Star Wars é ficção científica – Parte II – Analisando a saga de forma criteriosa

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Depois de vermos o que é ficção científica no capítulo anterior, podemos tratar da grande celeuma que ocorre quando os fãs de sci-fi hard categorizam Star Wars como uma fantasia. Os que partilham dessa opinião de forma ‘mediana’, atenuam um pouco as coisas e classificam a saga da Força como uma “ficção fantástica”, mas de forma pejorativa, em argumentos que não se sustentam minimamente.

Os motivos básicos para isso seriam o de que Star Wars contém mais elementos de fantasia do que de ficção científica, e os elementos sci-fi presentes, além de supostamente implausíveis, ainda por cima seriam apenas pano de fundo para uma história de fantasia, e não de ficção científica.

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Vejamos então como essas alegações são improcedentes e como, ‘mesmo que fossem verdadeiras’, ainda assim Star Wars jamais poderia deixar de ser considerada ficção científica.

a) Star Wars tem mais elementos de fantasia do que de ficção científica:

StarWars-Millenium-Falcon-300x164 Star Wars é ficção científica - Parte II - Analisando a saga de forma criteriosaAo contrário do propagado pelos defensores deste argumento, Star Wars é quase que totalmente composto de elementos sci-fi, enquanto que os elementos fantasiosos é que são secundários. Tirando a Força e suas interações – inclusive as inerentes aos conceitos de Jedi e Sith e suas habilidades – a saga calca-se quase toda em elementos de ficção científica, além, evidentemente e principalmente, de ser ambientada em um cenário cósmico e tecnológico.

Lista de elementos fantasiosos de Star Wars:

  • Força (e suas interações)

Lista de elementos sci-fi de Star Wars:

  • alienígenas
  • andróides
  • animação suspensa
  • armas avançadas (de laser, energéticas, plasmáticas, etc.)
  • batalhas espaciais
  • cibernética
  • clonagem (muito antes da existência real)
  • colonização espacial
  • controle da mente
  • criaturas bizarras e monstruosas
  • desintegrações
  • distopia futurística
  • distopia tecnológica
  • engenharia espacial
  • escudos defletores
  • estações espaciais
  • exércitos “opressores” e/ou “tecnológicos”
  • federação interestelar (ou República/Império Galáctico)
  • fontes de energia “futurísticas”  (muito antes da existência real)
  • geografia galáctica
  • hologramas (muito antes da existência real)
  • inteligência artificial
  • máquinas de guerra autômatas
  • naves espaciais (de todos os tipos, tamanhos e categorias)
  • planetas diversos sendo visitados
  • raios tratores
  • robôs (de todos os tipos, tamanhos e categorias)
  • sabres de luz
  • saltos no hiperespaço
  • seres incorpóreos
  • sondas espaciais
  • tecnologia avançada
  • telecinese
  • telepatia
  • trans-humanismo
  • veículos que flutuam sobre as superfícies
  • viagens espaciais
  • wormholes

Alien-200x300 Star Wars é ficção científica - Parte II - Analisando a saga de forma criteriosaAdemais, existem diversos filmes que contém elementos de mais de um gênero, ou mais de um subgênero, e são considerados ficção científica sem que haja contestação sobre esse fato. Alien – O Oitavo Passageiro (Alien – 1979), de Ridley Scott, é um exemplo clássico, pois tem elementos de ficção científica, terror e suspense.

Alien, normalmente, é considerado uma “ficção de terror”, mas alguns críticos, inclusive, alegam que ele tem mais elementos de terror do que de sci-fi, sendo apenas “ambientado em uma nave espacial, mas tratando-se fundamentalmente de um filme de terror”. Isso diminui seu valor como obra de ficção científica? É evidente que não.

Ora, se Alien pode ser ficção científica mesmo tendo muitos elementos de terror, por que Star Wars não pode ser ficção científica mesmo tendo elementos de fantasia? É claro que pode.

CowboysAliens-212x300 Star Wars é ficção científica - Parte II - Analisando a saga de forma criteriosaAssim como Star Wars, existem diversos filmes com elementos de fantasia, ou outros gêneros e subgêneros (como drama, western, terror, suspense, comédia, etc.) somados à ficção científica, tal como Cowboys & Aliens (Cowboys & Aliens – 2011), que se enquadra nessa situação de mesclar gêneros e subgêneros. Ricardo Setti, do Science/Fiction BR, fala sobre isso nesse artigo.

Aliás, convém ressaltar, que a imensa maioria das obras de ficção científica não são puras dentro desta categoria, quase sempre mesclando elementos do sci-fi com elementos de outros gêneros, principalmente suspense.

Star Trek, frequentemente comparada à Star Wars e usada como exemplo de sci-fi hard, é uma metáfora da conquista do Oeste dos EUA, quando se enviavam diligências aos recônditos ainda desconhecidos do país e elas, em “sua exploração em busca de novos mundos e novas civilizações” (!) se deparavam com índios hostis, terrenos complicados, vilas abandonadas, animais perigosos, etc. Em última instância, pode-se dizer que Star Trek é um western adaptado à ficção científica¹.

(alguns críticos adicionam à Star Trek a metáfora das grandes navegações, onde se substitui a Enterprise por uma caravela)

Outro exemplo é Deep Space Nine, uma série spin-off de Star Trek, que é a metáfora da ‘defesa do forte’ dos westerns. Veja esse artigo de Guilherme da Costa Radin sobre o assunto.

Nem por esses motivos, no entanto, Deep Space Nine ou Star Trek agora lhe parecem menos ficção científica do que antes de você ter ciência desse fato. Certo?

b) A “suspensão da descrença”:

Matrix-300x165 Star Wars é ficção científica - Parte II - Analisando a saga de forma criteriosaPara a ficção científica funcionar adequadamente é necessário que o autor da narrativa consiga ativar no leitor ou no espectador algo chamado “suspensão da descrença”, que é o ato de se acreditar nas premissas apresentadas na obra, por mais que elas sejam fantásticas e impossíveis, ou até mesmo contraditórias.

Trata-se do mecanismo cognitivo que as pessoas usam – sem saber – para acreditar em situações que, se não fosse a suspensão da descrença, veríamos como absurdas, inverossímeis e até mesmo ridículas.

Ou seja, pela habilidade do autor e/ou dos técnicos que realizaram a obra, o conjunto de argumentos – sejam eles narrativos, verbais, auditivos ou visuais – nos convence de que, dentro daquele universo particular mostrado, essas situações são ‘possíveis’, ‘reais’ e ‘verossímeis’.

Assim, por exemplo, dependendo da qualidade dos efeitos especiais de um filme, e dos argumentos técnicos ou pseudotécnicos usados para se explicar um acontecimento, podemos acreditar nele mesmo que, racionalmente, saibamos que, no mundo real, aquilo é impossível.

É por isso que ao assistirmos um filme do Superman, o vemos voar sem dispor de nenhum meio de propulsão, e aceitamos aquele fato como sendo possível, dentro da realidade bem construída daquele universo particular retratado no filme. Pelo mesmo motivo aceitamos que Benjamim Button foi um ser humano que nasceu velho e morreu jovem; ou aceitamos que Neo pode desviar de balas e moldar a realidade da Matrix; Ou ainda que um certo fazendeiro se iniciou na Força e moveu objetos apenas com sua vontade psíquica.

Em Star Wars, tanto George Lucas quanto os responsáveis pela fotografia, pelos efeitos especiais e visuais e por todos os outros componentes técnicos da criação dos filmes, foram extremamente competentes em ativar nossa suspensão da descrença, de modo que acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos acreditando naquela realidade tecnologicamente avançada e nos elementos inerentes à Força, de modo natural e orgânico.

c) Elementos sci-fi presentes implausíveis e apenas ambientando a história:

lisghtsaber-253x300 Star Wars é ficção científica - Parte II - Analisando a saga de forma criteriosa
A engenharia do sabre de luz de Kylo

Outro argumento bastante usado por quem não quer ver Star Wars sendo chamada de ficção científica é o da existência de furos científicos (ou tecnologias não explicadas ou cuja explicação não é plausível) na obra, além do fato de todo o aspecto tecnológico ser apenas um suposto “pano de fundo” para uma história de fantasia.

Quanto à inexatidão científica de alguns (isso mesmo, alguns, e não todos) elementos tecnológicos existentes na saga, é algo que ocorre com a esmagadora maioria das obras do gênero.

Algumas mais, outras menos, praticamente todas as obras de ficção científica possuem inexatidões científicas ou, mais especificamente, implausibilidades físicas, ou as explicações para determinados funcionamentos de tecnologias demonstradas são puramente especulativas, mentirosas, inventadas ou fantasiosas, ainda que ‘pareçam’ plausíveis (vide suspensão da descrença acima). Saiba mais detalhes sobre esse assunto na Parte 3 do artigo.

Quanto ao fato de que não se explica o funcionamento de várias tecnologias em uso em Star Wars, trata-se de uma característica das space operas, onde a ambientação tecnológica não é a ‘protagonista’ da história, como nas ficções científicas hard (onde muitas vezes a trama da obra gira em torno justamente da tecnologia), mas sim é mais um dos itens que compõem todo o cenário onde foi ambientada a história.

Esse artigo do site SciFiAbout trata justamente desse assunto, e conclui que nem por isso uma sci-fi soft como a ópera espacial é inferior às hard ou não pode ser considerada ficção científica.

Além disso, novamente, ao contrário do propagado, a imensa maioria das tecnologias de Star Wars têm seu funcionamento explicado: propulsão das naves, viagens interestelares, sabres de luz, blasters, etc.

Por fim, quanto a alegação de que Star Wars tem uma história com características medievais (com uma princesa, um jovem herói orientado por um mestre, um tirano malvado, um ‘castelo’ a ser tomado, etc.), ou seja, de que é uma fantasia apenas com roupagem futurista, ela é totalmente equivocada, pois confunde gênero com tipo enredo, e tratam-se de coisas absolutamente distintas.

Enredo é o desenrolar das linhas de ação de uma narrativa, seja ela de que gênero for. Ou seja, o gênero ficção científica, por exemplo, pode ter obras com qualquer tipo de enredo, dentre os quais A Jornada (que é o caso de Star Wars), mas também poderia ser O Resgate, A Vingança, e outros.

O clássico absoluto do ficção científica, 2001 – Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey – 1968), de Stanley Kubrick, possui o enredo do tipo O Isolado (saiba mais sobre os tipos de enredos cinematográficos nesse excelente artigo de Sandro Massarani).

O mesmo vale para os outros gêneros… podemos ter uma comédia com enredo A Aventura, ou um drama com o enredo A Busca, e etc.

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Veja aqui todos os capítulos do artigo:

Parte I – Definindo o “que é ficção científica”

Parte II – Analisando a saga de forma criteriosa (você está lendo esse capítulo)

Parte III – Desmistificando argumentos contrários

Parte IV – Conclusão

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¹: Segundo César Augusto Barcellos Guazzelli (Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Renata Dal Sasso Freitas (Pós-Doutorada FAPERGS/CAPES – PPG em História da UFRG) no artigo científico Entre Cabanas e Diligências: Os Fronteiriços na Western Fiction de Bret Harte e Ernest Haycox, afirmam que “[…] a “dobra espacial” permite que a Enterprise use uma velocidade maior que a luz para difundir por toda galáxia uma mensagem de paz que já foi alcançada na Terra; outras visões da conquista sideral apresentam as mesmas ideias que estão presentes nos Estados Unidos desde os tempos da expansão territorial a partir de fins do século XVIII […]”.

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Ralph Luiz Solera

Escritor e quadrinhista, pai de uma linda padawan, aprecia tanto Marvel quanto DC, tanto Star Wars quanto Star Trek, tanto o Coyote quanto o Papaléguas. Tem fé na escrita, pois a considera a maior invenção do Homem... depois do hot roll e do Van Halen, claro.

13 thoughts on “Star Wars é ficção científica – Parte II – Analisando a saga de forma criteriosa

  1. a conclusão resume de forma lógica o que vc falou nos outros capítulos, parabéns, excelente, incontestável

    1. Não creio que um estudo sobre esse assunto seja “incontestável” rsrs, mas o importante é fundamentar a argumentação

  2. Muito boa anális essa sua pq vc consege provar tudo que vc fala e derruba tudo que os caras que falam que é fantasia alegam parabens muito bom mesmo nem tem o que discuti quem fala o contrario fica sem ter o que falar

    1. nunca imaginei que tem gente que realmente tem a cara de pau de dize que SW nao é ficcao cientifica… essa me surpreendeu!

  3. Vo linkar esse artigo pra todo manezao que insiste com akelas baboseiras tipo “ah Star Wars eh fantasia” e “ah Star Wars tem princesa, cavaleiro, bla bla bla, não e ficção”… chupaaaaa

  4. excelente artigo… confesso que tinha ressalvas quanto a isso, mas agora nem tenho mais como sustentar minhas antigas idéias sobre o assunto rs… parabens

  5. É FC sim… mais do que comprovado. Duro foi ver no Face akeles idiotas tipo o Sidnei querendo contestar sem saber argumentar… até o lance do Neo desviando das balas ele contestou kkk “ele desvia das balas pq está na Matrix” kkkkkkkkk claro que é pq ta na Matrix, asshole, a questão é justamente essa, ativamos nossa suspensão de descrença pra aceitar a existência da Matrix… é um zé roela mesmo

  6. Desconstruiu cada um dos argumentos contrários comumente vistos no Facebook ou outros sites… é FC sim, podem chorar os haters…

  7. bom, se eu tinha alguma duvida de que Guerra nas Estrelas era ficcçao cientifica, nao tenho mais hahaha sensacional esse artigo

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