10ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça Dungeon Crawlers e Coop
Imagem Ludopedia: Cthulhu – Death May Die
Esse artigo (10ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça Dungeon Crawlers e Coop) é o décimo de uma série de textos, contendo dicas para boardgamers, iniciantes ou não, no sentido de ajudar quem iniciou no hobby agora, e também propor um ponto de reflexão aos boardgamers mais experientes. Quem tiver o interesse de ler os textos anteriores, basta acessar os links abaixo:
1ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça Melhor o Hobby
2ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Caixas
3ª Dica P/ Novos Jogadores – 7 Cuidados ao Iniciar nos BGs
https://maxiverso.com.br/blog/2022/12/27/3a-dica-p-novos-jogadores-7-cuidados-ao-iniciar-nos-bg/
4ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça a Arte/Design dos Jogos
https://maxiverso.com.br/blog/2023/01/06/4a-dica-p-novos-jogadores-conheca-a-arte-design-dos-jogos/
5ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Peças
https://maxiverso.com.br/blog/2023/02/26/conheca-os-tipos-de-pecas/
6ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Tabuleiro
https://maxiverso.com.br/blog/2023/03/10/conheca-os-tipos-de-tabuleiros/
7ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 1
https://maxiverso.com.br/blog/2023/04/18/elementos-abstratos-dos-jogos/
8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2
8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2
9ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Jogos
Depois de tratar das categorias mais abrangentes (euro, ameritrash, familiares, festivos e abstratos), nos textos a seguir serão abordadas outras categorias menores. Esse termo “menores”, não se refere à sua importância, mas sim ao fato deles representarem uma quantidade menor e mais específica de jogos. São os jogos cooperativos, os dungeons crawlers, os jogos CIV, os 4x, os wargames e os 18xx. Esses dois últimos compõem cada um da sua forma, o que se costuma chamar de “nicho, dentro do nicho”. Isso porque o hobby dos board games já é muito restrito, em comparação com a quantidade de outros tipos de jogos e passatempos em geral. Mas os wargames e 18xx, que terão textos específicos, são ainda mais, e isso em um universo já bastante reduzido, em termos de tamanho.
Imagem BGG: Masmorra: Dungeons of Arcadia
De certo modo, os jogos a seguir são como subcategorias, que, em alguns aspectos se aproximam mais de uma, ou de outra, das categorias mais abrangentes. Isso faz inclusive com que alguns jogos se encaixem em mais de uma categoria. Um exemplo disso são os jogos “Gloomhaven”, “Masmorra: Dungeons of Arcadia” e ”Talismã”, em que todos são ameritrash, todos são dungeon crawlers. Mas o primeiro é totalmente cooperativo (todos se ajudam para derrotar o jogo e vencerem juntos). O segundo é semi-cooperativo (todos se ajudam, mas apenas um jogador poderá vencer a partida). Já o terceiro é totalmente competitivo (ninguém se ajuda, e todos tentam derrotar os demais jogadores).
Além disso, vale citar alguns outros conjuntos de jogos, que não chegam a ter um tamanho suficiente, nem mesmo para compor uma dessas subcategorias, mas que são bastante citados, como os jogos de fazendinha, os jogos legacy e os jogos de corrida. Nos jogos de fazendinha, como o próprio nome já diz, o jogador tem de administrar uma fazendo ou algo do gênero. Os jogos de fazendinha normalmente são classificados entre os jogos euro, e o seu principal expoente certamente é o aclamado designer Uwe Rosenberg.
Os jogos legacy são uma categoria de jogos com uma grande peculiaridade. Eles são feitos para serem jogados apenas uma única vez. Isso porque envolvem uma campanha, ou seja, as partidas tem relação umas com as outras, de modo que uma partida começa no ponto e nas condições em que a última partida terminou. Por isso, se uma pessoa fosse jogar uma segunda vez, ela saberia de antemão quais seriam os acontecimentos futuros, o que estragaria toda a diversão.
Imagem Ludopedia: Agricola
Esse tipo de jogo ainda envolve uma grande polêmica, porque prevê que alguns de seus componentes sejam literalmente destruídos ao longo da campanha. Isso é defendido e contestado por diversas pessoas dentro do hobby. Outra coisa interessante, em relação a esse tipo de jogo, é que é comum que eles sejam uma variação de jogos famosos e já bem estabelecidos, como é o caso do “Pandemic” e do “Pandemic Legacy” e do “Risk” e do “Risk Legacy”.
