8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2
Imagem Ludopedia: Coup
Esse texto “8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2”, é o oitavo, de uma série de textos, contendo dicas para boardgamers iniciantes, no sentido de ajudar quem iniciou no hobby dos board games recentemente, e também propor um ponto de reflexão aos boardgamers mais experientes. Quem tiver o interesse de ler os textos anteriores, basta acessar os links abaixo:
1ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça Melhor o Hobby
2ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Caixas
3ª Dica P/ Novos Jogadores – 7 Cuidados ao Iniciar nos BGs
https://maxiverso.com.br/blog/2022/12/27/3a-dica-p-novos-jogadores-7-cuidados-ao-iniciar-nos-bg/
4ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça a Arte/Design dos Jogos
https://maxiverso.com.br/blog/2023/01/06/4a-dica-p-novos-jogadores-conheca-a-arte-design-dos-jogos/
5ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Peças
https://maxiverso.com.br/blog/2023/02/26/conheca-os-tipos-de-pecas/
6ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Tabuleiro
https://maxiverso.com.br/blog/2023/03/10/conheca-os-tipos-de-tabuleiros/
7ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – 1ª parte
https://maxiverso.com.br/blog/2023/04/18/elementos-abstratos-dos-jogos/
Conforme explicado no texto anterior, o tema elementos abstratos dos jogos foi dividido em dois textos (o sétimo e o oitavo dessa série), porque um único texto acabaria ficando excessivamente extenso, devido à complexidade e abrangência do tema.
Dessa maneira, o sétimo texto abordou as regras, a temática, a preparação (setup), a duração, a originalidade, e a curva de aprendizagem, enquanto que nesse oitavo texto os aspectos abordados são a quantidade de jogadores (downtime e analizys paralizys), a rejogabilidade, o balanceamento, a complexidade, a aleatoriedade, a interatividade, e a punitividade.
Do mesmo modo, aquilo que foi estabelecido no texto anterior, em relação aos exemplos e citações dos jogos, continua valendo para esse. Por isso, os jogos citados, atendem mais ao critério da facilidade de compreensão, por parte dos jogadores iniciantes. Por isso os jogos citados são os mais comuns e mais acessíveis, em detrimento de jogos mais adequados aos exemplos, porém mais obscuros, e menos conhecidos.
QUANTIDADE DE JOGADORES (DOWNTIME E ANALIZYS PARALIZYS)
O primeiro elemento abstrato a ser comentado é a quantidade de jogadores, que como não poderia deixar de ser, refere-se ao mínimo e máximo de pessoas, que o jogo comporta. Nesse quesito é bom lembrar que o fato do jogo comportar uma determinada quantidade de jogadores, não quer dizer necessariamente, que esse número máximo é o mais indicado. É comum, principalmente nas resenhas sobre os jogos, que seja indicada a quantidade ideal de jogadores. Isso porque uma quantidade maior do que aquela indicada, mesmo que dentro do limite máximo de jogadores, pode acarretar dois problemas, o “Donwtime” e a “Analizys Paralizys” (AP).
O “donwtime” é o tempo que demora, para que um jogador volte a jogar, após todos os demais terem jogado. Para se ter uma idéia, basta imaginar uma partida de WAR, com seis jogadores, em que cada um demore 5/6 minutos em cada jogada. Isso quer dizer que cada jogador demorará meia hora, para jogar novamente. Com isso, em uma partida de 2,5 horas de duração, cada jogador só conseguirá jogar em média 5 vezes. E olhe que o WAR é um jogo com uma única ação possível, atacar esse ou aquele território, no seu turno, e se defender no turno dos outros. Uma partida com vários jogadores teria um donwtime muito maior, no caso de jogos complexos como Terra Mystica ou Mage Knight, com muito mais ações.
Imagem BGG: Mage Knight: Edição Definitiva
Claro que passar horas (algumas vezes muitas horas) ao redor de um tabuleiro, não é nada incomum, principalmente se for um jogo que a pessoa gosta. Se não fosse assim, o Twilight Imperium, que possui relatos de partidas de 8, 10 e até 12 horas, não teria uma base de fãs tão grande. Porém, jogar uma partida de um jogo, que a pessoa goste mais ou menos, e ainda ter de esperar uma eternidade pela sua vez novamente, é uma história muito diferente. Nada é pior do que aquela agonia calada, para a partida terminar logo, e o grupo poder jogar outra coisa, quando um ou dois amigos estão empolgados com o jogo, e não se quer desapontá-los.
É interessante notar que o downtime foi uma provável influência para os jogos euros, mais complexos, se destinarem a poucos jogadores (normalmente 4 no máximo). Dessa forma, a idéia era limitar a quantidade de jogadores, para que cada um tivesse mais tempo para pensar em suas jogadas, sem aumentar demasiadamente o tempo de duração da partida. Outro fator a se considerar, no caso da Europa, foi a redução da densidade demográfica e a diminuição do tamanho das famílias. Isso ocorreu especialmente no período pós-guerra e durante a Guerra Fria. Desse modo, para uma família composta por pai, mãe, filho e filha (uma configuração familiar muito comum nessa época e após). Assim, um jogo para quatro jogadores atendia muito bem a necessidade por distração, para os longos períodos de reclusão, durante os rigorosos invernos europeus.
Imagem Ludopedia: Lords of Waterdeep
Outro problema, que pode ser muito agravado, por uma quantidade maior de jogadores, é a “analisys paralizys” (AP) ou paralisia de análise. Ela acontece quando um jogador praticamente “para o jogo” e leva muito mais tempo que o normal, para fazer a sua jogada. Nesse caso, o jogador fica buscando o melhor lance possível, dentro das condições apresentadas. Isso pode literalmente estragar uma partida, porque aumenta tanto o downtime, que as pessoas podem até perder completamente o interesse no jogo. Quando isso ocorre com um jogador já é ruim, mas quando acontece com dois ou mais, aí a jogatina fica inviável.
Um exemplo disso é o Lords of Waterdeep, um dos melhores jogos de alocação de trabalhadores já feitos até hoje. O jogo é realmente muito bom, mas quando se joga com um número maior de jogadores, os espaços começam a ficar muito apertados. Com isso, cada jogador começa a fazer contas demais, na hora de jogar, para conseguir encaixar as poucas possibilidades disponíveis, na sua estratégia. Isso aumenta consideravelmente o downtime.
