Crítica: Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman)
Direção: Spike Lee
Elenco: John David Washington, Adam Driver, Thoper Grace, Laura Harrier, Rayan Eggold, Corey Hawkins, Jasper Pääkkönen, Ashlie Atkinson, Damaris Lewis, Robert John Burke e Alec Baldwin
Nota 5/5
Logo em seus primeiros segundos, este Infiltrado na Klan já dá pistas suficientes do que virá em seguida, ao discutir o racismo que o próprio cinema foi usado como ferramenta para tal. Assim ao trazer um famoso plano de “E o Vento Levou”, que ocorre durante a guerra civil americana (cujo um dos principais motivos teve origem no trabalho escravo e sua mão-de-obra barata), o diretor Spike Lee se mostra em forma ao usar o humor ácido e ironia envolta pelo velho thriller policial setentista com policiais antagônicos para trazer não somente um dos seus melhores trabalhos, mas a crítica política contra o racismo institucional que parece não ter fim, onde cada vez mais se alimenta do ódio dos ditos cidadãos brancos de bem, transformando seu Infiltrado na Klan em um grito contra o governo Trump. Inclusive tendo a produção de Jordan Peele, a obra se torna junto como Corra! uma das mais inquietantes obras que usam de um gênero como plataforma de suas críticas – assim como feito também no excelente e pouco comentado Ponto Cego.
Mas, o clássico estrelado por Vivian Leigh não é o alvo principal, uma vez que O Nascimento de Uma Nação, mesmo tendo sido um dos mais importantes filmes no aspecto narrativo da história do cinema, por sua visão estereotipada e criminosa sobre os negros americanos, tornou-se igualmente desprezível, chegando a ser repudiado décadas depois de seu lançamento. Fora que esta “imagem estereotipada” virou uma espécia de herança cultural que atinge todas as minorias, como o fato de Tarzan, por exemplo, sempre lutar contra tribos africanas (uma das “lógicas” vista também nos westerns onde o homem branco é visto como herói e o vilão é quase sempre nativo). Inclusive, traz alguns momentos como uma espécie de blaxploitation (movimento cinematográfico nos anos 70 protagonizado apenas por negros e que rendeu filmes como Shaft) e que acabou virando algo ainda mais estereotipado.
Portanto, não é por acaso que em um diálogo inicial diferido por Alec Baldwin (que em seus últimos trabalhos no SNL foi interpretar Trump) seja baseado no velho discurso de Make America Great Again (Fazer a América Grande Novamente e resolver o “problema de miscigenação”), como se esquecesse os séculos de opressão racial que vitimou milhares de negros americanos (inclusive, um dos mais fortes momentos da obra é quando um militante detalha a história – um dos vários exemplos no decorrer das décadas – cujo jovem Jesse Washington que em 1916 foi enforcado, esquartejado, queimado e ainda teve as fotos do assassinato usadas como cartão postal e partes do corpo como souvenires). Não sendo a toa que a fotografia sincronize as cores mergulhando o rosto de Baldwin na cor vermelha em conjunto com as fotografias que mostram atrocidade ao fundo.
Spike Lee costura discurso ideológico e maturidade narrativa, principalmente ao conseguir evitar que o longa pudesse perder o interesse, uma vez que a história e as investigação não sejam algo original; assim, é elogiável que o diretor consiga enaltecer toda a força do poder e beleza daquelas pessoas. Reparem por exemplo, durante o discurso de Kwame Ture, alguns belíssimos closes, que além de plasticamente lindos, emanam um senso de poder e orgulho pela cor e origem negra.
Roteirizado pelo diretor baseado no livro do verdadeiro Ron Stallworth (sim, a história por mais absurda que pareça, é verídica) mostra o próprio Ron (interpretado por um ótimo John David Washington) sendo convocado para ser o primeiro policial negro do condado de Spring no Colorado, assim o jovem policial passa seus dias no arquivo sofrendo insultos (“pega aquele documento daquele neguinho”); mas após ser aceito na área de inteligência, ele acaba de uma hora para outra se “infiltrando” na Klu Klux Klan em conjunto com o parceiro Flip Zimmermann que assume seu disfarce quando tem que se encontrar pessoalmente como o grupo. Grupo este liderado por David Duke (Grace) que é a verdadeira personificação do mais perigoso padrão do “educado homem branco”, defensor da família, travestido de bons modos, cujo único objetivo na vida é ascender o poder para legalizar o seu genocídio diário auxiliado por séquitos que acreditam que não houve holocausto, na eugenia e treinam tiros em bonecos negros. Inclusive, o verdadeiro Duke gravou um vídeo para a campanha presidencial brasileira (Espantoso não?! David Duke se identificou com um candidato no Brasil. Mas ainda bem que não estamos nos EUA e jamais elegeríamos alguém com estas ideologias, e caso acontecesse, jamais iríamos ver pessoas achando que tem carta branca para violentar minorias…).
Claro que tal cenário é não um ambiente propício para o humor e gags, mas talvez poucos diretores tenham a capacidade (e moral) de fazê-lo (a cena da foto é hilária) sem deixar de abranger sua veia política, principalmente através de situações que invocama luta do poder negro como a inclusão do movimento estudantil liderado por Patrice Dumas (Harrier). A investigação de Ron e Flip serve mais como pano de fundo para o diretor trabalhar de maneira orgânica toda sua critica diante de um movimento de homens brancos que, ao contrário dos Panteras Negras, jamais é visto como uma ameaça mesmo com as ameaças reais, como o fato de ter certa influência no exercito para conseguir armas.