Os jogos de corrida são aqueles que implicam nos jogadores saírem de um determinado ponto e chegarem a outro ponto. Isso determina a vitória ou o final do jogo. Vale lembrar também que o conceito de corrida está sendo aplicado de forma genérica. Nem todo jogo desse tipo determina que os jogadores passem pelo mesmo percurso até o final, muito embora essa seja a situação mais comum. No jogo “K2”, por exemplo, que envolve alpinismo, os jogadores devem chegar até o topo da montanha, mas podem optar por diferentes percursos.
Alguns exemplos de jogos de fazendinha, legacy e corrida (respectivamente) : Agrícola, Clãs da Caledônia, Viticulture, La Granja, Puerto Rico, Hallertau, Santa Maria, Ora et Labora, Fields of GreenRisk Legacy, Pandemic Legacy, Betrayal Legacy, Seafall Legacy, Charterstone, Clank Legacy, Frosthaven, Machi Koro Legacy, Ultimate Werewolf Legacy, Vampiro: a Máscara – Herança, Rallyman GT, Flame Rouge, Camel Up, Ave Caesar, Downforce, K2, Corrida Maluca, Lewis & Clark, Horse Fever, Formula D.
Imagem Ludopedia: Viticulture
Voltando ao tópico do texto, a seguir serão apresentados os jogos onde os jogadores ao invés de jogarem uns contra os outros, na verdade, eles se auxiliam mutuamente no sentido de alcançarem juntos, um objetivo. Serão apresentados os dois tipos de principais de jogos nesse sentido, que são os jogos coop e os jogos dungeon crawlers. A diferença entre eles é que os jogos coop são todos os jogos que prevêem uma cooperação entre os jogadores. Os jogos dungeon crawlers também preveem essa cooperação entre os jogadores (salvo algumas poucas exceções). Porém eles possuem uma série de outras características que os diferencia em relação aos jogos coop. Por isso, de uma forma geral, os dungeon crawlers são jogos coop, mas nem todos os jogos coop são dungeons crawlers.
JOGOS COOPERATIVOS
Os jogos cooperativos, ou “coop”, envolvem certa dúvida, por nem sempre fica claro se essa característica cooperativa é apenas uma das mecânicas que envolvem o jogo (rolagem de dados também é uma característica, mas ninguém pensa em criar uma categoria de jogos com rolagem de dados), ou se esse é um traço tão geral e marcante o suficiente, para distinguir os jogos coop dos outros tipos de jogos.
Independente dessa questão, a respeito da natureza dessa sua característica, o que importa acima de tudo isso, é que os jogos cooperativos são fundamentais. Isso porque eles representam uma verdadeira mudança de paradigma, em relação aos jogos de tabuleiro clássico. O grande público em geral, de onde vem os novos jogadores, tem em sua mente, muito bem definido o conceito de jogos de tabuleiro. Nesse tipo de jogo cada jogador compete, contra seus adversários. Ninguém imagina Dona Branca e o Sr. Marinho trabalhando juntos para descobrir se a resposta é o Coronel Mostarda, com o candelabro, na biblioteca. Quem descobrir primeiro ganha a partida. Por isso o natural e mais comum, principalmente em relação aos jogos clássicos, é que seja cada um por si.
Imagem Ludopedia: Hero Quest
Nos jogos cooperativos, por outro lado, os jogadores não competem, mas sim jogam juntos, ajudando uns aos outros, para conseguirem vencer o jogo. Certamente essa é uma característica herdada dos antigos jogos de RPG, que já funcionavam assim. No entanto a noção de jogo cooperativo não se estendia aos jogos de tabuleiro, quase que na totalidade competitivos, salvo uma ou outra exceção. É sempre bom lembrar que essas exceções, como, por exemplo, o “Hero Quest”, lançado no Brasil em 1989, não exploravam o jogo cooperativo como um conceito próprio. Na verdade eles eram uma tentativa de emular, o mais proximamente, uma partida de RPG, em um jogo de tabuleiro.
O jogo cooperativo como um conceito próprio, sem estar necessariamente ligado ao RPG, como acontece em jogos como “Pandemic”, “Ilha Proibida” e “Room-25”, só veio a ser plenamente desenvolvido, já na era dos board games modernos, a partir de meados dos anos 90.
Imagem BGG: Room-25
Mesmo já havendo essa noção de cooperação, em jogos antigos esparsos, com o desenvolvimento dos jogos modernos, esse conceito cooperativo se tornou uma inovação arrebatadora. Isso ocorre especialmente aqui no Brasil, onde todos os principais jogos de tabuleiro clássicos são competitivos (WAR, Detetive, Banco Imobiliário, Scotland Yard e Jogo da Vida, etc).
Aqueles que já tiveram o prazer de apresentar a um casal de amigos, jogos como o “Pandemic”, “Zombicide” ou “Ilha Proibida”, e teve a satisfação de ver a alegria de dois adultos em descobrirem, muito mais do que um jogo novo, mas principalmente um conceito de jogo novo, sabe o que isso quer dizer. Certamente, após experimentarem outros jogos, até mesmo igualmente cooperativos, as pessoas podem perceber que existem outras opções mais adequadas. Uma pessoa pode, por exemplo, jogar “Zombicide” primeiro e depois descobrir que “Dead of Winter” tem muito mais a ver consigo.
Nesse caso aquela sensação de experimentar um novo conceito de jogo, certamente é fundamental, inclusive para que a essa pessoa do exemplo, ingresse de vez no hobby, até chegar a experimentar o “Dead of Winter”. Vale esclarecer também que a escolha de um jogo, em detrimento do outro, normalmente decorre muito mais de um gosto pessoa do que qualquer outra coisa, e esse exemplo, não quer dizer, de modo algum, que o “Zombicide” seja pior ou melhor que o “Dead of Winter”, mas apenas que cada um tem o grupo certo e a oportunidade certa para ser jogado.
Imagem Ludopedia: Dead of Winter
Além dos jogos cooperativos, existem também os jogos semi-cooperativos, que são mais raros atualmente, e nos quais os jogadores podem até cooperar, mas apenas um ganhará a partida. Já outros jogos contam com uma cooperação momentânea, cujo melhor exemplo é o famigerado “Munchkin”, em que nessa rodada um jogador ajuda o outro (sempre para ganhar um ou dois tesouros, é claro), para na rodada seguinte nem pestanejar antes de dar uma punhalada pelas costas, ou ser apunhalado por aquele a quem se ajudou anteriormente.
Apesar de serem muito divertidos os jogos cooperativos pode levar a dois problemas, que são o alfa player e o overlord, muito embora esse último nem sempre seja um problema, e muita gente goste de jogar nessa função.
O alfa player é aquele jogador que tem mais experiência, que conhece melhor o jogo, e por conta disso, não apenas acredita saber sempre qual é o melhor caminho e qual a melhor estratégia, indicada para cada situação. Não contente em ser o “dono da verdade”, o alfa player também sempre pressiona o grupo para seguir seus planos, que ele entende serem os melhores e mais adequados, baseado na sua maior experiência com o jogo.
É até desnecessário dizer que, compartilhar um jogo cooperativo, com esse tipo de jogador é uma experiência muito desagradável. Essa situação deixa a nítida impressão de que o alfa player está jogando sozinho, e que os demais jogadores estão lá, apenas fazendo figuração. E mesmo que o grupo resolva não seguir as orientações do alfa player, isso ainda pode ser ruim, porque caso alguma coisa dê errado, o alfa player sempre irá dizer: “eu não disse!?!?”.
Imagem Ludopedia: Pandemic
A solução para isso é procurar dividir todo o processo decisório, e toda a responsabilidade pelas escolhas, com todo o grupo, dando espaço para que cada jogador possa expressar a sua opinião, inclusive o alfa player, desde que em pé de igualdade com todos os outros jogadores. Desse modo, os louros pela vitória, ou a culpa pela derrota, não recairá sobre os ombros de nenhum jogador exclusivamente. O Pandemic é um jogo excelente, principalmente para apresentar a quem nunca jogou board games modernos, mas é preciso alguma atenção. Isso porque ele apresenta uma grande possibilidade de um dos jogadores se transformar em alfa player. O alpha player é o tipo de jogador mais experiente, que acaba determinando o que cada um deve fazer e estragar toda a jogatina.
O overlord é a figura do jogador que controla o jogo e as hordas de inimigos, e que é utilizado em alguns jogos, especialmente do tipo dungeon crawler. Ele representa mais ou menos o papel que seria do “Dungeon Master” (DM), ou Mestre do Jogo, nas partidas de RPG. A diferença é que enquanto no RPG o Mestre do Jogo é imparcial, nos jogos com overlord, ele joga contra os jogadores, e apenas um dos dois lados poderá vencer a partida. Isso é o que ocorre em jogos como “Imperial Assault”, “Conan”, “Level 7 (Omega Protocol)” e “Kemet: Seth” (infelizmente, nenhum deles lançado no Brasil).
Imagem BGG: Imperial Assault
Existem ainda outros jogos em que, mesmo não havendo um personagem infinitamente mais poderoso que os demais jogadores, ainda funciona no esquema todos contra um, como é o caso do oitentista “Interpol” (cujo nome original no exterior é Scotland Yard), “Last Friday”, “Fury of Dracula” e do “Love Letter – Manopla do Infinito”, (todos já lançados nacionalmente). Esses jogos são normalmente chamados jogos com movimento oculto, em que normalmente um dos jogadores tenta fugir dos demais jogadores, e se conseguir isso, ele ganha, enquanto que o objetivo dos demais jogadores é capturar o fugitivo.
Em relação à questão do “traidor”, no qual um jogador atua contra o grupo de jogadores, isso não se encaixa muito bem na figura do overlord, porque o traidor só se revela ao final da partida, enquanto o overlord está definido desde o início do jogo. Exemplos de jogos com a figura do traidor são o “Battlestar Galactica” (normalmente citado como o melhor jogo desse estilo), “Dead of Winter”, “Nosferatu”, “Stay Away” e “Deception: Murder in Hong Kong”, entre outros. No meio termo, entre “overlord” e “traidor”, está um jogo cooperativo, muito interessante, que é o “Betrayal at House on the Hill”, onde todos os jogadores começam jogando cooperativamente, no mesmo time, mas que em certa altura da partida, um dos personagens, escolhido aleatoriamente, se “transforma” e passa a jogar contra o grupo de jogadores.
Imagem BGG: Betrayal at House on the Hill
Por fim, quanto à relação entre jogos cooperativos e dungeon crawlers, vale esclarecer, que os dungeons crawlers são, em regra, jogos cooperativos, mas a recíproca não é verdadeira. Isso porque nem todos os jogos cooperativos implicam em um grupo de aventureiros, explorando uma masmorra, conforme a maioria dos jogos citados anteriormente, nessa parte do tópico.
Alguns exemplos de jogos cooperativos: Pandemic, Dead of Winter, Lendas de Andor, Spirit Island, Robinson Crusoé: Aventuras na Ilha Amaldiçoada, Room 25, Arkham Horror, Eldrich Horror, Elder Sign, Ilha Proibida, Space Alert, U-Boot, Exit, Nosferatu, Hanabi,
JOGOS DUNGEON CRAWLER
O termo “dungeon crawler” é utilizado no universo de board games, e se aplica aos jogos onde os jogadores são aventureiros explorando um labirinto ou masmorra. O verbo “crawl”, da língua inglesa, está ligado à noção de movimento e tem dois sentidos, sendo o primeiro “rastejar, ou engatinhar”, e o segundo “progredir ou avançar com dificuldade”, o que, de certa forma, também está incluído no sentido de rastejar. Nesse sentido uma tradução literal e bem canhestra do termo dungeon crawler poderia ser “rastejador de masmorra”. Evidentemente, a menos que a expressão se refira a um jogo onde os personagens são répteis, nos board games em geral, o sentido mais adequado para o termo “dungeon crawler”, é “explorador de masmorra”, onde explorador seria aquele, ou aquela, que avança com dificuldade por uma masmorra, enfrentando inimigos, obstáculos e situações potencialmente letais.
Como não poderia deixar de ser, dungeon crawler é um conceito que tem raízes nos primórdios do RPG, como comprova o pioneiro jogo “Dungeons & Dragons” (masmorras e dragões), também conhecido como D&D, que deu origem a esse novo estilo de jogo de interpretação de papéis. No seu início, o D&D estava focado em aventuras onde os personagens exploravam uma masmorra ou calabouço, enfrentando armadilhas, combatendo inimigos e coletando tesouros.
Especificamente no universo dos board games os jogos dungeon crawler são considerados uma subdivisão dos jogos ameritrash, que contam com todos os elementos dessa categoria, tais como, tema muito presente e preponderante em relação à mecânica, forte imersão, influência moderada da sorte e principalmente miniaturas, muitas miniaturas. Além dessas características dos jogos ameritrash, os dungeons crawlers acrescentam ainda, dentro do fator temático, o elemento do jogo se passar quase sempre dentro de uma masmorra ou labirinto, como não poderia deixar de ser.
Imagem BGG: Dungeons & Dragons
É preciso lembrar que os dungeons crawlers são jogos de ação, baseados em aventuras vividas por um grupo de personagens, explorando um local. Por isso, nesse tipo de jogos existem três aspectos fundamentais e muito presentes que são: a exploração, a variedade de personagens com poderes específicos e o combate tático.