A paralisia de análise é mais comum no caso de todos os jogadores do grupo ainda estarem aprendendo as regras do jogo. Por isso, no caso de jogos mais complexos, o mais recomendado é que haja pelo menos uma pessoa que conheça as regras. Outra possibilidade é que alguém jogue antes com um jogador mais experiente, aprenda corretamente as regras e depois passe para o restante do grupo. Caso o jogo já tenha versão digital no Steam, além de ser bem mais barato, também é uma ótima forma de aprender a jogar.
Imagem Ludopedia: Viticulture
Por último, em relação à quantidade de jogadores, é preciso destacar que alguns jogos possuem variáveis para jogos solo. Isso é muito útil, quando não há ninguém com quem jogar, como ocorreu no caso do isolamento social, durante a pandemia de COVID19.
E quando se fala em partidas solo, não se pode deixar de falar nos “automas”, que são mecanismos dos jogos que simulam outros jogadores. Normalmente estes mecanismos são do tipo baralho de cartas, em que as ações do adversário são sorteadas dentro de um maço de cartas. Há também automas que funcionam através de instruções específicas que devem ser seguidas, e adaptações das regras. Entre os jogos com o mecanismo de automa merecem destaque o Projeto Gaia, o Scythe, o Viticulture e o Everdell.
Imagem Ludopedia: Projeto Gaia
Outra inovação, referente à quantidade de jogadores, foram os aplicativos lançados para alguns jogos, que substituem a função do “overlord”. Em alguns jogos, um dos jogadores precisava ser o “overlord”, ou seja, exercer o papel do próprio jogo. O Overlord controla as peças, fazendo o papel do vilão, contra o qual os jogadores disputam a partida.
Por um lado é possível enquadrar o uso do aplicativo em um cenário “jogo com automa”. Nesse caso se considera que o “overlord” é outro jogador, que tenta ganhar o jogo através da derrota dos outros jogadores. Por outro lado, é possível argumentar, que nesse caso o “Overlord” não seria outro jogador, mas sim o próprio jogo contra o qual se joga. Tudo vai depender da natureza, que se atribui ao overlord.
Quando o papel do overlord tinha de ser exercido por uma pessoa, isso ficava mais claro, ou seja, ele era mais um jogador. No entanto, essa distinção deixou de ser tão evidente, quando o papel do overlord passou a ser exercido pelo aplicativo. Essa diferença é muito marcante para quem teve a oportunidade de jogar as diferentes edições do Descent ou do Mansions of Madness. Nas primeiras edições se jogava contra um Overlord de “carne e osso” e posteriormente contra um overlord, na versão “digital”.
REJOGABILIDADE
A rejogabilidade é a característica que um jogo possui de ser jogado repetidamente, e ainda manter o interesse do jogador. A rejogabilidade pode variar de uma única vez, até uma quantidade infinita de vezes. Ela funciona mais ou menos como se fosse uma vida útil relativa do jogo. Quando essa vida útil termina para uma pessoa, o jogo pode ser repassado para outra, e essa vida útil se reinicia, com o novo jogador.
É importante notar que rejogabilidade tem muito mais a ver com o design do jogo, do que com sua complexidade. O “Xadrez” é um jogo complexo, enquanto “Damas” é um jogo simples, e apesar de “Xadrez”, pelo menos na teoria, ter um rejogabilidade maior que “Damas”, decorrente da maior variação de movimentos, ainda assim, “Damas” pode ser jogado quase que infinitamente. O mesmo se pode dizer do “GO”, do “Mahjong”, do “Dominó” ou do “Gamão”.
Isso também se aplica à maioria dos jogos de cartas (Bridge, Pôquer, Buraco, Bacará, Sueca, etc). A rejogabilidade também está fortemente associada ao gosto pessoal do jogador. Por outro lado, existem jogos que só podem ser jogados uma quantidade limitada de vezes. Já outros jogos só se joga uma única vez, porque quando se sabe o final, jogar novamente perde um pouco a graça. Esse são os jogos do estilo “Legacy”, e do tipo “Escape Room”, melhor explicados a seguir.
Imagem Google: Go
Para facilitar a compreensão, basta pensar nos jogos “Detetive” e no “Scotland Yard” da Grow. No caso do Detetive, a rejogabilidade é infinita, porque a cada partida você tem uma resposta diferente. Portanto, as pessoas podem jogar esse jogo quantas vezes quiserem. O mesmo não ocorre em relação ao Scotland Yard. Isso porque o jogo possui uma quantidade finita de casos, que devem ser descobertos. A quantidade de casos varia entre 60 e 120, dependendo da edição do jogo. Obviamente, o “Scotland Yard” possui uma base de fãs muito grande, e uma comunidade bem ativa, na internet. Com isso é possível encontrar casos inéditos, escritos pelos fãs, o que aumenta a rejogabilidade do jogo.
De um modo geral, quanto mais abstrato, maior será a rejogabilidade do jogo. Nesse sentido, normalmente os jogos “euro” (mais estratégicos e mais focados no gerenciamento de recursos, negociação) têm uma rejogabilidade alta. Já os jogos “ameritrash” (mais focados no tema, com miniaturas, tabuleiro no estilo masmorra e com missões a cumprir) têm rejogabilidade um pouco menor.
Desse modo, um jogo euro como “Stone Age” pode ser jogado quantas vezes o jogador quiser, explorando diversas estratégias para tentar vencer o jogo. Nesse caso, cada partida é uma nova partida. Por outro lado, jogos “ameritrash”, podem ou não (isso não é uma regra) ter uma quantidade determinada de missões a serem cumpridas ou histórias a serem vividas. Um desses casos é o “Zombicide” que vem com uma quantidade certa de missões e configurações, com diferentes níveis de dificuldade. No entanto, em alguns jogos desse tipo, os jogadores nem sempre se incomodam de repetir uma mesma missão, principalmente se não conseguiram completá-la de primeira.
Imagem Ludopedia: Mansions of Madness
Além disso, da mesma forma que no Scotland Yard, existem diversos fóruns especializados e grupos na Internet, que produzem novas missões para o Zombicide. Portanto, apesar do número de missões ser finito, ao menos em tese, a probabilidade de alguém esgotar todas elas é muito remota. O mesmo se aplica ao Mansions of Madness com as missões dos fãs no aplicativo Valkrye.
Alguns jogos apostam em menos partidas, mas com maior profundidade, como é o caso do “Detective: O Jogo da Investigação Moderna”. Ele vem com apenas seis casos para serem resolvidos, mas que simulam muito de perto uma investigação criminal real. Outro jogo que segue essa linha, poucas missões com bastante imersão é o Sword & Sorcery. Esse é um jogo de fantasia medieval, com exploração de masmorras, bem ao estilo ameritrash. Ele vem com apenas seis missões, mas que são fenomenais. Nesse caso, o jogo também conta com mais missões na internet, mas quase sempre em inglês.