Neste ponto, o filme atinge sua posição política mais explícita contra o governo Trump, uma vez que a decisão do filme em se ambientalizar nos anos 70, por uma lógica histórica que infelizmente se torna real através dos arcos de personagens principais. Se Flip vê o caso apenas como “mais um”, Ron entende que é uma cruzada, mas não aquela que Patricia participaria através de uma militância atuante, e caso for, até armada. Mas uma sociedade em que a justiça possa ser feita no dia a dia de maneira digamos mais pacífica; entretanto, Spike Lee sabe que a “inocência” de Ron pagará um preço alto no futuro com o risco de um David Duke chegar ao poder. Inclusive, quando Flip é questionado porque não se sente um judeu, a resposta é simples: “nunca vivi como um”. Portanto, ao fugir de sua negritude, como disse Patrice, Ron é quase que cooptado por parte da sociedade que normaliza uma situação grave de racismo. Cidadãos que sofrem uma espécie de consciência dupla por serem americanos, mas não poder exercer este orgulho por serem vítimas do ódio de outros mesmos americanos, como se não fizessem parte da mesma sociedade.
E neste jogo de opiniões, Spike Lee fornece um poderoso terceiro ato quando ao final do caso investigado e a justiça sendo feita, o filme leva os mais incautos a pensar: “Olha só, viram?”, “Tudo terminou bem, não precisam ficar com estas coisas de comunistas, tipo a Angela Davis (umas das mais importantes ativistas americanas)”. Contudo… Estamos falando de America First! Ou seja, nada muda e a luta jamais deverá cessar, até porque Spike sabe que os movimentos e forças fascistas parecem não ter fim; tanto que logo após a eleição de Donald Trump, diversos grupos de extrema direita saíram às ruas com o lema “vidas brancas também importam” enrolados em bandeiras nazistas (inclusive, umas das recentes falas de Trump sobre a morte de inocentes – obviamente de maioria negra – foi um “existem pessoas boas também do lado dos agressores”. Claro que eu, por exemplo, jamais “duvidaria” da índole de alguém que vai a rua com cânticos fascistas contra minorias…
O ódio jamais deverá prevalecer e jamais devemos fechar os olhos para os crimes diários contra minorias em geral em um país que seja. Não sendo a toa que o último plano, alterando o símbolo maior americano, é mais que representativo e uma mensagem para o mundo todo. É uma declaração de resistência e luta a todos!
Rodrigo Rodrigues
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ok vc odeia o quase neonazi do Trump… me too… ta indignado com o cenario politico do Brasil… me too… mas de fato deixou isso nublar na hora de escrever a critica, parece mais um manifesto politico do que a analise de um filme
ah, o Vascão vai cair huahauhauhauhauha de novo!
Deca
Bem vinda (o)
Não lembro de ter mencionado isso no texto!
Deca
Bem vindo
Como disso no comentário anterior, todo arte/filme é político. Nenhuma arte, por mais que tente se negar, é apolítica. Portanto, seria negligencia minha não mencionar algo fundamental que o diretor quis passar. Assim, jamais deixaria de ser uma analise do filme, até porque o objetivo do Spike Lee é discutir o tema do racismo institucional . Achar que eu deveria ter falado mais da montagem, fotografia, edição e outros aspectos até poderia concordar. Entretanto , tem filmes que alguns aspectos se sobressaem a outros (mas não menos importantes). E neste caso , a questão politica sobressai; o que não deixa de ser um aspecto técnico (como tudo no filme) por se tratar do roteiro.
Abraço
Boa critica, pena que deixou a balança pender um pouco mais pro lado politico/social que pro tecnico. Tudo bem que o tema do filme é pertinente na questao social, e tal, mas acho que uma critica tem que ir pra analise da obra, e como complemento citar o contexto social, qd for o caso. Nessa critica o contexto social prevaleceu e a critica do filme foi um apendice apenas.
Eugênio
Obrigado pelo comentário
Somente para ratificar: Toda arte é política e seria negligência da minha parte, como crítico, deixar de comentar isso (principalmente, como você disse, tal assunto é pertinente ao filme).
E sim, uma critica tem que ir além obra e acho que fui não? Inclusive citando o contexto social americano. Se isso não for ir além, não sei o que poderia ser. E um contexto social prevalecer em uma crítica não é um erro e nem apêndice, é fundamental!
Achar que eu deveria ter falado mais da montagem, fotografia, edição e outros aspectos até poderia concordar. Entretanto , tem filme que alguns aspectos se sobressaem a outros. E neste caso , a questão politica sobressai; o que não deixa de ser um aspecto técnico (como tudo no filme) por se tratar do roteiro.
Abraço
Bom filme, recomendo! Historicamente muito importante tb!
Ana
Bem vinda
Obrigado pelo comentário!
Abraço
Nao foi o policial negro que se infiltrou né, foi o branco, é isso?
Nao, foi o negaum blackpower, ainda por cima foi eleito diretor por aclamacao… uahuhauhauhauha fala serio que pergunta foi essa