando o assunto é classificação, a lógica determina que quanto mais específicas forem as categorias, maior será a sua quantidade. O inverso também é verdadeiro, ou seja, quanto mais genéricas, menor será a quantidade de categorias. O truque é tentar equilibrar os dois pratos da balança, de modo que as categorias sejam as mais específicas possíveis, sem aumentar muito a sua quantidade.
Outro fator importante a esclarecer, é que talvez haja repetição de algumas informações já vistas em outros artigos da série. Isso ocorre para facilitar a compreensão do texto. Por exemplo, em um texto falando sobre temática, tratando de jogos com tema ferroviário, fica muito difícil escrever, sem citar os jogos 18xx, que são uma “categoria, dentro da categoria”, dos jogos de trem.
Só que um texto falando de temas de jogos é diferente de um texto que aborda os tipos de jogos. Por isso, nesse texto que trata da classificação, se faz necessário explicar o que são jogos 18xx, apesar, de alguns leitores já conhecerem o conceito. Isso também acontecerá em relação a outras categorias.
Imagem BGG: Flamme Rouge
Além disso, é muito comum existir certa confusão entre categoria e tema de um jogo. É possível dizer que jogos de corrida correspondem a uma categoria, mas ao mesmo tempo, também é possível dizer que jogos de corrida são referentes ao um tema. Quando se adiciona à discussão outra categoria, como esportes, por exemplo, a situação ainda piora. Isso porque alguns jogos de corrida podem ser jogos de esporte (Flame Rouge, Rallyman GT), mas também podem não ser (Lewis & Clark: a Expedição, Jamaica).
Portanto, a escolha das categorias, e o enquadramento dos jogos nas mesmas, é uma questão puramente subjetiva, e reflete os critérios pessoais do classificador. Assim sendo, resta ao leitor verificar se essa classificação faz algum sentido para si, e se lhe é útil de alguma forma.
Imagem BGG: Jamaica
É preciso esclarecer também, em relação às duas grandes categorias de jogos, os jogos euro e jogos ameritrash, que esses dois termos sofrem alguma contestação hoje em dia. Nos anos 90 a coisa era um pouco mais fácil, porque jogos euro eram os jogos produzidos na Europa e jogos ameritrash eram os jogos produzidos nas Américas. Só que esses termos rapidamente perderam esse sentido geográfico, Isso porque absolutamente nada impedia que um jogo euro fosse produzido na América, ou que um jogo ameritrash fosse produzido na Europa.
Tanto é assim, que com o sucesso do Catan nos USA, logo em seguida a poderosa editora americana de wargames Avalon Hill, rapidamente tratou de lançar o “Age of Renaissance”, em 1996, que é um jogo estratégico de gerenciamento de recursos. No mesmo sentido, um pouco depois em 2000, a Rackham, uma editora francesa de jogos, lançou o “Confrontation”, que era um jogo de batalhas com miniaturas, ambientado em um cenário medieval.
Imagem BGG: Age of Renaissance
Desse modo, o termo “euro” passou a identificar mais os jogos focados na questão gerencial e de administração de recursos. Já o termo “ameritrash” passou a identificar mais os jogos focados na questão aventureira da narrativa e dos combates. Por isso, esses dois termos deixaram de identificar o local em que os jogos foram produzidos e passaram a focar na sua natureza.
De alguns anos para cá, procurou-se substituir o termo jogos euro, por jogos estratégicos e os jogos ameritrash por jogos temáticos. Inclusive são essas as denominações encontradas no BGG, o maior site de board games do mundo. Na verdade isso acaba implicando em trocar uma classificação inexata, por outra, tão inexata quanto. Primeiro porque todos os jogos são estratégicos, em algum nível, com exceção talvez de meia dúzia de jogos exclusivamente de destreza. Até mesmo no “Jogo da Velha”, no “Jogo da Memória”, ou no “Resta Um”, o jogador se utiliza de alguma estratégia para tentar vencer.
Do mesmo modo, praticamente todos os jogos têm algum tema, em algum nível, salvo aqueles exclusivamente abstratos. Para ficar mais claro, “Damas” e “Tuki” são dois jogos abstratos. Porém “Damas” não tem nenhum tema discernível. Já no “Tuki” os jogadores representam tribos inuit (povos indígenas esquimós), tentando usar as peças disponíveis para construir os projetos de seus marcos de pedras tradicionais (inukshuk), o mais rapidamente possível.
Imagem BGG: Confrontation
Por conta disso, não parece fazer muito sentido, dizer que Russian Railroads, é um jogo estratégico e não temático. Isso porque além da estratégia ele efetivamente também está baseado em um tema (construção de uma ferrovia na Rússia). Da mesma maneira, também não faz sentido dizer que Zombicide é um jogo temático e não estratégico. Isso porque, além do tema muito bem trabalhado, mesmo que de uma forma quase caricata, ele evidentemente também implica na utilização de alguma estratégia, para que os jogadores possam vencer.
Só para evitar qualquer discussão a respeito, para efeitos práticos, o termo “estratégico” está sendo utilizado aqui “lato sensu”, para representar o conjunto de todas as ações que se planeja e que se faz para alcançar um objetivo. Isso engloba tanto estratégia, quanto tática, sem nenhuma distinção, embora ela exista. Assim sendo, substituir euro por “estratégico”, e ameritrash por “temático”, só porque em um jogo a estratégia é preponderante sobre o tema, ou vice-versa, parece tão falho, quanto manter os termos mais tradicionais euro e ameritrash.
Além disso, existe uma questão que supera inclusive essa discussão anterior, que diz respeito a um aspecto fundamental. Para ser efetiva, qualquer convenção (e toda a classificação é um tipo de convenção) precisa ser aceita pela comunidade que utilizará essa convenção. Por tal motivo, não adianta nada tentar chamar os jogos euro de estratégicos, e os jogos ameritrash de temáticos, se a comunidade ainda utiliza largamente os termos “euro”, para os jogos onde a estratégia é mais importante, e “ameritrash” para os jogos onde a temática é preponderante. Foi com base nesse entendimento que o texto manteve os termos tradicionais “euro” e “ameritrash”.
JOGOS DE TABULEIRO CLÁSSICOS X JOGOS DE TABULEIRO MODERNOS
Antes de prosseguir é preciso estabelecer rapidamente a diferença entre os “jogos de tabuleiro modernos” e os chamados “jogos clássicos”, anteriores ao “Catan”. Essa diferenciação tem limites muito tênues. Não dá para simplesmente reduzir essa discussão a uma questão de datas, baseado no ano de lançamento do Catan, 1995. Seria muito fácil, mas impreciso, dizer que, se o jogo foi publicado antes de 1995 ele é clássico, mas se tiver sido lançado após 1995, ele será moderno.
Um exemplo disso é o excelente jogo “Survive: Fuga de Atlântida”, lançado em 1982, mais de 10 anos antes do Catan. Mesmo sendo muito anterior a 1995, ainda assim muitas pessoas o consideram um jogo de tabuleiro moderno. Outros jogos como Arkham Horror e Fury of Dracula, ambos originalmente de 1987, também são jogos anteriores ao Catan. Mas, desde a primeira edição, eles já traziam quase todos os elementos que os caracterizava como jogos modernos. As versões mais recentes, lançadas décadas depois da edição original, reaproveitaram e expandiram esses elementos.
Imagem BGG: Catan
Da mesma forma, não dá para dizer algo do tipo, “se o jogo tiver o fator sorte, então ele é um jogo clássico comum, se não tiver, então ele é um jogo de tabuleiro moderno”. Isso porque diversos jogos de tabuleiros modernos, contam com o fator sorte, em maior ou menor medida. Alguns jogos modernos usam lançamento de dados, outros embaralhamento de cartas (alguns usam os dois). Mas mesmo assim, eles não deixam de ser jogos de tabuleiro modernos respeitadíssimos como, por exemplo, “Stone Age” ou “7 Wonders”.
Outra diferença entre jogos clássicos e modernos, comumente citada é que, diferentemente dos jogos clássicos, nos jogos de tabuleiro modernos, os jogadores não são eliminados logo no começo da partida. Só que essa regra também tem exceções como os excelentes “Coup” e “Love Letter”. A diferença é que esses jogos têm partidas bem rápidas e o eliminado não precisa aguardar muito para voltar a jogar. Mas há também os igualmente excelentes “King of Tokyo” e “Cash’n’Guns”, que possuem eliminação de jogadores, inclusive no início, e cujas partidas não são tão rápidas.
Imagem BGG: 7 Wonders
Essa preocupação, com a atenuação da probabilidade de eliminação prematura, tem toda a razão de ser. Isso porque um dos objetivos originais das famílias alemães ao jogar board games era justamente passar um tempo com seus familiares. Se um de seus irmãos é eliminado logo na segunda rodada, especialmente de um jogo longo, ele certamente vai arrumar outra coisa para fazer. Nesse caso, fracassa totalmente, a ideia de passar algum tempo com a família reunida.
Por outro lado, isso não quer dizer que nos jogos de tabuleiro modernos não há eliminação de jogadores, e os exemplos citados acima comprovam isso. Na verdade o que há são mecanismos previstos nos jogos para atenuar essa possibilidade.
Outra diferença geralmente apontada é que os jogos clássicos apresentam poucas opões de ação. Desse modo, os jogadores fazem praticamente uma única, e mesma, coisa durante toda a partida, normalmente necessitando de muita sorte para vencer. Mas até mesmo esse argumento é discutível, principalmente em relação aos jogos de tabuleiro modernos mais simples, baseados em cartas. Isso porque eles também poderiam se encaixar nessa situação de ação única, como, por exemplo, o “Santo Domingo”. Mesmo assim, ele é um ótimo jogo moderno. Portanto a questão é bem mais complexa do que isso.
Imagem Ludopedia: Santo Domingo
De uma maneira geral, e bota geral nisso, pode-se dizer que os jogos clássicos, além das características citadas acima, são jogos lançados há mais tempo, em que há baixíssima variedade de ações, pouco espaço para estratégias, em que o uso do planejamento de longo prazo é indiferente para o resultado, que o fator sorte é preponderante, sobre a estratégia, entre outras características, enquanto que os jogos de tabuleiro modernos são exatamente o oposto disso.
Só para efeito de comparação, uma pessoa pode ser excelente estrategista e possuir um poderoso poder de dedução. Porém, nada disso importará muito, em partidas de WAR/Risk ou Detetive/Clue, caso a pessoa tenha azar nos dados e só tire números baixos. Inclusive essa mecânica de “role os dados e mova seu peão X casas” é bem rara, em se tratando de jogos de tabuleiro modernos. Diversos jogos de tabuleiro moderno, que incluem sorte e aleatoriedade em suas mecânicas, também possuem elementos atenuadores dessas características.
JOGOS EURO
Os jogos euro na verdade deveriam ser chamados “german games”, porque é um estilo oriundo da escola alemã de jogos. Essa escolada d jogos posteriormente se espalhou pelo restante da Europa, dando origem a outras escolas como a italiana, por exemplo. Considerando que todos os jogos euros têm as mesmas características, independente de sua origem, eles acabaram agrupados sob um mesmo termo comum, ou seja, euro games. Esses jogos dão maior destaque à estratégia envolvendo o bom planejamento e a boa execução das jogadas. Por isso, nesses jogos há sempre uma tentativa de minimizar ao máximo o fator sorte e a aleatoriedade. Nada, ou quase nada, é deixado ao acaso.
Outra característica importante é que a interação se dá de forma pacífica e negociada, em detrimento do combate direto. Assim sendo, nos jogos euro, muito mais do que derrotar os adversários pela destruição de seus exércitos, normalmente a vitória é obtida através de um gerenciamento mais eficiente de seus próprios recursos e processos, e de uma melhor leitura do jogo e das prováveis estratégias dos adversários, de modo a impedi-las ou neutralizá-las.
Obviamente, alguns jogos euro também fazem uso do confronto direto, especialmente os jogos 4X (ver próximo texto) e aqueles que utilizam a mecânica controle ou influência de área. Entretanto, esse tipo de mecânica, baseada no “combate” entre dois ou mais jogadores, não é a característica mais marcante dos jogos euro.
Imagem BGG: Tigris & Euphrates
Alguns jogos euro reduzem drasticamente a interação entre os jogadores, que pode acontecer também de forma indireta. Isso é muito comum nos jogos que utilizam a mecânica alocação de trabalhadores, que atualmente é uma das mais populares. Assim, a interação entre os jogadores ocorre na forma de se ocupar um espaço do tabuleiro, correspondente a uma função necessária ao outro jogador, o que o impede de exercer essa função, ou a torna “mais cara”. Nesse caos, é necessária a alocação de mais peças ou trabalhadores, para exercer aquela função, do que o seu custo original, caso não houvesse nenhum trabalhador de outro jogador no local. Esse é o famoso “bloqueio” ou “block”, como é mais conhecido, no qual, ao invés do jogador “A” fazer algo diretamente contra o jogador “B”, na verdade ele bloqueia a ação que seu adversário pretendia fazer.
Imagem BGG: Caylus
Desse modo, geralmente nos jogos euro o que determina quem ganhou a partida é a quantidade de pontos de vitória. Esses pontos são conquistados de diversas formas, de acordo com as regras do jogo. Assim, ao invés do ganhador ser o último jogador sobrevivente, ao final da partida, ganhar quem tiver mais pontos de vitória.
Outro fator muito característico dos jogos euro é o uso de formas mais abstratas, os famosos cubinhos, que representam exércitos, recursos, dinheiro, trabalhadores, entre outros. Além disso, a questão do tema, e da imersão são fatores secundários nos jogos euro. Nesse tipo de jogo, a temática e o cenário estão a serviço da mecânica, que é o mais importante. Em alguns casos, o tema do jogo poderia ser substituído por qualquer outro, que o jogo ainda faria sentido. Isso leva inclusive ao uso da expressão “tema colado com cuspe”, usada para demonstrar o quanto a temática é irrelevante, em alguns jogos euro.
Imagem BGG: Century: Rota das Especiarias
Além disso, as regras tendem a ser mais práticas e objetivas, porém mais complexas. Por isso, normalmente existe mais de uma forma de obter pontos de vitória, e ganhar a partida. Conforme dito anteriormente, a eliminação de jogadores, salvo algumas exceções, praticamente não aparece nos jogos euro, principalmente por conta da função socializante original, desse tipo de jogo.
Se o conceito básico, por trás da idéia do jogo de tabuleiro, era proporcionar uma forma lúdica de reunir a família, para passar um inverno rigoroso dentro de casa, não faz o menor sentido, eliminar um dos jogadores e fazê-lo esperar mais meia hora, até o final da partida, para uma revanche, ou para iniciar outro jogo.
Da mesma forma, os jogos euro também apresentam mecanismos para limitar o tempo de partida. Isso é feito, fixando um determinado número de turnos ou rodadas, ou estabelecendo uma determinada quantidade de pontos a serem atingidos. Outra forma é fixar uma quantidade de recursos, cartas ou outro elemento, que quando se esgotam determinam o fim do jogo.
Normalmente esses mecanismos ativam o gatilho de fim de jogo, e os jogadores ainda contam com um último turno, onde procuram fazer a maior quantidade possível de pontos, para tentar ganhar a partida. Também é comum em alguns jogos euro, que parte da pontuação seja oculta. Assim, ao longo do jogo, não se possa ter certeza absoluta de quem está ganhando a partida, o que só se descobre ao final do jogo.
Exemplos de jogos euro: Catan, Carcassonne, Puerto Rico, Stone Age, Viticulture, Terraforming Mars, El Grande, Agricola, Lords of Waterdeep, Caverna, Mombasa, Lisboa, Castles of Burgundy, Tigris & Euphrates, Russian Railroads, Terra Mystica, Projeto Gaia.
JOGOS AMERITRASH
A outra grande vertente de jogos modernos, normalmente apresentada em contraposição aos jogos euro, são os jogos da escola americana ou ameritrash. Esses jogos são bastante diferentes da sua contraparte européia. De uma forma geral, pode-se se dizer que os jogos euro são jogos de reflexão enquanto que os jogos ameritrash são jogos de ação.
Após o lançamento do Catan em 1995, os board games voltaram a ganhar força e a despertar o interesse de pessoas e grandes empresas, dos dois lados do Atlântico. Naturalmente esse “renascimento” foi fortemente influenciado pelos jogos alemães, que posteriormente foram agrupados sob o termo eurogames. Esse estilo de jogo foi considerado uma forma mais sofisticada de jogos de tabuleiro.
Imagem BGG: Zombicide
O problema é que os jogos americanos em muitos aspectos eram praticamente o oposto dos jogos europeus. Por conta disso, criou-se o seguinte raciocínio, totalmente falacioso: “se o jogo europeu que é sofisticado tem um tipo de características, e o jogo americano é justamente o oposto destas características, logo o jogo americano é inferior ao jogo europeu”. Isso além de falso, não faz o menor sentido, porque “diferente” não é necessariamente pior, e nem necessariamente melhor, mas apenas diferente.
Mesmo assim, por conta desse raciocínio equivocado, os jogos americanos receberam o apelido pejorativo, e até um tanto o quanto ofensivo de “ameritrash”, ou seja, “lixo americano”. Há quem diga que esse termo “ameritrash”, foi uma resposta bem humorada e em forma de piada, para o termo “eurotrash” (lixo europeu), usado anteriormente e de forma generalizada na América do Norte.
Eurotrash era um termo utilizado fora do ambiente dos boardgames, para designar o pedantismo e futilidade de alguns europeus residentes nos USA. Essas pessoas, se julgavam superiores aos americanos, só por serem europeus e supostamente tinham um péssimo gosto para roupas, perfumes e música eletrônica. Então, “ameritrash” pode até ser um termo pejorativo, mas, pelo menos em tese, teriam sido os americanos, que começaram a xingar primeiro.
Imagem BGG: Mansions of Madness – Jogo Ameritrash
Alguns entusiastas até procuram encontrar, sem sucesso, outro sentido para a palavra “trash”. Mas a verdade é que sua utilização era, ao menos no princípio, exatamente com essa conotação de “lixo” mesmo. Até se tentou trocar o termo por outros mais amigáveis e menos pejorativos (amerigame, amerigold e ameritreasure), e a iniciativa da vez é tentar substituir ameritrash por “jogo temático”, principalmente no BGG, conforme dito anteriormente.
Entretanto, nenhum destes termos acabou pegando e por isso o uso de “ameritrash” permanece até hoje. Entretanto, atualmente, o termo não tem mais carga negativa original, e até muito pelo contrário, é usado com certo orgulho, pelos seus entusiastas. Dentre as características que tornam o jogo ameritrash o oposto do jogo euro podem se destacar quatro itens:
TEMA
Nos jogos ameritrash há um forte desenvolvimento do tema e do cenário, o que propicia uma profunda imersão no universo retratado no jogo. Nos jogos euro o tema é uma questão secundária em relação a mecânica, e alguns jogos abstratos praticamente não tem tema algum;
FATOR SORTE
Os jogos ameritrash apresentam um uso moderado do fator sorte, que ainda que não seja preponderante, ainda assim, exerce uma influência muito maior do que nos jogos euros. Os jogos euros ao contrário mitigam ao máximo os efeitos do fator sorte e da aleatoriedade. Ameritrashers rolam dados, e embaralham cartas, e fazem isso com muito gosto;
MINIATURAS
Essa foi uma característica herdada diretamente dos wargames, muito populares nos Estados Unidos, principalmente na década de 70 e 80. Os jogos ameritrash normalmente utilizam miniaturas com grande grau de detalhamento e beleza artística. Os jogos euro em contrapartida são caracterizados pelo uso minimalista de cubinhos de madeira ou plástico. Por isso os eurogamers são chamados carinhosamente de “empurradores de cubinhos”;
CONFRONTO DIRETO
Nos jogos ameritrash é muito comum que a interação ocorra através do confronto direto, seja entre os próprios jogadores, ou destes contra o jogo. No caso dos jogos cooperativos, existe o “overlord”. um jogador que controla os vilões ou o jogo, e compete contra os demais jogadores (estilo “um contra todos”). Essa interação também é muito mais agressiva, em que é necessário destruir os exércitos ou personagens dos outros jogadores, ou aqueles controlados pelo jogo. Nos jogos euro a interação é muito mais suave e indireta.
Imagem BGG: Eldritch Horror
Mesmo com essa denominação depreciativa, com o passar do tempo, os jogadores começaram a perceber que apesar de ser o oposto dos jogos euro, os jogos ameritrash também tinham o seu valor. Alguns pontos que a princípio pareciam ser deficiências, na verdade se revelaram como os pontos fortes do estilo.
Os jogos ameritrash por serem mais focados no tema e na imersão, acabavam oferecendo partidas mais dramáticas e finais épicos. As partidas eram únicas, sendo contadas e relembradas por anos a fio. Por outro lado, em um jogo euro, ninguém vai se lembrar que, seis meses atrás, o jogador “A” ganhou a partida do jogador “B”, porque a fazenda do primeiro, produziu o dobro de alimentos, da fazenda do segundo.
Porém, certamente todos vão se lembrar daquela partida em que o último personagem vivo, com apenas um ponto de vitalidade e de sanidade, conseguiu banir o Cthulhu, para outra dimensão, conseguindo exatamente a combinação de dados necessária, na última jogada.
Imagem Ludopedia: Cthulhu: Death May Die
Da mesma forma, o uso moderado do fator sorte e da aleatoriedade pode desagradar os jogadores mais estratégicos. Porém, esses elementos dificultam o fenômeno do “jogo scriptado”, em que o jogador precisa seguir um determinado conjunto pré-determinado de ações, para ter alguma chance de vitória. Além disso, o fator sorte, e principalmente a aleatoriedade, também aumentam significativamente a vida útil do jogo, porque cada partida é completamente diferente das outras.
Isso sem falar que as miniaturas tornam os jogos ameritrash certamente mais bonitos na mesa, e que chamam mais a atenção. Além disso, o confronto direto permite que o ganhador de hoje tire muito sarro da cara e brinque bastante com o perdedor, sabendo que amanhã ele é que pode perder e ser o alvo das brincadeiras e zoações.
Imagem BGG: Sword & Sorcery
É preciso considerar também que, apesar de ainda serem produzidos jogos claramente euro e claramente ameritrash, cada vez mais se vêem jogos híbridos. Esses jogos têm características de ambas as escolas, que desafiam qualquer classificação. Assim, ainda existem motivos para usar esse dois termos, pois ainda são lançados jogos tanto de um quanto de outro. Porém, resta claro que eurogame e ameritrash já não são os mesmos divisores de águas, de outros tempos, principalmente considerando alguns jogos lançados atualmente.
Independentemente dessa discussão, se essas denominações ainda devem ser usadas ou não, uma coisa é certa, o termo ameritrash perdeu completamente o seu sentido pejorativo. Isso porque os entusiastas deste estilo, que talvez sejam tão numerosos quanto os eurogamers, se reconhecem como “ameritrashers”, e com muito orgulho, de modo que ameritrash deixou de significar algo inferior, mas apenas diferente dos jogos euro.
Alguns exemplos de jogos ameritrash: Eldrich Horror, Mage Knight, Blood Rage, Arkham Horror, Rising Sun, Battlestar Galactica, Dead of Winter, Star Wars: Rebellion, Masmorra Dungeons of Arcadia, Krosmaster: Arena, Gears of War, Arcadia Quest
JOGOS FAMÍLIA
Os jogos família, ou family games, como também são conhecidos, são jogos com pouca complexidade, com menos regras, menor quantidade menor de componentes, menor preocupação quanto a imersão, cenário e temática, e, acima de tudo, voltados para uma diversão mais descompromissada.
Imagem Ludopedia: King of Tokyo
Desse modo, os chamados jogos família não podem ser totalmente considerados jogos euro, porque suas regras e mecânicas são simples, e em muitos casos há uma considerável influência da sorte e da aleatoriedade. Eles também não podem ser totalmente considerados ameritrash, pela baixa complexidade dos componentes em si, e pela baixa preponderância do tema, que normalmente é trabalhado de forma muito leve.
Uma característica marcante dos jogos família, oriunda da sua simplicidade, é a grande faixa etária à qual eles se destinam. Por isso, os jogos família costumam agradar “desde o netinho, até o vovô”. Pelo mesmo motivo, eles costumam ser os melhores jogos de entrada (também chamados “gateaway”). Em outras palavras, são os jogos mais indicados, para apresentar a quem nunca ouviu falar de board games modernos, aquela turminha do “é tipo war?!?!”.
Imagem BGG: Ticket to Ride
Obviamente, essa questão do que pode, e o que não pode, ser considerado “simples” é altamente discutível, e amplamente aberta à interpretação pessoal. Um jogo considerado simples e, portanto, “jogo família”, para uma pessoa, pode ser bastante complexo para outra pessoa.
Um bom exemplo disso é o jogo “Stone Age”, que muitos consideram praticamente um jogo família e de entrada, por conta da sua baixa complexidade. Por outro lado, há quem o considerem complexo o suficiente, para não ser enquadrar como jogo família, mas sim um euro leve, ou de médio para leve.
Isso pode parecer absurdo para muitos, principalmente porque durante anos esse jogo foi utilizado para apresentar os jogos modernos para os não iniciados, em especial a mecânica de alocação de trabalhadores (worker placement), uma das mecânicas mais populares da atualidade. No entanto, se o “Stone Age” (peso BGG 2.47) for comparado com outro clássico dos jogos de entrada, o “Ticket to Ride” (peso BGG 1.85), fica claro que em termos de complexidade e quantidade de regras, os dois estão em patamares bem diferentes.
Da mesma forma, mas no outro lado do espectro do exagero, está o aclamado “Agrícola” (peso BGG 3.64). Este jogo é bastante punitivo e considerado bem complexo por boa parte da comunidade boardgamer, Apesar disso, alguns jogadores “peso-pesado” consideram o Agrícola praticamente um jogo família, que se enquadra perfeitamente como jogo de entrada. Esse é o pessoal heavy-gamer, acostumado com “Die Macher” (4.32), “Magic Realm” (4.53), “On Mars” (4.65), e os wargames “Advanced Squad Leader” (4.73) e “A World at War” (4.84).
Imagem BGG: Stone Age
Nesse aspecto, não se pode deixar de citar o tradicionalíssimo Catan, que tem alguma complexidade e é praticamente a definição de jogo euro, mas que muita gente considera com um jogo família. Isso talvez ocorra devido ao fato dessa pessoas já terem tido contato com jogos bem mais complexos, ou terem jogado o Catan tantas vezes, que as regras passaram a não ter mais mistério algum, vindo à mente, quase que de forma automática. Aliás, o próprio autor Klaus Teuber já deixou bem claro que a idéia era fazer mesmo um jogo que fosse acessível a toda a família. Mas mesmo com tudo isso, dificilmente alguém vai defender seriamente, que o Catan não é um jogo euro.
Por outro lado, as categorias não são excludentes entre si, ou seja, o jogo não é ou família, ou euro, obrigatoriamente. Além disso, nada impede que na opinião de determinada pessoa, um determinado jogo seja um “euro familiar”, ou que um jogo euro, mesmo que não tão leve como o “Catan” (2.31) ou o “Stone Age” (2.47), sejam usados como jogo de entrada, para novos jogadores. Apesar de não ser o melhor parâmetro, dada a subjetividade dos jogos família, normalmente, esse tipo de jogo apresenta um “peso” (ou medida de complexidade) inferior, ou muito próximo, a 2.00, no BGG. Novamente, não é o melhor indicativo, mas já é alguma coisa.
Imagem Ludopedia: Azul
De todo modo, esses exemplos deixam bem claro que apesar de todos concordarem que jogos famílias são jogos mais simples, mais rápidos, mais objetivos, mais focados na diversão despretensiosa do que na estratégia ou na imersão, por outro lado, nem todos concordam quais jogos seriam família, e quais seriam suficientemente complexos para não se encaixarem na categoria. Apesar dessa dependência da avaliação pessoal de cada um, segue abaixo uma lista dos principais “jogos família”, considerados assim pela maior parte da comunidade boardgamer, acompanhados do seu respectivo peso no BGG.
Alguns exemplos de jogos família: Dixit (1.21), Ticket to Ride (1.85), King of Tokyo (1.49), Sagrada (1.93), Splendor (1.79), Century: Rota das Especiarias (1.78), Barenpark (1.65), Kingdomino (1.22), Código Secreto (1.28), Camel Up (1.48), Sheriff of Nottingham (1.65), Magic Maze (1.76) Quartz (1.23), Pablo (1.00), Deception: Murder in Hong Kong (1.59), Dungeon Fighter (1.76), Cash’n Guns (1.28), 13 Clues (1.89), etc.
JOGOS FESTIVOS
A categoria dos jogos festivos ou party games, guarda muita semelhança com a dos jogos família, e é muito comum ver ambas as categorias sendo usadas como sinônimos, ou uma no lugar da outra, como se fosse a mesma coisa. Isso é até natural, na medida em que jogos festivos e jogos família são realmente muito parecidos. Ambos são simples, têm poucas regras e poucos componentes, mas existem algumas diferenças.
Imagem Ludopedia: Pega em 6
Talvez a principal diferença entre os jogos familiares e os jogos festivos é a questão da portabilidade. Jogos festivos, como o próprio nome já diz, são jogos que uma pessoa pode levar para uma festa de aniversário, uma reunião de amigos, para o chopinho no bar, para o churrasco da faculdade, etc. Por isso, normalmente os jogos festivos vêm em caixas pequenas, mais ou menos do tamanho de uma caixa de baralho normal de 52 cartas, e que cabe no bolso de uma calça jeans, ou dentro de uma bolsa feminina pequena.
Em relação a esse aspecto é muito comum, que as pessoas que gostam muito de um determinado jogo festivo, façam uma cópia caseira, ou “home made”, para levar em viagens, ou mesmo para festas mesmo, sem colocar em risco seu jogo preferido. O “The Resistance”, por exemplo, é um jogo cuja caixa não cabe no bolso. Entretanto, ao se imprimir os componentes como cartas, o jogo ficará do tamanho de um baralho comum. Mas é bom destacar que isso deve ser feito, apenas com os jogos que a pessoa já comprou.
Imagem BGG: The Resistance
Caso contrário, entra em cena a questão da pirataria, que é um assunto muito complexo, que exige toda uma discussão própria (uns defendem que copiar para uso próprio, sem ganho monetário, não é pirataria, enquanto outros defendem que qualquer cópia não oficial é pirataria), e que foge totalmente do escopo desse tópico.
Claro que uma pessoa pode ir a qualquer um desses eventos carregando uma mochila, com uma caixa de “Ticket to Ride”, em seu interior, mas isso seria totalmente fora do normal. Além disso, tentar montar o tabuleiro em uma mesa de bar com todo mundo bebendo e comendo, seria praticamente inviável por conta do espaço, e um verdadeiro perigo, para a integridade física do jogo e de seus componentes. No caso do “Love Letter”, por exemplo, a coisa fica mais viável.
Imagem BGG: Love Letter
No mesmo sentido, se as regras dos jogos famílias são poucas e simples, as regras dos jogos festivos são mais simples ainda. Basta pensar na dificuldade que seria tentar explicar todas as regras do “King of Tokyo” (que já é um jogo bem simples), ou do Century Rota das Especiarias, em um salão de festa de aniversário de criança, com os pimpolhos correndo de um lado para o outro, e querendo brincar com a figurinha do “King Kong”, do “Godzilla”, ou do “Kung-Fu Panda”.
O mesmo se aplica aos componentes, na medida em que nos jogos festivos, eles são ainda mais simples, do que nos jogos família, normalmente apenas cartas. Basta pensar no tanto de mesa necessário para jogar o “Barenpark”, comparado ao que é necessário para jogar o “Pega em Seis”, “Dobble”, ou “No Thanks”, por exemplo.
Imagem Ludopedia: No Thanks
Outra diferença marcante, é que os jogos festivos normalmente comportam uma quantidade muito maior de jogadores do que os jogos família. Isso é até natural, porque em uma festa é não apenas possível, mas até provável, que mais do que quatro ou cinco pessoas se interessem por aquele joguinho diferente e divertido que aquele pessoal está jogando, ali no canto. Por isso também, as partidas dos jogos festivos costumam ser mais rápidas, para aumentar a rotatividade de participantes e todo mundo interessado conseguir jogar, pelo menos uma vez.
Voltando ao exemplo do “Ticket to Ride”, seria perfeitamente possível, colocar o jogo em uma mochila, levar para um churrasco em família, e jogar. Só que dificilmente um churrasco em família terá apenas quatro ou cinco pessoas.
Imagem BGG: Kingdmino – ótimo jogo familiar, mas para apenas 4 jogadores…
Nesse caso, a situação de cinco pessoas jogarem e tantas outras ficarem de fora olhando, não é uma coisa agradável. E isso nem para quem joga, nem para quem só assiste, de modo que isso acaba sendo evitado. Com certeza, isso pode ocorrer também com jogos para mais jogadores, com o “The Resistance”, que comporta de 05 a 10 jogadores, mas certamente isso é bem menos provável de acontecer.
Alguns exemplos de jogos festivos: Pega em Seis, Love Letter, No Thanks, Dobble, Coup, Dead Men’s Draw, The Resistance, Mascarade, We Will Rock You, Jungle Speed, UNO, Black Stories, Exploding Kittens, Saboteur, Citadels, Hanabi, Nosferatu, Zombie Dice, Ultimate Werewolf, Tinco, etc.
JOGOS ABSTRATOS
A categoria dos jogos abstratos inclui alguns jogos com total ausência de temática, ou que possuem uma temática mínima. É o caso, por exemplo, de “Damas” e do “Trilha”, que não tem temática e não representam absolutamente nada. Outro caso é o do “Xadrez”, que tem uma temática mínima e cujas peças representam um combate entre os exércitos de dois reinos. Em outros exemplos como o “GO”, alguns enxergam um jogo totalmente abstrato, enquanto outros vêem no jogo, uma representação do universo (tabuleiro), sofrendo a influência dos princípios positivo e negativo (peças). Considerando que estes jogos são ancestrais, cuja origem se perde nas brumas do tempo, e tudo o que se tem a respeito de sua criação são lendas, é inviável assegurar com certeza se eles representam alguma coisa ou não.
Imagem Ludopedia: Mancala
E o “Xadrez”, “GO”, “Damas” e “Trilha”, nem são os jogos abstratos mais antigos, ou, melhor dizendo, não possuem os registros históricos confiáveis mais antigos. Os jogos do estilo “Mancala” talvez sejam os jogos mais antigos, porque estão diretamente associados ao ato de semear, e ao domínio da agricultura pelo homem. Alguns pesquisadores acreditam que sua origem remonta aproximadamente há 7.000 anos, praticamente no início da civilização. No entanto, o Mancala poderia ser jogado, usando sementes e fazendo buracos no chão, o que estaria mais de acordo com a sua origem presumida. Isso certamente inviabilizou, ou pelo menos dificultou sobremaneira, que qualquer evidência física mais antiga do jogo, tivesse sobrevivido e chegado até os tempos modernos.
Também pode ser que o jogo simplesmente tenha surgido após outros jogos, mais antigos. De todo modo, uma estela encontrada na cidade de Axum no norte da Etiópia, datada aproximadamente dos séc. VI ou VII, parece ser o registro mais antigo do jogo. Mas, considerando que essa evidência é apenas um conjunto de orifícios em linhas paralelas, e possivelmente pode não ter nenhuma relação com o jogo, não há como saber com certeza a sua origem, mas apenas especular a respeito.
Imagem Google: Jogo Real de Ur
O jogo de tabuleiro mais antigo, que possui registros históricos e evidências físicas confiáveis, é o Jogo Real de Ur. Sua descoberta ocorreu em escavações, no Cemitério Real de Ur, na antiga cidade-estado mesopotâmica de Ur (atual Iraque), pelo arqueólogo inglês Sir Leonard Wooley, entre 1922 e 1934. A idade dos tabuleiros encontradas foi estabelecida por volta de 3.000 a.C. Entretanto, nem o nome do jogo, nem suas regras e forma de jogar são conhecidas. Por isso o jogo foi batizado como “Jogo Real de Ur”, em virtude do local da descoberta.
Posteriormente, Irving Finkel, um pesquisador do Museu Britânico traduziu uma tabuleta de argila, de origem babilônica, que aparentemente ensina as regras do jogo. Porém, essa tabuleta foi data de 177 d.C, quase três milênios após a origem do jogo. Além disso, esse registro descrevia a forma de jogar da época da confecção da tabuleta. Para tornar tudo ainda mais incerto, essa a descrição se baseou nos escritos de outro escriba, apenas um pouco mais antigo. Mesmo assim, apesar de não se ter muita certeza de que o que está descrito na tabuleta babilônica, corresponde à forma original de jogar, e também com base em outras evidências, foi possível estabelecer um provável conjunto de regras para o jogo.
Imagem BGG: Senet
Outro jogo de tabuleiro quase tão antigo, quanto o “Jogo Real de Ur”, e cujas regras chegaram até os tempos modernos, é o egípcio “Senet”. Pesquisadores encontraram tabuleiros, peças e imagens retratando partidas do jogo em diversas tumbas de faraós e outros nobres do Egito, da 3ª Dinastia. A mais antiga dessas tumbas contendo alguma referência ao “Senet”, data entre 2686-2613 a.C. , e está na cidade de Saqqara. Ela pertence a Hesy-Ra, que foi um importante conselheiro dos Faraós Djoser e Sekhemkht. Alguns estudiosos consideram o “Senet” como sendo o jogo de tabuleiro mais antigo já encontrado. Isso porque dos diversos jogos ancestrais, ele foi o único que sobreviveu ao tempo, chegando completo (nome, tabuleiro, peças e regras) até os dias atuais.
Imagem Goggle: Pintura do Senet na Tumba da Rainha Nefertari (1295-1255 d.c)
Por conta dessa origem ancestral, e até pela sua própria natureza, os jogos abstratos possuem regras e componentes muito simples. Além disso, apesar dos jogos serem abstratos, seus componentes, via de regra, são peças sólidas, e muito raramente se usam cartas. Os jogos abstratos normalmente se baseiam em confronto direto e, na maioria das vezes, envolvem dois jogadores um contra o outro. Nesses jogos a aleatoriedade ou influência da sorte é baixíssima, ou praticamente inexistente, se resumindo, em muitos casos, apenas à escolha de quem jogará primeiro.
Apesar dos jogos abstratos terem regras simples, isso não quer dizer que os jogos não possam ser altamente complexos e profundamente estratégicos. Os exemplos mais conhecidos, nesse caso, são o “Xadrez” e o “GO”. Em uma partida de “Xadrez”, após apenas o 10º lance, a quantidade de posições possíveis, dali por diante, atinge os astronômicos 165 quatrilhões e meio, ou mais precisamente, 165.518.829.100.544.000.000.000.000.
Mas mesmo esse número tão grande, empalidece perante o número de Shannon, que é a estimativa mais acurada da quantidade de posições válidas no Xadrez. Ele foi calculado pelo matemático Claude Shannon, e que chega a impressionantes 10120. Trata-se de um 10 elevado à centésima vigésima potência, ou seja, é um número composto pelo numeral 1 seguido de 120 zeros. A princípio isso pode não parecer muito. Porém, só para comparar, a estimativa mais aceita pela ciência, da quantidade de átomos do universo observável, varia entre 4×1078 e 6×1079.
Imagem Ludopedia: Xadrez
Se isso já não fosse impressionante o suficiente, os cientistas da computação, John Tromp e Bill Taylor, publicaram um estudo em 2016 sobre o GO. Nesse estudo, eles calcularam a quantidade de posições e jogadas válidas, em uma partida do jogo. Em um tabuleiro de GO de 19×19 (o mais comum), existem 2,081 x 10170 posições possíveis. Se fossem considerados todos os movimentos, inclusive os ilegais, esse número subiria para 361400, em um jogo de 400 movimentos.
Imagem BGG: Go
Falando em números grandes, vale aqui um pequeno parênteses (apesar disso a priori não ter nada a ver com jogos de tabuleiro). Como curiosidade, tais números de grandeza inimaginável equivalem a outro famoso número da matemática, o “googol”, que é 10100 (1 seguido de 100 zeros). A invenção de seu nome é do Milton Sirotta, com 9 anos na época, a pedido de seu tio o matemático Edward Kasner.
Porém, apesar de grande, o googol não chega nem perto de outra invenção do jovem Milton que é o incomensurável “googolplex”. Esse número é um 10 elevado a um “googol”, ou seja, um 10, elevado a um 10 elevado a um 100. Os cientistas não consideram esse número verdadeiramente inimaginável à toa. Isso porque estima-se que não haveria material suficiente para escrevê-lo, mesmo que transformando toda a matéria do universo em papel e tinta. E mesmo que isso fosse possível, ainda assim, não haveria tempo suficiente para escrevê-lo manualmente, dentro do intervalo transcorrido do Big Bang até agora. Um papel com o googoplex escrito nem caberia no universo.
A fonte dessa informação, como não poderia deixar de ser, é o Google (não apenas no famigerado Wikipedia, mas confirmada em outras fontes científicas de maior prestígio e mais fidedignas). Aliás, falando nele, o nome Google é uma uma variante, em homenagem ao nome desse famoso número.
Imagem Goggle: Googolplex
Retornando ao tema, seguem alguns exemplos de jogos abstratos: Xadrez, GO, Damas, Gamão, Dominó, Trilha, Azul, Mahjong, Jogo Real de Ur, Hive, Abstratus, Hnefatafl, Tuki, Mancala, Super Senha, Senet, Reef, Genial, Teseu, Quoridor, Ubongo, Onitama, Reversi, Abalone, Quarto, etc
Por fim, esses são alguns dos principais tipos de jogos, apresentados no sentido de auxiliar os novos jogadores a compreender, um pouco melhor, esse maravilhoso hobby, dos jogos de tabuleiro modernos.
Um forte abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
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