Ainda quanto à rejogabilidade merecem destaque os jogos “legacy”, que é um estilo de jogo, baseado em uma série de partidas encadeadas, formando uma campanha. Desse modo, o que acontece ao final de uma partida é transportado para o início da partida seguinte. Os dois exemplos mais emblemáticos desse estilo são o “Risk Legacy”, que foi o primeiro jogo desse estilo, e o “Pandemic Legacy”, que popularizou e deu fama a esse tipo de jogo.
Em uma partida do “Pandemic” normal, ou os jogadores ganham e curam as doenças, ou eles perdem e o jogo ganha. Mas em uma partida de Pandemic Legacy, quando uma partida acaba, as condições do final dessa partida, seja uma derrota ou vitória, influenciam diretamente no início da partida seguinte. Assim os jogadores só saberão se ganharam ou perderam ao final da campanha.
Imagem BGG: Pandemic Legacy
Vale destacar, que as campanhas de jogos legacy podem durar muito tempo, até mesmo meses ou anos, dependendo da quantidade de vezes por mês, que o grupo se reúne para jogar. Por isso, dificilmente uma pessoa vai jogar repetidas vezes a versão legacy de um jogo. Além disso, ele já saberá de antemão, o que acontecerá ao longo da partida, o que tira um pouco a graça. Além disso, outra característica polêmica dos jogos legacy é que esse tipo de jogo prevê a destruição de alguns de seus componentes. Isso decorre do fato da idéia ser jogar uma única vez, muito embora isso não seja obrigatório.
Esse assunto é muito polêmico porque as pessoas que são a favor, argumentam que se isso não for feito, os jogadores não terão a verdadeira experiência, que um jogo legacy pode proporcionar. Já os que são contrários, argumentam que os jogos vendidos no país são muito caros para serem tratados de forma tão descartável.
Além disso, mesmo que o jogo seja originalmente elaborado para jogar uma única vez, nada impede que uma pessoa decida tornar a jogá-lo dois ou três anos depois, apesar de já conhecer previamente alguns dos acontecimentos do jogo. Isso sem falar que se as peças não forem destruídas, é possível revender o jogo para pessoas que ainda não tenham jogado.
Imagem Ludopedia: Gloomhaven
Outro jogo que merece destaque nesse quesito, e que mesmo não sendo vendido como um jogo legacy, acaba tendo um efeito parecido, é o aclamado Gloomhaven. Isso se deve ao tamanho da campanha total do jogo. Nele os jogadores vão evoluindo seus personagens ao longo de mais de 80 missões, de modo a simular um RPG tradicional. Evidentemente, muitos “RPGistas” mais tradicionais discordam veemente dessa afirmação. Dessa forma, se um grupo jogar religiosamente uma partida por semana, o que é bastante razoável, ainda assim eles demorarão um ano e meio, para fechar toda a campanha. Isso torna bastante reduzida a possibilidade de se jogar toda a campanha várias vezes.
Outra diferença, em relação aos jogos legacy genuínos, é que no Gloomhaven não há destruição de componentes, até porque o jogo custa caríssimo, acima de R$ 1.000,00, possuindo assim, um alto valor de revenda, mas para isso é preciso estar completo.
Imagem Google: Exit, Deckscape, Unlock, e outros
Para terminar esse item da rejogabilidade, existem no mercado os jogos do tipo “escape”, que procuram simular os jogos de “escape room”. Nesse tipo de jogo, os jogadores ficam trancados em uma sala, e precisam desvendar códigos, quebra-cabeças e enigmas, para conseguir sair, antes que o tempo acabe.
Os jogos mais conhecidos desse tipo são os das séries Exit, Deckscape e Unlock. Esses são jogos bem mais baratos que os jogos legacy, e realmente não dão muita escolha aos jogadores a não ser destruir os componentes. Assim, “jogos escape” possuem uma rejogabilidade zero, pois só podem ser jogados uma única vez. Mesmo que se consiga outra cópia, o jogador já vai saber as respostas para os enigmas, o que tira toda a graça do jogo. Nesse quesito jogos escape e legacy são muito parecidos.
Outra diferença é que nos jogos tipo “escape”, a partida normalmente é pensada para uma única noite de jogatina, sendo absurdamente mais curta que uma campanha legacy. Portanto saber algum enigma de antemão, em um jogo “escape”, tem um efeito muito maior, do que nos jogos tipo legacy.
BALANCEAMENTO
O balanceamento é outro elemento muito importante nos jogos de tabuleiro, que está diretamente ligado ao equilíbrio do jogo. O primeiro aspecto que vem à mente quando se fala em balanceamento é a distribuição igualitária, de possibilidade de vitória, para todos os jogadores. Em outras palavras, em um jogo balanceado, todos os jogadores devem ter a mesma chance de ganhar, independente da posição no tabuleiro, da ordem de turno, e dos personagens com que ele esteja jogando. Isso vale inclusive nos jogos cooperativos, mas de forma diferente, porque nesse caso todos os jogadores ganham ou perdem juntos.
Em jogos cooperativos, o balanceamento se reflete em iguais oportunidades de contribuir para a vitória do grupo. Assim sendo, se em um jogo cooperativo, um jogador contribui muito mais para a vitória, não porque jogue melhor, mas sim porque seu personagem é mais forte e poderoso, então o jogo é desbalanceado.
Evidentemente, um bom balanceamento é algo muito difícil de alcançar, e que se complica ainda mais, quanto maior a quantidade de variáveis acrescentadas ao jogo. Talvez o melhor exemplo disso seja o card game “Magic: The Gathering”. Desde o início dos torneios, algumas cartas foram banidas, ou sua quantidade diminuída dentro dos baralhos, para que as partidas ficassem mais equilibradas.
O próprio “Xadrez”, que aparentemente tem um balanceamento muito forte, possui o desequilíbrio das peças brancas começarem primeiro. Com isso, as peças brancas têm um tempo a mais, forçando as pedras pretas a se defenderem inicialmente. Apesar disto, existem alguns tipos de desenvolvimentos capazes de anular ou minimizar essa vantagem inicial das peças brancas, de modo a equilibrar o jogo.
Imagem BGG: Magic: The Gathering
O WAR é outro caso clássico de desbalanceamento, isso porque normalmente o ultimo jogador do turno, joga com ampla desvantagem. Isso fica mais evidente em partidas com seis jogadores. Provavelmente, o último jogador do turno será tão atacado, que seu exército terá uma substancial redução de força. Essa característica torna muito difícil a recuperação e conseqüente vitória do último jogador ao final da partida.
Outra questão referentemente ao balanceamento é o famoso caso dos jogos com “script”. Em jogos assim, se um jogador, não fizer aquela exata seqüência de ações (o tal do script), no momento certo e na ordem certa, dificilmente ele conseguirá ganhar dos jogadores que agirem assim.
Alguns jogos consagrados, e muito bons, sofrem com esse tipo de problema, como o “Terra Mystica” e o “Lisboa”. Até mesmo o “Scythe” que conta com uma grande variabilidade inicial, dependendo da configuração do tabuleiro base, conforme reza a lenda, algumas facções levam grande vantagem. Obviamente nem sempre isso é tão aparente, porque é preciso contar com uma série de variáveis. Essas variáveis envolvem jogar com um mesmo grupo de pessoas, em que cada um jogará com a mesma facção e fará exatamente as mesmas jogadas.
Imagem Ludopedia: Rising Sun
Por outro lado, temos o Rising Sun, que é um jogo ambientado no Japão Feudal, para até 5 jogadores, que dura três rodadas. Em cada uma das rodadas, o primeiro jogador é uma pessoa diferente, por isso, em uma partida com 5 jogadores, 2 pessoas não terão a oportunidade de iniciar a rodada. Em teoria, isso deixaria o jogo desequilibrado. Porém as habilidades diferentes dos jogadores servem para mitigar o fato dos dois últimos não iniciarem o turno. Essa é uma forma de tornar o jogo mais equilibrado.
Outro jogo que usa um mecanismo de balanceamento, digno de nota, é o Kingdomino. Nesse jogo são abertas quatro peças ordenadas de 1 a 4. As peças menos valiosas ficam em cima e as mais valiosas ficam em baixo. Essa ordem de valor determina quem escolherá primeiro, no turno seguinte. Portanto, o jogador que pegar a peça mais valiosa nesse turno (a quarta peça de cima para baixo), será o último a escolher no turno seguinte, e vice-versa. Desse modo, os jogadores precisam avaliar se aquela quarta peça, desse turno, é suficientemente importante, a ponto de compensar ser o último a escolher no turno seguinte.
Além desses, existem diversos outros exemplos de jogos que utilizam mecanismos, para tentar colocar todos os jogadores o mais próximo possível da igualdade de condições de vitória.
COMPLEXIDADE
A complexidade está diretamente ligada à quantidade de ações disponíveis, de elementos do jogo, e de variáveis e variantes que requerem atenção do jogador, durante a partida. Normalmente a complexidade é representada por uma medida chamada “peso” do jogo, de modo que os jogos mais pesados são mais complexos, enquanto que os mais leves são mais simples.
Nesse aspecto é bom observar, que a complexidade pode não estar muito aparente. Desse modo, um jogo pode ter uma mecânica simples a priori, mas em decorrência de seus outros componentes, se tornar muito mais complexo do que pode parecer, em uma primeira olhada. Um jogo assim é o Agricola, que inicialmente parece ter ser bem simples, mas que vai complicando, principalmente por conta das cartas.
Imagem BGG: On Mars
Evidentemente, o peso de um jogo é bastante relativo, e depende muito da pessoa que está avaliando, seu gosto pessoal, seu tempo de hobby, etc. Por isso, do mesmo modo que algumas vão considerar o Agrícola um jogo pesado, outras pessoas vão discordar e sugeri-lo como “gateaway”, ou jogo preparatório, para outros mais pesados. Outro “pomo da discórdia”, em relação a peso, é o “Stone Age”, que alguns consideram um euro leve, enquanto outros o consideram um euro médio. Portanto essa classificação depende muito de cada pessoa.
Para auxiliar, em relação a essa questão de determinação do peso do jogo, o site BGG atribui notas, que variam de 1 a 5 pontos. Quanto maior a nota, mais pesado é o jogo. Em relação às categorias, elas podem variar bastante, utilizando desde divisões pessoais, até algumas das categorias de peso do boxe. Para não complicar muito, talvez a melhor e mais simples divisão seja considerar apenas as categorias leve (1 a 2,25 pontos), médio (2,26 a 3,99 pontos), e pesado (4 a 5 pontos). Assim sendo, se diminui gradativamente o intervalo da categoria mais leve para a mais pesada. Com isso, somente são considerados pesados aqueles jogos que realmente tenham um peso maior. Dessa forma, uma das possíveis divisões seria essa:
– JOGOS LEVES (1 a 2,25 pontos);
Exemplos: Lhama (1,05), No Thanks (1,14), Pega em 6 (1,21), Kingdomino (1,21), Dixit (1,22), Codenames (1,29), Coup (1,41), King of Tokyo (1,49), The Resistance (1,61), Azul (1,76), Ticket to Ride (1,85), Carcassonne (1,91), Masmorra: Dungeons of Arcadia (2,24),
– JOGOS MÉDIOS (2,26 a 3,99 pontos);
Exemplos: Catan (2,32), 7 Wonders (2,33), Wingspan (2,42), Pandemic (2,44), Lords of Waterdeep (2,51), Stone Age (2,52), Arcadia Quest (2,53), Zombicide (2,54), Pandemic Legacy Season 1 (2,84), The Castles of Burgundy (3,00), El Grande (3,05), Terraforming Mars (3,24), Puerto Rico (3,28), Eldritch Horror (3,32), Clãs da Caledônia (3,46), Tigres & Eufrates (3,51), Arkham Horror (3,58), Twilight Struggle (3,59), Agrícola (3,64), Great Western Trail (3,71), Robinson Crusoé: Aventuras na Ilha Amaldiçoada (3,79), Caverna (3,79), Um Banquete à Odin (3,84), Brass: Lancanshire (3,86), Gloomhaven (3,86), Brass: Birmingham (3,91), Terra Mystica (3,96).
– JOGOS PESADOS (4 a 5 pontos).
Exemplos: Vinhos (4,21), Madeira (4,29), The Gallerist (4,29), Mage Knight (4,32), Projeto Gaia (4,35), Kanban EV (4,35), Twilight Imperium 4th Edition (peso 4,36), Through the Ages (4,40), Lisboa (4,56), On Mars (4,64).
Outra possibilidade seria manter as três categorias e dividir os 5 pontos o mais igualitariamente possível, ficando com jogos leves de 0 a 1,67 pontos, jogos médios de 1,68 a 3,34 pontos, e jogos pesados de 3,35 a 5 pontos. Isso modifica a forma de encarar os jogos acima, talvez acertando algumas distorções, mas criando outras. Além disso, essa classificação funciona apenas em termos gerais. Existem diversas discussões nos tópicos do site, no sentido de que o jogo X é mais pesado que o jogo Y, embora a classificação do BGG diga o contrário. No fim das contas, essa continua sendo sempre uma classificação extremamente pessoal.
Imagem Ludopedia: Agricola
Também é preciso destacar que, entre alguns jogadores veteranos, existe certo preconceito em relação aos jogos mais leves. É como se eles fossem piores, do que os jogos mais pesados, ou como se o fato de gostar de jogos mais pesados tornasse uma pessoa “mais inteligente”, do que as que gostam de jogos mais leves. Desnecessário citar que isso é uma bobagem sem tamanho e sem nenhum fundamento. Basta dizer que designers consagrados também fazem jogos leves. Esse é o caso de Reiner Knizia, um dos melhores designers de todos os tempos e que dispensa maiores apresentações. Só para reforçar o argumento o Dr. Knizia é o designer do mais leve dos jogos listados acima.
Por outro lado, Vital Lacerda é outro excelente designer, mas que se especializou em jogos pesados. A maioria dos jogos dessa categoria listados acima são dele. Mas isso de forma alguma quer dizer, nem que Vital Lacerda é melhor que Reinier Knizia, nem que Reinier Knizia é melhor que Vital Lacerda. Do mesmo modo, não significa que algum dos dois seja melhor que Bruno Cathala, Jamey Stegmaier, Wolfgang Kramer, Michael Kiesling, Stefan Feld ou Eric Lang, que possuem jogos de destaque mais voltados para a categoria peso médio.
Assim sendo, não existe “esse designer é melhor do que aquele”, pura e simplesmente, ou “jogo pesado é melhor do que leve”. O que existe é o gosto pessoal de determinada pessoa, para a qual, aquele designer é melhor do que esse, ou jogo pesado é melhor que leve, e vice-versa.
Imagem Ludopedia: King of Tokyo
É preciso considerar também que em muitos casos, uma pessoa pode achar um determinado jogo leve, melhor e mais divertido, do que um mais pesado. Isso tem muito mais a ver com o próprio jogo em si, do que com o fato dele ser leve ou pesado. Portanto, ressalvado os gostos pessoais tanto por jogos leves, médios, ou pesados, não faz o menor sentido dizer que um é melhor do que o outro, em termos gerais. Nesse caso sempre vale a pena citar o Tom Vassel, um dos maiores especialistas de board games do mundo, que, no entanto, tem como um dos jogos preferidos o King of Tokyo, que é levíssimo.
Outro indicativo, baseado em dados objetivos, de que peso maior não necessariamente implica em jogo melhor, é o ranking geral do BGG. O jogo que ficou mais tempo no patamar mais alto do BGG, como melhor board game do mundo, foi o Puerto Rico. Esse jogo tem um peso de 3,27, bem longe dos jogos considerados pesados, mas ficou em 1º lugar no BGG por mais de 7 anos e meio. Os outros dois, que chegaram mais perto (5 anos cada um), foram o Gloomhaven (peso 3,89) e o Twilight Struggle (peso 3,60), mais pesados, porém ainda abaixo dos 4 pontos de peso no BGG. Dificilmente algum outro jogo alcançará estas marcas, independente do peso.
Também é preciso levar em conta que como as classificações são subjetivas, e algumas pessoas gostam de colocar seus jogos preferidos, entre os pesados, para justificar que gostam de “jogos melhores”, é possível encontrar pessoas que defendam que os jogos pesados são acima de 3,75 pontos do BGG.
Imagem Ludopedia: Caverna
Com essa alteração, dentre os jogos listados como médios, passariam a ser pesados: Robinson Crusoé: Aventuras na Ilha Amaldiçoada (3,79), Caverna (3,79), Um Banquete à Odin (3,84), Brass: Lancanshire (3,86), Gloomhaven (3,86), Brass: Birmingham (3,91), Terra Mystica (3,96).
Mas ainda assim, diversos jogos com grande base de fãs, continuariam sendo considerado médios, tais como: Tigres & Eufrates (3,51), Arkham Horror (3,58), Twilight Struggle (3,60), Agrícola (3,64), Great Western Trail (3,71). E aí vem a questão, nesse critério, dois jogos que são muito similares e sempre muito comparados, Agrícola e Caverna, ficariam em categorias distintas de peso, por conta da fixação arbitrária de um número de corte (Agrícola seria jogo médio e Caverna jogo pesado, o que implicaria no segundo ser melhor que o primeiro)?!?!
Nesse caso, outra pessoa pode vir e propor, que na verdade jogo pesado é a partir de 3,5 no ranking do BGG, para acomodar o Agrícola na categoria. Dessa forma, todos os jogos listados, a partir do “Tigres & Eufrates” passariam a ser pesados, mesmo que muitas pessoas considerem tanto esse último, quanto alguns outros, muito mais próximos da categoria de peso médio. Como dá para ver, a questão é muito mais subjetiva do que parece a princípio. No fim das contas o quesito “peso” é apenas uma medida do grau de complexidade do jogo e nada mais. Só que isso ainda é relativo. O que pode ser considerado complexo para uma pessoa, pode não ser para outra.
ALEATORIEDADE
A aleatoriedade diz respeito ao peso que o fator sorte tem, não apenas na determinação do ganhador, mas também no próprio desenrolar do jogo. Uma das características mais marcante entre os jogos euros, ou do “estilo europeu”, é a prevalência da estratégia sobre a sorte. A importância da sorte, principalmente pelo rolamento de dados é uma característica muito mais relevante nos jogos norte-americanos ou ameritrash.
Segundo o estilo de jogo euro, o jogador com a melhor estratégia e que conseguir executá-la da forma mais eficiente, certamente será o ganhador da partida. Portanto, nesse raciocínio premia-se a melhor estratégia e a melhor execução. Muitos jogos são assim até hoje, e é possível até perceber certo preconceito em relação ao uso do fator sorte, como se isso fosse algo necessária e totalmente ruim.
Em muitas resenhas de jogos é comum encontrar comentários do tipo, “o jogo X envolve alguns lançamentos de dados ou sorteio de cartas, mas há também diversos mecanismos para mitigar o peso do fator sorte…”. Isso faz até algum sentido, porque, para um bom jogador, é complicado e difícil de aceitar, perder uma partida em que ele jogou melhor durante o tempo todo, porque na última rodada, outro jogador recebeu cartas melhores, ou conseguiu um resultado melhor nos dados.
Basta imaginar o quão frustrante deve ser, um jogo de “Pôquer”, em que o adversário, recebe cartas muito melhores, em todas as “mãos”, apenas porque teve mais sorte. É claro que dá para vencer, mas o jogo se torna muito mais difícil, e injusto, do que deveria ser.
Imagem Google: Cena do episódio “Dealer’s Choice” do seriado “Além da Imaginação” em que um grupo de amigos recebe um convidado “misterioso”, para um jogo de pôquer, mas ele sempre sai com uma trinca de 6 (6-6-6), em todas as mãos (youtube).
https://www.youtube.com/watch?v=uywyeteqgjw
Em relação a isso, é preciso esclarecer que não é possível suprimir completamente a aleatoriedade, porque logo de cara existe o problema de quem joga primeiro. Essa questão por si só já atrai alguma aleatoriedade, na medida em que a ordem do lance já dá alguma vantagem para o primeiro jogador. Por isso, nos torneios o normal é que os jogadores alternem as peças brancas e pretas ao longo das partidas.
Essa é uma discussão muito antiga do Xadrez, por exemplo, com diversas análises estatísticas de séries de partidas vencidas pelo jogador A contra o jogador B, jogando com as brancas, e vice-versa. Normalmente esse tipo de análise reflete mais os jogadores que jogam melhor com as peças pretas, do que a vantagem de se começar com as brancas, mas essa é outra questão que foge ao escopo do texto.
É claro que o fator sorte é praticamente nulo em jogos mais abstratos como Xadrez, GO, e Damas, em que os jogadores iniciam praticamente nas mesmas condições. No caso do Gamão, que inclui lançamento de dados, a condição inicial é a mesma, mas há um grande aumento do fator sorte. Essa aleatoriedade aumenta ainda mais, quando se considera os jogos de tabuleiro moderno, como é o caso das cartas sorteadas do Agrícola.
Por outro lado, existem jogos como o Puerto Rico, Torres, Terra Mystica, Hansa Teutonica, com bastante mitigação do fator sorte. Uma das formas de mitigar isso é fazer com que o início do turno seguinte passe para o próximo jogador no sentido horário. Com isso, quem jogou primeiro nesse turno, será o último no turno seguinte. Alguns jogos também concedem algumas vantagens para os jogadores que jogam depois, para compensar a vantagem do primeiro jogador.
Imagem Ludopedia: Hansa Teutonica
Apesar do público de jogos euro não apreciar muito a aleatoriedade, não há nenhuma dúvida de que ela cumpre um papel importante. Assim sendo, a aleatoriedade não é de todo ruim, desde que ela não seja preponderante no jogo. Se um jogo depender quase que unicamente da estratégia de cada jogador, logo nesse jogo a possibilidade de um jogador iniciante vencer um jogador experiente é quase nula. Nesse caso a aleatoriedade serve para equilibrar um pouco as chances de vitória.
No caso dos jogos com curva de aprendizagem mais alta, a questão da aleatoriedade é ainda mais grave. Em um grupo de jogo em que metade tenha experiência em um jogo, e a outra metade não, vai ficar complicado esse jogo ser escolhido nas jogatinas. Isso principalmente quando se sabe de antemão quem serão os prováveis vencedores da partida. Quando um jogo traz alguma aleatoriedade, isso aumenta, ao menos em tese, a possibilidade de chance de vitória por parte dos jogadores menos experientes, o que torna o jogo mais atraente, e mais fácil de “ver mesa”.
Imagem Ludopedia: Torres
Além disso, a aleatoriedade implica diretamente em outra questão muito importante que é a rejogabilidade, como demonstram esses dois exemplos a seguir. Um jogo clássico como Detetitve/Clue tem grande rejogabilidade, pois pode ser jogado novamente quantas vezes as pessoas quiserem. No início do jogo se sorteia as cartas que compõem o “mistério” (suspeito – arma – local), logo cada partida é uma nova partida. Essa grande rejogabilidade se deve, evidentemente, à aplicação da aleatoriedade na escolha das “cartas resposta”, na partida seguinte.
O mesmo não ocorre, por exemplo, no jogo “Detective o Jogo da Investigação Moderna”, que não tem essa mesma aleatoriedade. Esse jogo possui apenas seis casos para se investigar, por isso sua rejogabilidade é muito baixa.
Carcassonne é outro jogo, que, como conta com o sorteio dos tiles, sua rejogabilidade é muito alta. Isso porque dificilmente em duas partidas, os tiles serão sorteados na mesma ordem e pelos mesmos jogadores, Assim, a rejogabilidade do Carcassonne depende inteiramente da vontade das pessoas em continuar jogando o jogo, quantas vezes quiserem, sem o perigo de repetir uma partida. Ainda no quesito rejogabilidade não se pode deixar de citar o Isle of Skye, quem tem a possibilidade de se jogar mais de 40.000 partidas diferentes, dependendo do sorteio dos tiles de pontuação.
Imagem Ludopedia: Detective o Jogo da Investigação Moderna
Outra coisa que o uso da aleatoriedade modifica, são aqueles jogos que já vem com um script ou estratégia pronta. Nesse caso, se o jogador não adotar aquela estratégia específica, ele terá poucas chances contra outros jogadores que fizerem isso. Um excelente jogo, mas que conta com aberturas praticamente obrigatórias com certas facções é o “Terra Mystica”, cuja aleatoriedade é mínima.
Nesse caso, a aleatoriedade fica quase que inteiramente no efeito que os lances dos outros jogadores terão sobre a partida. Entretanto, se houvesse um pouco mais de fator sorte, que adicionasse um pouco mais de caos à mistura, talvez as coisas ficassem mais interessantes. Mas não se pode deixar de considerar que a baixa aleatoriedade é justamente um dos atrativos do jogo, para quem não curte esse elemento. Nesse cenário adicionar a aleatoriedade ao jogo certamente o deixaria menos atraente para a sua base de fãs.
O fator sorte também introduz uma variável muito interessante e que emula uma característica muito comum da vida que são as situações imprevistas. A colheita de um lavrador pode ser muito boa ou excepcionalmente ruim, em determinado ano (turno). Naquela caçada os caçadores podem ter dado muita sorte e conseguido muita comida, ou não terem conseguido nada. Aquela colônia pode ter produzido muito, ou produzido pouco. Aquela campanha exploratória pode ter rendido uma grande expansão com pouco uso de recursos, ou pode ter utilizado muitos recursos e produzido uma expansão pífia.
Uma boa estratégia de jogo deve estar preparada para lidar com esse tipo de contingência. Se todo um planejamento pode desmoronar, ou for “colocado em cheque”, por dois lançamentos de dados ruins, ou ameaçado por duas compras de cartas não muito favoráveis, talvez seja hora de reavaliar, se essa estratégia era assim tão boa, logo de início.
Imagem Ludopedia: Arkham Horror
No caso dos jogos ameritrash, principalmente aqueles do estilo dungeon crawler (exploração de masmorra), a aleatoriedade faz parte da diversão. Isso se deve muito talvez ao fato deles terem surgido, como uma forma de traduzir em um jogo de tabuleiro, as aventuras vividas no RPG clássico tradicional. No RPG o rolamento de dados faz parte da própria essência desse tipo de jogo. Portanto, nesse caso não é tão ruim que uma vitória lendária ou uma derrota acachapante, sejam decididas em um único lance de dados. O que importa acima de tudo são as histórias, decorrentes das partidas, e mesmos as grandes derrotas, podem dar boas histórias. Exemplos de jogos assim são: o “Zombicide Green Horde”, o “Eldrich” e “Arkham Horror”, “Dead of Winter”, ou o “Betrayal at House on the Hill”.
Portanto, um jogo que dependa exclusivamente do fator sorte, e que não seja possível nem mesmo uma ingerência mínima pelo jogador, como é o caso dos jogos force a sua sorte (push your luck), onde ao menos se escolhe quando parar de jogar, obviamente um jogo desses será um jogo considerado inferior. O natural desenvolvimento do atual mercado de jogos modernos nem dá mais espaço, nem permite mais, o lançamento de um jogo com essas características.
Para o caso do mercado de jogos comuns, ou clássicos a história é outra. Não custa lembrar que Monopoly e WAR são muito dependentes de sorte, mas estão entre os jogos mais vendidos no nosso país. Porém, desde que usada com alguma parcimônia, elegância, inteligência e dentro do contexto do jogo, a aleatoriedade pode ser um elemento fundamental para o seu bom desempenho, e sua longevidade.
Imagem Google: Poker
Também entra na equação o apelo pessoal. Pessoas que não gostam de aleatoriedade vão dar preferência a jogos com a máxima mitigação do efeito do fator sorte. Já pessoas que não se importam tanto com isso, não terão o mesmo “prurido lúdico”. Enquanto muitos jogos hoje são criticados justamente por abusar do lançamento de dados, outros continuam sendo basicamente isso. Mas essa característica não os impede de fazer muito sucesso e ter boas avaliações, como é o caso do “King of Tokyo” (Tom Vassel que o diga). Isso demonstra claramente que essa questão diz muito mais a respeito da pessoa que avalia, do que do próprio jogo em si.
Um último pensamento sobre aleatoriedade e fator sorte. Obviamente que jogos como Poker e Blackjack vão muito além da aleatoriedade, apesar dela ser preponderante. Só que se a aleatoriedade fosse realmente tão ruim assim esses dois jogos de cartas não estariam entre os mais amados e mais jogados do mundo. Além do que, os finalistas da World Poker Series seriam sempre pessoas diferentes, o que não é o caso.
INTERATIVIDADE
A interatividade diz respeito ao quanto o jogo proporciona que os jogadores se relacionem uns com os outros durante a partida. Ela representa também o quanto as ações de alguém interferem nas ações dos outros. Isso implica na necessidade de formação de alianças, e de quanto as pessoas precisam influenciar as outras ou negociar com elas.
Imagem Ludopedia: Catan
Existem basicamente dois tipos de interação, a direta e a indireta. A interação direta é aquela na qual um jogador atua diretamente em relação ao seu oponente, cujos exemplos mais claros são o WAR, entre os clássicos e o “King of Tokyo” entre os modernos. Nestes jogos um jogador ataca diretamente a outro jogador. Mas a interação direta não se restringe apenas aos ataques, e principalmente nos jogos euros, é muito comum o uso da negociação como é o caso do Catan. A base desse jogo é a necessidade dos jogadores de trocarem seus os bens, de forma mais pacífica.
Alguns jogos vão além e se baseiam praticamente na interação, como é o caso dos jogos de blefe. Dentre esses se destacam o “Coup”, o “The Resistance”, “Spyfall”, “Mascarade” e o excelente “Deception Murder in Hong Kong”. Nesses jogos os jogadores precisam deduzir as cartas de seu oponente, ou desviar a atenção dos demais jogadores para longe de si, transferindo o foco para as outras pessoas.
Imagem Ludopedia: Munchkin
Em relação a interação, também não se pode deixar de falar de uma das mais divertidas mecânicas de jogos que é o “toma essa” (take that). Nessa mecânica, a idéia central é “sacanear o amiguinho”, e manipular os outros para não levar o troco. Nesse quesito, provavelmente nenhum outro jogo exemplifique esse tipo de interação com o já lendário “Munchkin”. Certamente hoje em dia ele é um dos jogos mais criticados, pela grande demora das partidas, e pelo jogo ter gosto de piada velha. Essas críticas são muito justas.
Porém, não se pode deixar de mencionar a importância histórica do “Munchkin”. Isso porque ele foi uma das principais portas de entrada no hobby, para muitas pessoas, principalmente em uma época em que as opções eram pouquíssimas. Se não fosse o “Munchkin” trazendo todo esse pessoal para os jogos de tabuleiro, possivelmente não haveria tanta gente para exigir novos jogos, e o mercado nacional não teria evoluído o tanto que evoluiu. Além disso, o Munchkin obviamente não é um jogo para ser levado a sério. Nesse jogo, o objetivo, mais até do que ganhar, na verdade é não permitir que o amiguinho ganhe, ou atrapalhá-lo o máximo possível, bem com dar boas risadas.
Mas não só de “Munchkin” vive o “Toma Essa”. Outros jogos de destaque nesse quesito são o “Survive: Fuga de Atlântida”, o excelente “Dead Man’s Draw”, com o tema pirataria. Há também o “Vudu” em que os jogadores jogam maldições umas nos outros (algumas muito engraçadas, como fazer o adversário ter de falar tudo rimado, para não perder pontos). Isso para não falar no “Colt Express”, com temática do velho oeste, onde a ação ocorre dentro de um trem em 3d.
Imagem Ludopedia: Colt Express
Nos jogos do tipo cooperativos, como não poderia deixar de ser, a inteiração é fundamental para que os jogadores consigam jogar e ganhar a partida. Nesse tipo de jogo, muito do que um jogador faz, depende diretamente daquilo que outro jogador pretende fazer. Portanto, os jogadores precisam combinar as melhores jogadas para o objetivo do grupo e interagir o máximo possível. É o caso de jogos como “Zombicide”, “A Ilha Proibida”, “Betrayal at House on the Hill”, “Capitão Sonar”, “Mansion of Madness”, “U-BOOT”, entre outros.
Já no caso da interação indireta, ela ocorre principalmente nos jogos de alocação de jogadores. Nesses jogos, um jogador às vezes ocupa o espaço correspondente a uma ação, porque ela é fundamental para a estratégia de seu oponente. Assim, ao bloquear a ação de seu oponente, um jogador consegue atrasar o desenvolvimento de jogo de seu adversário. Existem diversos jogos assim, tais como o “Stone Age”, o “Caylus”, “Russian Railroads”, e o nacional “Blacksmith Brothers”, entre outros.
Imagem Ludopedia: U-BOOT
Por fim, existem os jogos com pouquíssima interação, em que cada jogador fica muito mais focado no seu próprio jogo, como é o caso, por exemplo, do “Kingdomino”. Nesse jogo, salvo a questão da escolha das peças e determinação da ordem de escolha no turno seguinte, os jogadores pouco interagem. Outro exemplo é o “Esplendor”, cuja baixa interação ocorre apenas de forma indireta (quando um jogador escolha uma das jóias ou compra a carta que interessava a outro jogador). Há ainda, dignos de nota nesse quesito, os jogos “Race for the Galaxy”, e o “Lewis & Clark: A Expedição”.
PUNITIVIDADE
Essa característica está relacionada a quanto o jogo pune, ou prejudica a partida para um jogador, em virtude de jogadas ruins e estratégias equivocadas. Alguns jogos simplesmente não admitem erros, principalmente no início da partida. De modo que, se o jogador não se programar bem, dificilmente ele conseguirá se recuperar, e ter alguma chance real de ganhar a partida. Como não poderia deixar de ser, essa característica está mais relacionada com os jogos euros, cuja alma é o gerenciamento, seja de recursos, de facções, de exércitos ou do que for.
O que diferencia os jogos punitivos dos demais jogos euros, não é a existência de penalidades, mas sim a pouca margem de manobra e o reduzido espaço para erro. Um exemplo de jogo com punição, sem ser punitivo é o aclamado “Stone Age”. Nesse jogo, se o jogador não alimentar toda a sua tribo, ao final de seu turno, ele sofre uma penalidade de 10 pontos ao final do jogo. Mas isso não o torna punitivo, justamente porque um jogador pode não só aceitar essa punição, como também jogar baseado nela, usando a infame “estratégia da fome”.
Por tal motivo, não dá para considerar o Stone Age um jogo punitivo, na medida em que é possível utilizar a punição, prevista no jogo, para ganhar a partida. Essa “estratégia da fome” inclusive deu origem à “regra da casa” de que se a o jogador não alimentar toda a tribo ao final do turno, ele perde um de seus trabalhadores, conforme citado, no início do texto. Essa questão da punitividade também é muito discutível, porque alguns consideram alguns jogos punitivos, outros não. Esse é o caso dos famosos “Agricola” e “Caverna”, cuja sensação de punitividade varia de acordo com a opinião de cada pessoa.
Imagem Ludopedia: Stone Age
Por outro lado, existem jogos que punem as jogadas erradas de forma efetiva e muito dura (alguns dizem que em certos casos a punição é até excessiva). Dessa maneira, dois ou três turnos errados e a chance de vitória do jogador cai para quase zero. Alguns exemplos de jogos muito punitivos são, o “Through The Ages: Uma Nova História da Civilização”, “In The Year of te Dragon”, “Robinson Crusoé: Aventuras na Ilha Amaldiçoada”, entre outros.
É preciso ter muito cuidado ao apresentar jogos com essa característica para jogadores novatos. Isso porque não conseguir fazer nada, ou ter muita dificuldade em desenvolver uma estratégia, mesmo que equivocada, pode facilmente causar muita frustração e fazer com que as pessoas se afastem, ao invés de se interessarem pelo hobby. Por isso, o mais indicado é começar pelos jogos mais família, e depois de algum tempo passar para jogos mais complexos.
Por fim, esses são alguns dos outros principais elementos abstratos dos jogos, que complementam o texto anterior. Seu objetivo é auxiliar os novos jogadores a compreender um pouco melhor esse maravilhoso hobby, dos jogos de tabuleiro modernos.
Um abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
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acho que tem sim o aspecto tecnico puro pra avaliar jogos… independente de gosto pessoal
por exemplo, nao tem como dizer que War é melhor que Guerra dos Tronos… mesmo que vc goste mais do War! Guerra dos Tronos é infinitamente melhor, mas tem gente que ainda assim nao gosta ou prefere War, e ate ai tudo bem, mas é um caso em que nao importa qual vc mais goste, o War é inferior… o que o gosto define é o aspecto da categoria, por exemplo, o cara gosta mais de euro, de miniatura, de card game, ai sim nao tem melhor nem pior
que legal esse texto… ele evidencia ainda mais que os preconceitos sao todos infundados… jogo leve é pior que pesado, euro é melhor que amerigold, aleatoriedade é ruim, cooperativo é chato etc sao puro preconceito, nao caia nessa!
BGs sao espelho da sociedade, tudo nela é preconceituoso, qualquer esporte, segmento, tudo… ate profissoes!
Caro Verdugo
Você está coberto de razão, e um dos objetivos desse texto é justamente mostrar que não faz o menor sentido dizer que “aquele jogo é melhor que esse”, seja lá porque motivo for. O que existe é “”aquele jogo é melhor que esse, PARA MIM”. E aí entra a questão de gosto pessoal, que cada um tem o seu.
Claro que existe o ranking do BGG, que é elaborado com base nas preferências de uma infinidade de pessoas, para determinar qual é o melhor board game daquele período. Do mesmo modo, também existem diversos prêmios internacionais seríssimos, em que os melhores jogos são escolhidos por um júri, composto por pessoas que realmente entendem do assunto.
Mas apesar disso tudo, no final das contas, board game continua sendo uma área em que a experiência com o jogo e a preferência pessoal conta mais do que qualquer outra coisa. Só para ficar em um exemplo, Brass Birmingham é atualmente o jogo número 1 do ranking do BGG. Mas isso de forma alguma quer dizer que ele agradará a todas as pessoas indiscriminadamente. Pessoas que gostam de jogos mais leves, muito provavelmente vão preferir o Ticket to Ride, que é o número 213 do ranking, ao Brass Birmingham.
Por isso é fundamental experimentar cada jogo, , principalmente antes de comprar, para que se possa descobrir quais jogos te agradam mais, e quais jogos não agradam tanto.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio