Crítica: Coringa – Delírio a Dois

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Direção: Todd Phillips

Elenco: Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Catherine Keener, Zazie Beetz, Steve Coogan, Harry Lawtey, Leigh Gill,  Ken Leung, Jacob Lofland e Brendan Gleeson.

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Ao reler minha crítica sobre o filme anterior do Coringa, é perceptível que as mensagens que o filme trazia me cooptarem de maneira positiva. Ou seja, aquela força vingativa do personagem principal – ocasionada por traumas do passado, cuja imagem acabou sendo usada como símbolo contra o sistema opressor – me fez defender o filme quando discutia sobre ele e suas qualidades narrativas evidentes; não desmerecendo vertentes contrárias que ficaram incomodadas – corretamente – com certo niilismo irresponsável e possível imaturidade da proposta final de resolver tudo a base da anarquia.

Todavia, acredito que o tempo não precisará agir muito em Coringa: Delírio a Dois para termos uma posição consolidada, justamente porque o diretor Todd Phillips tentar explorar segmentos distintos sem necessariamente abraçar seus estados complexos em detrimento de uma obra que fica a esmo em sua ideia e ainda enfraquece seu antecessor que, a meu ver, já tinha criado um arco completo para seu protagonista.

Sendo assim, qual seria o ponto positivo do filme? A coragem do diretor nas inserções musicais, misturando isso com um filme de tribunal como palco para o desenvolvimento sobre o distúrbio, alegrias e desejos de Arthur Fleck /Coringa (Phoenix), aprofundado através do relacionamento com Lee /Arlequina (Gaga)? Pode ser.

Mas ainda tenho dúvidas, até porque, no final do filme, parece que Phillips acaba dando razão para questionamentos sobre suas decisões: se no primeiro discutia-se o Coringa como um arauto do caos, aqui o diretor tenta redimi-lo, admitindo um viés de culpa do protagonista ao assumir seus atos, mas acaba justamente criando um desfecho que vai de encontro a isso ao tornar a presença feminina como algo perverso; justamente algo que o celibatário involuntário do filme anterior conseguiu esconder. Seria como se dissesse no final do filme: viu como o Coringa é um fraco e facilmente manipulado? Ou, de novo, essa desmistificação seria um elogio pela dita coragem do diretor em mudar tudo e mostrar uma audácia narrativa? Não apostaria muito nisso.

Ademais, o fato de usar rápidas imagens do clássico musical A Roda da Fortuna seria com se tentasse compensar como referência para algum êxito aqui (aliás, se quiserem saber mais sobre o clássico musical, convido a ler sobre o texto linkado acima que escrevi com uma análise das cenas e seus significados). Eu gosto dos musicais, claro, mas independente do estilo (indireto quando fala dos bastidores, por exemplo, ou direto quando cantam dentro do cotidiano dos personagens) e por mais que o diretor abrace a causa (música), as sequências (sejam diálogos ou não) em nenhum momento são perceptíveis que ali realmente tem alguma intenção de usar aquele momento em sua plenitude.

Coringa_poster Crítica: Coringa - Delírio a DoisAté gosto do jeito em que o filme vai inserindo o contexto musical como, por exemplo, um plano plongee de guardas chuvas mudando de cor para contrastar o ambiente interno do personagem, um preso tocando clarinete até a chegada do grupo musical em que Arthur conhece Arlequina; mas de qualquer forma, os números soam simples e genéricos, principalmente em seu repertório que não chega a impactar tanto, principalmente ao apostar em canções reconhecidas para tentar criar alguma vantagem junto ao público como “Close to You” dos Carpenters ou “To Love Somebody” dos Bee Gees. Fora que o filme deixa aquela sensação (“Ah não, de novo?”) toda vez que Arthur e Lee começam a cantar/dialogar com o outro – algo que considero um problema quando se trata de musical.

Esse sentimento é prejudicial principalmente no ritmo do filme, pois quando estamos inseridos num momento de tensão, esse sensação é quebrada; isso acontece inúmeras vezes justamente pela falta dessa indecisão do filme em ser o que é. Fico até imaginando se o diretor realmente abraçasse a causa, criasse números elaborados, músicas contagiantes numa espécie de tragédia pessoal; e quase me puno ao pensar Coringa moldado por Tom Hooper de Os Miseráveis.

Iniciado (sem grandes consequências) com uma animação clássica da Looney Tunes ao trazer Coringa como um astro, cujo passado e violência não o deixam, o diretor já da a entender que pretende fugir logo de algum padrão que poderíamos esperar. Trazendo o personagem aprisionado em Arkhan – enquanto aguarda o julgamento dos crimes cometidos no filme anterior -, a prisão cujo tratamento dos guardas liderados por Brendan Glesson, a torna uma espécie de coxia de tortura para anteceder um grande ato teatral com pitadas de Estranho no Ninho. Assim como, o fato da direção criar uma tensa metáfora do julgamento como um picadeiro comandando não pelo juiz, e sim pelo palhaço com direito a um anão e a mocinha com um figurino representando uma inocente apaixonada.

Mostrando novamente de maneira inteligente uma Gotham City com ares retro (o que ironicamente funciona ainda melhor sem a presença de um Batman), a direção de artes procura sempre transformar os locais da prisão em espaços claustrofóbicos no limite da penúria, ao ponto que a fotografia de Lawrence Sher se mantém competente nos enquadramentos que vão criando rimas visuais com momentos importantes do filme (seja os repetidos planos dos corredores, ou outro momento em que Arthur esta deitado em um banco do carro antecipando essa mesma lógica no momento crucial do longa e até manter a figura do Coringa por vezes posicionado ao canto da tela conotando o estágio do relacionamento com Arlequina).

Ou quando não, somente temos alguma tomada externa já quase na metade do filme como alivio daquela opressão do personagem, a fotografia é eficiente também em seus jogos de luzes para transitar entre o mundo musical (como luzes de um palco de teatro) e o universo frio e sem vida de Arthur aprisionado (com a predominância de uma palheta de cores lavadas) e sua paixão por Lee (surgindo com cores mais iluminadas como dourado).

Já que chegamos a essa parte, a presença de Lady Gaga não decepciona. A dinâmica com Phoenix funciona: ele com a sua magreza e capacidade de impor uma vulnerabilidade e instabilidade ainda mais conflitante. Ao ponto que  a pop star sempre se mostrou intensa e não seria num filme como esse que ela sentiria deslocada. Inicialmente se apresentando insegura nas cenas musicais (devido ao contexto da personagem diante da trama, não da atriz em si), Gaga vai soltando “artisticamente” a personagem aos poucos, mesmo parecendo que seu papel seja visto apenas por suas habilidades musicais do que necessariamente capaz de algo mais denso, até porque o roteiro não se sustenta ; tanto que o filme precisa das tais inserções musicais para tentar estender as ações e emoções dos personagens.

Poderíamos chegar ao final do filme – abstraindo várias etapas, claro -, com algumas interpretações da direção onde o amor é superado pela necessidade de alimentar um ódio através da figura de um mártir que abriu mão da causa ao reconhecer sua própria personalidade, contrariando o seu surgimento. Enfim, Coringa: Delírio a Dois tenta ser idílico, mas acaba por ser tão instável e ambivalente (ou até mais) quanto a figura retratada.

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FB_IMG_1634308426192-120x120 Crítica: Coringa - Delírio a Dois

Rodrigo Rodrigues

Eu gosto de Cinema e todas suas vertentes! Mas não aceito que tentem rescrever a história ou acharem que Cinema começou nos anos 2000! De resto ainda tentando descobrir o que estou fazendo aqui!

2 thoughts on “Crítica: Coringa – Delírio a Dois

  1. Vi hj que o filme vai dar um preju pra Warner na faixa de 150-200 milhoes. Bem feito! Delicioso ver isso ocorrer. Tem que parar com essa de pegar diretor que diz que ta nem ai pros fãs ou pro material original. Igual o cara que fez aquela atrocidade de Mulher Gato com a Halle Barry. Ou o patetico que dirigiu Thor Amor e Trovao. Tem que se dar mal mesmo. E vale pra qualquer personagem nao so os de quadrinhos.

  2. Exercício de estilo do diretor, que ja se manifestou no sentido de “nao ta nem ai pro que os fãs da DC acham dos filmes dele”… sinceramente, nao entendo isso. Vai fazer um filme autoral entao, meu caro… mas nao, quer fazer um filme de personagem de quadrinhos mas nao quer agradar a base de fãs… é muita burrice rsrsrs morre ai com suas conviccoes entao, ze mane

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