Em relação à exploração, ela está ligada ao movimento dos personagens, pela masmorra, pelo local, ou pelo terreno. Os mapas ou tabuleiros dos dungeons crawlers normalmente são divididos em espaços que podem ser as celas e corredores de uma masmorra, ou os cômodos de uma casa. Desse modo, os personagens pode se mover de uma sala para um corredor, ou de um corredor para um quarto. Nesse caso as subdivisões do tabuleiro podem apresentar espaços, com grande variação de tamanho. É o caso do Mansion of Madness e do Zombicide. Outros dungeons crawlers podem utilizar tabuleiros com uma grade sextavada ou hexagonal, ou seja, o tabuleiro é dividido em espaços hexagonais, que é um legado e uma influência dos wargames.
Considerando esses espaços hexagonais do tabuleiro, um personagem que esteja voltado para alguma direção, pode se virar para a esquerda, para a direita ou para trás. A movimentação de uma área para outra ou a mudança de direção no mesmo hexágono, normalmente utiliza pontos de movimento, de acordo com as características de cada personagem. De um modo geral um personagem grande forte e pesado, será menos ágil e menos rápido que um personagem, mais fraco, porem mais esguio e ágil. Normalmente essa diferença é traduzida como uma variação na quantidade de pontos de movimento disponíveis, para cada personagem, conforme o caso.
Imagem Ludopedia: Gloomhaven
O aspecto seguinte dos dungeon crawlers é a variedade de personagens e seus poderes específicos. Isso porque de uma maneira geral, mas nem sempre, os dungeons crawlers são jogos cooperativos, Desse modo, um determinado grupo de personagens se une para explorar uma masmorra, derrotar um grupo de inimigos e conquistar os tesouros escondidos. Isso faz com que os dungeons crawlers realmente se aproximem, na sua essência, das partidas de RPG convencional.
Assim sendo, como em todo RPG é fundamental, nos dungeons crawlers que o grupo de aventureiros possa contar com habilidades diversificadas. Isso possibilita que o grupo de heróis tenha condições de resolver os desafios que possuam naturezas diferentes. Por tal motivo, nos dungeon crawlers a configuração natural de um grupo de aventureiros é composta de pelo menos um guerreiro, um mago e um ladrão. O guerreiro irá combater os inimigos mais fortes e lidar com as questões físicas. O mago que resolverá as questões envolvendo magia. Já o ladrão cuidará de reconhecer e desarmar as armadilhas e abrir as portas trancadas.
Um grupo de personagens apenas com guerreiros ou magos iria ficar barrado na primeira porta trancada que encontrassem, ou cair na primeira armadilha mortal. Do mesmo modo, um grupo de ladrões e magos talvez tivessem imensa dificuldade, de sobreviver ao ataque de um bando de guerreiros inimigos, e por aí vai. Dessa maneira, alguns personagens são mais fortes e resistentes, outros são mais inteligentes e possuem poderes mais místicos, enquanto outros são mais rápidos e ágeis. Esse conjunto de “poderes variáveis”, é que viabilizará que os personagens conseguirão sobreviver e ter sucesso, nas aventuras.
Imagem BGG: Massive Darkness
Além disso, essa variedade de personagens permite que cada jogador possa experimentar o jogo, a partir de pontos de vista e perspectivas diferentes, podendo assim experimentar novas abordagens e estratégias, o que aumenta a rejogabilidade do board game. Por isso é preciso que aquele tipo de personagem seja único, para passar ao jogador uma genuína sensação de estar jogado efetivamente com um personagem diferente, daquele da vez passada. Para que isso funcione é fundamental a diversidade, tanto dos personagens, quanto de seus dos poderes específicos.
O último desses três aspectos dos dungeons crawlers refere-se ao combate tático, muito presente nesse tipo de jogo. Os jogos geralmente ocorrem em turnos, em que os personagens se movimentam, executam suas ações e logo em seguida é a vez dos inimigos se movimentarem e também executarem suas ações. Dentre as ações possíveis as mais comuns são atacar um inimigo, vasculhar uma sala, usar uma habilidade específica ou gerenciar seus itens, seja mudando de arma, usando uma poção de cura, ou trocando itens com outros personagens.
Imagem Ludopedia: For the Quest
Os combates ocorrem ação a ação, e normalmente implicam em alguma discussão sobre o que cada personagem pode ou deve fazer em prol do grupo. Quanto a isso, nos jogos que usam o recurso da grade hexagonal, a posição específica do personagem é muito importante porque normalmente demonstra para que lado ele está virado, qual é a sua linha de visão, ou o alcance de sua arma. Para alterar sua posição, se aproximar de um inimigo e poder usar sua espada, após se movimentar, um guerreiro pode acabar sem pontos de ação para fazer seu ataque. Por isso é preciso muito cuidado ao escolher um alvo. Talvez seja melhor selecionar um inimigo mais próximo, e assim, economizar pontos para o ataque com a arma.
Outra questão interessante, sobre dungeon crawlers, envolve uma das maiores polêmicas dentro da comunidade, que é determinar se um jogo é ou não dungeon crawler. Um forte exemplo disso são os jogos da linha Zombicide (atualidade, medieval ou espacial). Alguns entendem que eles são dungeon crawler, por terem os mesmo elementos de jogos mais tradicionais do estilo como Sword & Sorcery e Massive Darkness. Por outro lado, existem aqueles que defendem que o Zombicide não é dungeon crawler. Isso porque obviamente os jogos não se passam dentro de masmorras, em um cenário medieval. Os Zombicide 1, 2, 3, se passam no presente, em ambientes urbanos. Os Zombicide Black Plague e Green Horde até se passam no passado, mas não em masmorras, mas sim em aldeias medievais. E os Zombicide Invader e Dark Side se passam no futuro, em bases espaciais, que incluem espaços abertos.
Imagem Ludopedia: Zombicide Black Plague
Porém, vale destacar que tanto o Zombicide, quanto o Star Wars: Imperial Assault se passam em espaços fechados e abertos. Além disso, o Mansion of Madness e o Betrayal at House on the Hill, se passam dentro de uma casa e não em uma masmorra. Todos esses três outros jogos são considerados pela maioria da comunidade como exemplos claros de dungeon crawlers. Se essas características não invalidam tais jogos como dungeons crawlers, não faz sentido que isso ocorra com o Zombicide, justamente por tê-las.
Isso leva a crer que o problema com o Zombicide é muito mais em relação ao jogo em si. Isso porque apesar de ser um sucesso de crítica e de público, tendo uma das maiores bases de fãs dentro do universo dos board games, ainda assim muitas pessoas não gostam dele. Alguns boardgamers acham que há sorte demais envolvida, e que o estilo quase caricato do jogo não agrada.
Uma boa indicação, em relação aos “dungeons crawlers” é o tópico “The Dungeon Crawler Collection” do BGG. Nele o autor analisa uma quantidade enorme de jogos sob o ponto de vista da experiência dos jogadores. Para isso, ele dividiu os jogadores em três categorias, novato (newbie), casual (casual) e pesado (hardcore). Feito isso, ele analisou de que forma cada uma dessas categorias veria os jogos listados. O tópico em questão está no link: https://boardgamegeek.com/thread/1848358/dungeon-crawler-collector-20213.
Imagem BGG: Sword & Sorcery
Esse ponto de vista é muito interessante, e certamente vale uma olhada, para quem domina o inglês. Segundo a análise, um dungeon crawler, com regras mais simples, menos estratégia, e mais focado na ação, poderia ser bom para um grupo menos experiente. Mas esse jogo seria ruim para um grupo mais experiente e focado em jogos mais estratégicos e mais densos. Por isso, jogos como “Zombicide” e “Betrayal at House on the Hill” combinariam melhor em grupos novatos, e menos para grupos mais experientes. Já jogos como “Gloomhaven” e “Sword & Sorcery” ocorreria o contrário, ou seja, encaixariam melhor com grupos mais experientes, e menos para grupos novatos. Isso não quer dizer que “esse” é melhor que “aquele”, mas apenas que um jogo se adequa mais que o outro, dependendo de cada situação.
Dois outros jogos dignos de menção honrosa na categoria dungeon crawler são o “Hero Quest” e o “Legions of Steel”. Eles surgiram por aqui em 1989 e 1992 respectivamente, e representavam uma boa ponte entre o RPG e os jogos de tabuleiro. O pessoal com mais de 40, e que curtia jogos de tabuleiro na época com certeza vai lembrar.
Imagem Ludopedia: Legions of Steel
Há ainda a questão dos jogos dungeon crawler, cujas edições mais atuais trazem uma proposta híbrida, através do uso de aplicativos. Esses aplicativos chegaram para simplificar alguns aspectos que afastavam muitos jogadores, desse tipo de jogo. Um exemplo é o Mansions of Madness, cuja primeira edição realmente possuía um set-up (preparação) muito complicado. Apenas um elemento colocado errado poderia comprometer toda a jogatina, um problema que só apareceria horas após o início da partida. O aplicativo da segunda edição do Mansion of Madness melhorou bastante esse aspecto.
Outro fator muito importante é que em alguns casos, o aplicativo substitui a figura do overlord, que era um personagem interpretado por um dos jogadores. De uma maneira muito geral, o overlord controlava os inimigos e em alguns casos até o próprio jogo em si, combatendo os demais jogadores. Nesse caso funcionava o esquema “um contra todos”. Isso sempre gerava o problema de quem seria esse overlord, o mesmo de quem seria o Mestre em uma partida de RPG. Geralmente as pessoas querem jogar com os “mocinhos”, e não com o “vilão mausão”, muito embora existam aqueles que apreciam essa proposta.
Imagem BGG: Mansion of Madness
O “Descent: Lendas da Escuridão” também aderiu a essa proposta de substituir inteiramente o overlord pelo aplicativo, o que dividiu bastante as opiniões da comunidade. Os que são favoráveis defendem que isso simplifica muito o funcionamento do jogo, principalmente na preparação (e realmente simplifica). Os que são contra defendem que isso desvirtua a própria noção de boardgame, que por definição é analógico e se contrapõe ao jogo eletrônico. Eles argumentam que “se for para jogar com aplicativo é melhor jogar logo um vídeo game, com os amigos”. Como de costume os dois lados têm certa razão.
Além disso, o aplicativo pode ser muito útil para fornecer uma narração melhor, bem como uma trilha sonora bacana. Isso aumenta, e muito, a imersão e enriquece a experiência do jogo. O aplicativo também tem a função de diminuir sensivelmente cartas e outros acessórios que garantem a aleatoriedade do jogo e aumentam a sua rejogabilidade. Muito desse trabalho fica a cargo do aplicativo, de maneira que os jogos com mais material, não necessitam mais de mesas enormes, capazes de acomodar a tudo, e a todos. Nem sempre esse é o caso. O “Descent: Lendas da Escuridão” faz um forte uso de aplicativo, mas ainda assim tem uma quantidade absurdamente alta de componentes.
Imagem Ludopedia: Descent: Lendas da Escuridão
Outro ponto positivo em relação ao uso de aplicativos, é que eles ficam responsáveis por boa parte da rejogabilidade. Isso barateia e facilita a produção e lançamento de expansões. Basta imaginar um dungeon crawler que já possua uma boa quantidade de material na caixa base, como o Mansions of Madness. Se o aplicativo se encarregar das novas cartas de encontro, e novas aventuras, é muito mais fácil e barato lançar uma nova expansão virtual. Nesse caso, o trabalho de tradução e localização do material é relativamente mais fácil. O mesmo se aplica à produção dessa expansão virtual, que não vai depender de uma tiragem mundial física, impressa na China.
A distribuição também será muito mais simples, e o frete inexistente. A pessoa não vai receber o jogo pelo correio, mas sim baixá-lo na Internet. Caso ocorra algum erro em parte do material da expansão virtual, basta uma atualização, sem todas as dificuldades inerentes a uma expansão tradicional. Tudo isso é muito menos complicado, no caso de uma expansão virtual, do que na sua contraparte física. Nesse sentido, a transferência de parte do material dos dungeon crawlers, para os aplicativos pode ser muito interessante. Para as empresas porque elas terão um menor custo de produção. Para os consumidores, porque eles terão um acesso mais facilitado às expansões e materiais adicionais.
Imagem Ludopedia: Mice and Mystics
Obviamente nem tudo são flores, e é sempre bom lembrar que a tecnologia tem de ser um recurso ou, melhor dizendo, apenas um apoio. Caso contrário se corre o risco de ter um jogo tão focado no aplicativo que ao invés dele ser um board game que usa um aplicativo, ele será um jogo eletrônico que se utiliza de alguns elementos físicos, para enriquecer a experiência virtual.
Alguns exemplos de jogos dungeon crawler, com ou sem aplicativo: Zombicide, Gloomhaven, Mansion of Madness, Sword & Sorcery, Star Wars: Imperial Assault, HeroQuest, Betrayal at House on the Hill, Cthulhu: Death May Die, Descent: Lendas da Escuridão, Legions of Steel. Mice and Mystics
Por fim, os jogos coop e os dungeon crawlers são algumas das principais subcategorias de jogos, apresentados no sentido de auxiliar os novos jogadores a compreender, um pouco melhor, esse maravilhoso hobby, dos jogos de tabuleiro modernos.
Um forte abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
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Mais um excelente artigo do nosso mestre Iuri! Me lembro de quando entrei pra valer no mundo dos boardgames modernos, no começo da pandemia, com o objetivo de ter um lazer analógico com minha esposa e minha filha, e busquei sem saber exatamente como, jogos que não fossem “um contra o outro” e descobri essa 8a maravilha do mundo, os jogos cooperativos! Pandemic e Zombicide foram os que acabei comprando e me lembro até hoje a sensação que foi jogar Pandemic a primeira vez com minha esposa e meu cunhado… foi algo indescritível! A interação, o debate para achar a melhor jogada, todos se esforçando para vencer o tabuleiro, a sensação de vitória em grupo… tudo aquilo era novo e espetacular! Depois disso nossas vidas de “jogadores” nunca mais foram as mesmas hahaha
Caro Ralph
Na verdade você está descrevendo algo muito comum, e que aconteceu comigo também. Essa ideia de jogo cooperativo não é nova e vem desde os anos 70 com o RPG, e mais tarde nos anos 80 com o Hero Quest. No entanto é inegável que o conceito foi muito expandido, a partir de 1995, com o início da Era dos Jogos Modernos.
Eu particularmente acho os jogos coop fenomenais, e uma verdadeira quebra de paradigma em termos de jogos de tabuleiro, principalmente para nós brasileiros. Durante décadas, o nosso parâmetro foram os jogos clássicos WAR, Detetive e Banco Imobiliário, criados a muito tempo, em que os jogadores apenas competiam entre si. Com a chegada de jogos como o Pandemic, as pessoas começaram a ver que existem muitas outras possibilidades nos board games.
Por fim, muito obrigado, pelas palavras elogiosas.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
Eu jogava RPG no começo dos anos 2000, de modo que ja tinha jogado em “modo coop” na prática, mas a sensação de fazer isso no tabuleiro, sem alguem mestrando, com tempo correndo contra (baralho limitado) e dificuldades surgindo a cada nova jogada, sem que a gente pudesse parar pra respirar, foi algo incrivelmente diferente rs… é um daqueles momentos da sua vida que vc percebe que teve ali um estalo, um click mágico, e nada mais foi como antes… me lembro ate hj o dia que vi dois adultos jogando futebol de botão na AABB de São Paulo, eu devia ter uns 8 anos, e aquilo nunca mais saiu da minha cabeça, ate que uns anos depois vi uma foto de um goleiro de um botão na mesa em uma matéria numa revista de São Paulo, porém ao escrever uma carta para os responsáveis, nunca fui respondido… 10 anos depois tive acesso ao futebol de botão e instantaneamente comecei a jogar, ja sabendo que ia adorar, e nunca mais parei.
Tb acho os jogos coop maravilhosos e nunca tive o tal problema com o Alfa Player (até ocorreu uma vez numa partida, mas obviamente sei que isso não macula a categoria como um todo). Fiquei tão empolgado que no começo so comprei jogos cooperativos ou, no máximo, em equipe. Até hj dou preferência pra comprar jogo cooperativo, se puder.
jogo Zombicide e Gloomhaven e amo os dois: nao ha melhor ou pior nem regra de que Z é pra iniciantes e G para experientes… tem espaço no nosso coração pros dois tipos de forma identica, igua, vc ter FIFA e Dead Space no seu console de videogame… sem rotulos por favor
Caro Sterzin A
Com todo o respeito, eu meio que discordo do seu raciocínio. Não é que o Zombicide não possa ser jogado por veteranos ou o Gloomhaven não possa ser jogado por novatos. Obviamente, as pessoas são diferentes e alguém pode muito bem ingressar no hobby já começando por um jogo mais complexo como o Gloomhaven, do que por Zombicide, que é mais simples, por uma série de motivos.
A pessoa pode gostar mais do tema de um do que do outro, ela pode ter jogado muito RPG na juventude e querer experimentar um board game com uma experiência mais parecida, ele pode ter optado me função da colocação do Gloomhaven nos rankings dos sites de board games, ela pode ter sido influenciada pelo sucesso estrondoso do jogo, são muito as razões para essa opção.
No entanto, em termos gerais, é natural começar uma experiência nova com algo mais simples e aos poucos, conforme se ganha experiência, ir migrando para coisas mais complicadas. Basta pensar na música. Quando você começa a tocar violão, é natural começar com Leigão Urbana, por exemplo, e com o tempo passar para Jesus a Alegria dos Homens de Bach ou Entre dos Aguas do Paco de Lucia, que são peças mais complexas.
Portanto não é uma questão de rótulos, mas sim de reconhecer que Zombicide é muito mais simples que o Gloomhaven, porque realmente é. Mas, isso não quer dizer, em absoluto, que um seja melhor que o outro, e sim que são jogos diferentes, com uma pegada diferente e para públicos diferentes.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio