O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer que errou o tiro

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It's a Wonderful World

 

 

Inicialmente é preciso esclarecer que esse texto “O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer Que Errou o Tiro”, de forma alguma pretende diminuir quaisquer dos board games citados. Na verdade o que se pretende aqui é tão somente demonstrar a força do “apelo do novo” no hobby dos board games. Ele é forte a ponto de distorcer entendimentos, levar a conclusões equivocadas e, principalmente, influenciar prejudicialmente hábitos de consumo de jogos de tabuleiro.

 

Esse esclarecimento é muito necessário. Isso porque os board games são uma verdadeira paixão, e alguns jogadores têm verdadeira veneração por algum jogo em especial. Isso ocasionalmente faz com que essas pessoas se sintam pessoalmente ofendidas quando surge algum texto que diga que esse “jogo especial”, seja algo menos que fenomenal.

 

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No hobby dos board games, “o novo” aparece basicamente de três formas. A primeira delas, evidentemente, é quando surge um jogo inteiramente novo que não existia antes. Um exemplo disso é o Kingdomino. A segunda forma é quando surge uma nova edição de um jogo, com algumas alterações de arte, mecânicas ou regras. Dois exemplos disso são o Twilight Imperium IV (regras) e o Village (arte). A terceira forma é quando surge uma re-implementação, ou seja, um jogo novo, mas que utiliza toda a “infraestrutura” de um jogo mais antigo. Um exemplo disso é o Insondável, em relação ao Battlestar Galactica.

 

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Imagem Ludopedia: Village, um exemplo de tabuleiro bonito

 

No caso da primeira forma, ou seja, do jogo inteiramente novo, não há muito o quê falar. O novo não apenas causa temor, mas exerce um natural fascínio sobre o gênero humano. No caso da segunda forma, ou seja, uma nova edição, algumas vezes esse novo dá certo, outras vezes não. Muitas pessoas gostam do Twilight Imperium III, mas parece existir um consenso no sentido de que a versão mais recente melhorou o jogo. Esse é um exemplo de nova versão que deu certo quanto ás regras.

 

Por outro lado, ocorreu o oposto no caso do Queendomino. Esse jogo nem pode ser considerada um re-implementação do Kingdomino, porque é praticamente o mesmo jogo, mas com regras mais confusas, disfarçadas de complexidade. O Kingdomino continua sendo considerado um dos melhores jogos de todos os tempos, principalmente para mostrar a iniciantes. Enquanto isso, o Queendomino caminha solenemente para o esquecimento. Outro exemplo, de atualização de regras discutível, ocorreu no caso do Caylus, em relação ao Caylus 1303. Muitas pessoas desaprovaram a nova versão, porque deixou o jogo bem menos apertado, que aversão original.

 

 

No caso da arte que melhora, há o Camel Up, cuja arte da segunda edição é muito superior à da primeira. Isso sem falar da palmeira gigante que não interfere em nada no andamento do jogo, mas dá um ar todo especial. No extremo oposto temos jogos em que a arte piora. É o caso da infantilização da arte do Village (um dos tabuleiros mais bonitos do uinverso dos board games), para a segunda edição. Só para esclarecer, o termo “segunda edição” também está sendo utilizado com o sentido de reprint. Também é bom esclarecer que essa questão de “essa arte é melhor que aquela” depende muito do gosto pessoal, e gosto cada um tem o seu.

 

Invasores-do-Mar-do-Norte-e-Citia-comparativo-de-tabuleiros-Ludopedia-300x176 O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer que errou o tiro

Imagem Ludopedia: Invasores do Mar do Norte e Invasores de Cítia – tabuleiros

 

Algo parecido aconteceu com o Invasores de Cítia uma reimplementação do Invasores do Mar do Norte. Antes do lançamento do Cítia, o próprio designer Shem Phillips informou que não investiria mais nas sagas do “Mar do Norte”. Isso sinalizou para muita gente que os jogos sequer seriam relançados. Outra coisa que cabe citar no caso do Invasores de Cítia é a arte do tabuleiro que teve um piora sensível. As regras podem até ter melhorado, em relação ao Invasores do Mar do Norte, o que é muito discutível, mas o mesmo não se pode dizer do tabuleiro.

 

Todos os dois jogos tratam do tema de povos que invadiam e pilhavam as nações vizinhas. No caso do Invasores do Mar do Norte eram os vikings, e no caso dos Invasores de Cítia eram os citas, um povo guerreiro da Ásia central. O que faz o tabuleiro do Invasores do Mar do Norte ser melhor é que ele é contínuo, mostrando as terras de onde os vikings saíam e os lugares que invadiam. Isso dá uma excelente noção da evolução das invasões vikings. No Invasores de Cítia, por outro lado, o tabuleiro é descontinuado e as áreas invadidas são claramente separadas, para representar os diferentes reinos. Essa opção pode até ser temática, mas prejudica muito a “sensação de expansão”, tão presente no Invasores do Mar do Norte.

 

A terceira forma, ou seja, através da re-implementação de um jogo tem um eventual apelo que não depende inteiramente do novo. Muitas pessoas que descobriram o hobby mais tarde, nem sempre têm a oportunidade de adquirir jogos antigos, mas excelentes. Possivelmente, muitas pessoas que compraram o Insondável, o fizeram não por ele ser novo, mas sim porque o Battlestar Galactica não estava mais disponível, a um preço viável.

 

Insondavel-BGG-300x300 O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer que errou o tiro

Imagem BGG: Insondável 

 

Evidentemente as edições posteriores, normalmente vêm com modificações e atualizações, para resolver eventuais problemas e falhas da edição anterior, mas isso não é garantido. Muita gente gostou do Insondável, mas muita gente também continua achando o Battlestar Galactica imbatível, mesmo depois de tantos anos.

 

Claro que é preciso descontar o fato de que alguns jogos antigos ficam fora do alcance de jogadores mais recentes no hobby. Com isso, a única saída é comprar a nova edição. O próprio Insondável é um exemplo disso. Durante anos o Battlestar Galactica foi o sonho de consumo de muita gente, só que quem tinha não vendia, ou raramente vendia, mas a um preço proibitivo. O jogo ficou ainda mais inacessível, quando problemas de direito de imagem dos atores do seriado, tornaram praticamente impossível um reprint. Por isso, quando surgiu o Insondável, muitas pessoas compraram o jogo não apenas por conta do “apelo do novo”, até porque muitas regras foram atualizadas, mas porque o Battlestar Galactica estava fora de questão.

 

E com isso se chega à questão envolvendo o 7 Wonders e o It’s a Wonderful World. Mas antes de adentrar na discussão propriamente dita, é preciso recuar um pouco no tempo e dar uma recapitulada na história desses dois board games. Não há nenhuma dúvida de que o 7 Wonders é um dos maiores jogos de todos os tempos, goste-se dele ou não, tenha-se enjoado dele ou não.

 

Battlestar-Galactica-300x300 O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer que errou o tiro

Imagem BGG: Battlestar Galactica

 

O 7 Wonders é um jogo de 2010, do aclamado designer Antoine Bauza (ganhador do Kennerspiel des Jahres de 2010, com o 7 Wonders e do Spieldes Jahres 2013 com o Hanabi). Esse jogo é tão fenomenal que levou em parte, e não exclusivamente, à criação de uma nova categoria do prestigiado prêmio Spiel des Jahres. Essa nova categoria é o Kennerspiel des Jahres em 2011, para jogos mais complexos, sendo o 7 Wonders seu primeiro ganhador.

 

Além disso, mesmo após dez anos de seu lançamento, o 7 Wonders ainda é o board game moderno mais premiado até hoje, tendo ganho os principais prêmios do segmento de jogos de tabuleiro entre eles o As d’Or (França) e o Golden Geek (EUA), além do Kennerspiel des Jahres. Em contrapartida, o IAWW também ganhou alguns prêmios, em especial, o Nederlandse Spellenprijs Best Advanced Game (Holanda) e o GEEKS d’OURO Best Board Game of the Year (Portugal), mas nada que chegue nem perto do prestígio do 7 Wonders.

 

Outra coisa interessante sobre o 7 Wonders, é que, apesar dele não ser o jogo que criou a mecânica de Seleção de Cartas (Card Drafting), ele ainda é a sua principal referência. Só a título de curiosidade, o jogo mais antigo listado com essa mecânica no BGG, é o Black Spy de 1981. Quase dez anos depois, após o lançamento do 7 Wonders, surgiu em 2019 outro jogo com Seleção de Cartas, chamado “It’s a Wonderful World” (doravante IAWW).

 

Curiosamente, no IAWW a parte de aquisição de recursos para comprar cartas é bem maior que a seleção de cartas. Isso faz com que o jogo se assemelhe mais ao Century, do que propriamente ao 7 Wonders. Todavia, para exaltar o máximo possível um jogo novo, o natural seria compará-lo ao um “peso-pesado”, dos board games.

 

7-Wonders-BGG-288x300 O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer que errou o tiro

Imagem Ludopedia: 7 Wonders

 

Vale esclarecer que o termo “peso-pesado” está sendo utilizado não em relação ao “peso lúdico” do 7 Wonders, mas sim referente ao seu enorme prestígio enquanto board game. Por isso, ao invés de ser comparado ao Century, o que no final das contas teria sido muito melhor para o IAWW, ele acabou sendo comparado mesmo ao 7 Wonders. Basta dizer que o jogo foi apresentado e recebido por alguns boardgamers como o “7 Wonders Killer”.

 

Estratégias de marketing à parte, o fato é que o IAWW nunca chegou nem perto de ameaçar o 7 Wonders, no que quer que fosse. Claro que nessa comparação não cabe o gosto pessoal de cada um, porque uma pessoa vai gostar mais desse ou daquele jogo, simplesmente porque sim. Porém, os números, que são mais objetivos, não deixam margem para a dúvida.

 

Iniciando pelos rankings gerais, o 7 Wonders ocupa a posição #88 do BGG e #74 do Ludopedia. Por outro lado a posição do IAWW no BGG é #142, e no Ludopedia #338. Já no caso do Century as respectivas posições são #308 no BGG e #264 no Ludopedia. Isso mostra que a preferência pelo IAWW é maior no BGG, mas que no caso do Ludopedia, essa preferência tende para o Century. Independente disso, o fato é que o 7 Wonders está muito longe dos demais dois jogos em termos de preferência, tanto em uma ranking quanto no outro. Considerando que o “hype” ao redor desses jogos já passou há muito tempo, e que o “hype” é um dos principais fatores capazes de modificar a posição nos rankings, parece muito pouco provável que essas posições tenham mudanças muito significativas, no curto e médio prazo.

 

Century-Rota-das-Especiarias-Google-300x142 O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer que errou o tiro

Imagem BGG: Century – componentes

 

Porém, posição em ranking é um parâmetro discutível, apesar de ser um critério objetivo e facilmente apurável. Mas outros parâmetros, igualmente objetivos, também confirmam que o IAWW, com todos os seu inúmeros méritos, não é páreo para o 7 Wonders. Isso é o que indicam as “Ludostats”, estatísticas do Ludopedia. Vale esclarecer que apesar de ser um jogo de 2019, o IAWW só foi lançado nacionalmente em dezembro de 2020, Por isso, só é possível considerar as estatísticas de 2021/2022, porque as de 2023, obviamente ainda não estão totalmente disponíveis. Assim sendo, as Ludostats indicam que, em 2021, o 7 Wonders estava entre os jogos mais adquiridos daquele ano (#368 compras), enquanto que o IAWW, nem figurou na estatística. Do mesmo modo, o 7 Wonders esteve entre os jogos mais visualizados de 2021 (37.830 visualizações). Já o IAWW, mais uma vez, não figurou nessa estatística.

 

Por fim, o 7 Wonders também aparece com um dos board games mais jogados de 2021 (449 partidas registradas), enquanto que o IAWW finalmente conseguiu entrar para a estatística (104 partidas). Em 2022 nenhum dos dois jogos entrou para a estatística dos mais adquiridos, mas o 7 Wonders apareceu na estatística dos mais jogos mais visualizados (37.897 visualizações). No caso dos jogos mais jogados o 7 Wonders aparece com 492 partidas registradas, enquanto que IAWW teve apenas 238 partidas em 2022.

 

Evidentemente as Ludostats não são 100% precisas, por uma série de fatores. Os entusiastas do 7 Wonders podem participar mais no cadastro do sistema do Ludopedia. O IAWW pode ter atendido a um público externo ao Ludopedia (o que, sinceramente, é difícil de acreditar). O 7 Wonders pode ter vendido mais em 2021/2022, porque estava custando bem menos que o IAWW. Portanto diversas variáveis podem interferir com os números das Ludostats.

 

Its-a-Wonderful-World-tabuleiro-e-componentes-300x300 O Apelo do Novo nos BG ou o 7 Wonders Killer que errou o tiro

Imagem BGG: It’s a Wonderful World – componentes

 

Só que, seguindo esse raciocínio, nenhuma fonte de dados pode ser considerada suficientemente fidedigna, principalmente se contraria a opinião de quem discorda dos dados apresentados. Nessa situação, corre-se o risco de terminar naquela situação, sem nenhum fundamento verificável, do tipo “na minha opinião pessoal a comunidade aprecia mais o jogo A do que o jogo B”, que não leva a nada. Isso porque qualquer um pode achar o que quiser, mas se essa opinião condiz com a realidade ou não, aí é outra história.

 

Isso tudo quer dizer que o IAWW é um jogo ruim? Obviamente que não. Mas, por outro lado, mesmo sendo um bom jogo, e muito divertido de jogar, de forma alguma o IAWW, pode se comparar com o 7 Wonders, em nenhum aspecto possível.

 

Assim sendo, é preciso muita cautela com o apelo do novo. Isso porque um jogo novo não é necessariamente melhor que outros jogos similares mais antigos. Ele é apenas mais novo e se ele será superior ou inferior aos outros jogos, vai depender exclusivamente de suas características intrínsecas, e não da sua data de lançamento.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

P.S. Outros textos, mais antigos podem ser encontrados em: https://ludopedia.com.br/canal/iuribuscacio

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

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