12ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Wargames e Warhammer
TWILIGHT STRUGGLE
Esse artigo “12ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Wargames e Warhammer” é o décimo segundo de uma série de textos, contendo dicas para boardgamers, iniciantes veteranos. A ideia é ajudar quem iniciou no hobby agora, e também propor um ponto de reflexão aos boardgamers mais experientes. Quem tiver o interesse de ler os textos anteriores, basta acessar os links abaixo:
1ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça Melhor o Hobby
2ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Caixas
3ª Dica P/ Novos Jogadores – 7 Cuidados ao Iniciar nos BGs
https://maxiverso.com.br/blog/2022/12/27/3a-dica-p-novos-jogadores-7-cuidados-ao-iniciar-nos-bg/
4ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça a Arte/Design dos Jogos
https://maxiverso.com.br/blog/2023/01/06/4a-dica-p-novos-jogadores-conheca-a-arte-design-dos-jogos/
5ª Dica P/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Peças
https://maxiverso.com.br/blog/2023/02/26/conheca-os-tipos-de-pecas/
6ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Tabuleiro
https://maxiverso.com.br/blog/2023/03/10/conheca-os-tipos-de-tabuleiros/
7ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 1
https://maxiverso.com.br/blog/2023/04/18/elementos-abstratos-dos-jogos/
8ª Dica p/ Novos Jogadores – Elementos Abstratos dos BGs – parte 2
https://maxiverso.com.br/blog/2023/05/12/elementos-abstratos-dos-bgs-2/
9ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Tipos de Jogos
https://maxiverso.com.br/blog/2023/07/12/9a-dica-p-novos-jogadores-conheca-os-tipos-de-jogos/
10ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça Dungeon Crawlers e Coop
https://maxiverso.com.br/blog/2023/07/15/conheca-dungeon-crawlers-e-coop/
11ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça os Jogos CIV e 4x
https://maxiverso.com.br/blog/2023/07/21/11a-dica-p-novos-jogadores-conheca-os-jogos-civ-e-4x/
Nesse 12º texto, a série entra no campo dos board games de altíssima complexidade, os wargames. Devido ao seu histórico, ao seu público, e até a sua estrutura própria, esses dois tipos de jogos são considerados um hobby à parte. Até porque eles surgiram algumas décadas, ou, dependendo do ponto de vista, alguns séculos, antes do lançamento do Catan em 1995.
Imagem Ludopedia: Catan
Entre as grandes categorias de jogos, (euro, ameritrash, familiares, festivos e abstratos), os wargames se aproximam mais dos ameritrash, do que qualquer outra categoria. Isso faz todo o sentido. Sem dúvida, os wargames certamente foram a inspiração, para jogos de tabuleiro, envolvendo combates e o uso de miniaturas, como é o caso dos ameritrash. Também há que se considerar que, séculos antes dos ameritrash serem inventados, já se utilizava miniaturas sobre um tabuleiro para jogar ou treinar. Esse hábito recua ainda mais no tempo, se o “Xadrez” for considerado um jogo de combate de miniaturas sobre um tabuleiro. Mas mesmo os wargames tendo influenciado bastante os ameritrash, ainda assim eles são tipos de jogos muito diferentes.
Imagem Google: Xadrez
Dificilmente alguém pensaria no “Paths of Glory” (wargame), como sendo da mesma categoria de jogos que o “Mansion of Madness” (ameritrash). E nem é uma questão de um ter miniaturas e o outro não. Mesmo o “Paths of Glory” não fazendo uso de miniaturas, elas então presentes em boa parte dos wargames (especialmente aqueles de combates naval e aéreo). Isso para não falar que os wargames são os pioneiros na utilização desse tipo de recurso.
Assim sendo, obviamente, não é apenas o uso, ou não, de miniaturas que diferencia os wargames dos ameritrash. Além disso, o “Scythe”, por exemplo, é um jogo que apesar de ter miniaturas, se aproxima muito mais dos jogos euro, do que dos ameritrash. Mesmo isso sendo amplamente discutível, essa é a opinião da maioria da comunidade boardgamers.
O mesmo ocorre com, por exemplo, o “Blood Rage” e o “Rising Sun”. Muitas pessoas têm certa relutância em caracterizar como autênticos ameritrash, apesar deles terem belas miniaturas e muita interação. O principal argumento, desse ponto de vista, é que tanto no caso do “Blood Rage”, quanto no do “Rising Sun”, existem alguns elementos, que os aproximaria demasiadamente dos euros. Isso os tornaria muito mais um tipo híbrido de jogo, do que propriamente ameritrash.
Imagem Ludopedia: Scythe
Já o Warhammer 40k (um wargame com miniaturas) é um jogo muito mais próximo dos ameritrash do que dos euros. Isso se forem consideradas apenas essas duas categorias. Mas se a categoria dos wargames for incluída na análise, então ele é muito mais um wargame do que um ameritrash.
De todo modo, o importante é notar que essas subcategorias (wargames) representa “o nicho dentro do nicho”. Mesmo se aproximando, ou dos euros ou dos ameritrash, os wargames possuem características muito próprias que os diferencia significativamente das categorias mais abrangentes.
WARGAMES
Dentre aqueles que gostam de jogos de tabuleiro, existem os que têm preferência pelo tema guerra, e dentre esses, há aqueles que jogam wargames. Portanto, nesse aspecto, os wargames representam o nicho, dentro do nicho, dentro do nicho. Nesse sentido, é bom esclarecer que nem todo o jogo que envolva o tema da guerra é um wargame. Esse é o caso dos jogos WAR/Risk, ou do Twilight Struggle, que não são considerados wargames (pelo menos não na acepção estrita do termo). No entanto todos os dois retratarem cenários ou campanhas bélicas. Para que um jogo sejam um wargame ele terá de ter uma série de outras características, muito marcantes.
Antes de qualquer coisa, é preciso esclarecer que “wargame” é um termo que retrata uma simulação de combate militar, principalmente para efeito de treinamento. O termo pode envolver, exercícios com exércitos reais inteiros, com soldados, armamento e veículos de verdade. Evidentemente nesses caso não se usa munição real, pois o objetivo é treinar e não matar seus próprios companheiros de armas. Mas o termo “wargames” igualmente se aplica a jogos com duas pessoas, disputando uma batalha histórica ou futurista, com o uso de miniaturas. Também é comum o uso de um tabuleiro de gtade hexagonal, em que se movimentam marcadores de papelão, representando unidades dos respectivos exércitos. No universo dos jogos de tabuleiro, o termo “wargame” é utilizado principalmente com dois sentidos diferentes, ou seja, “lato sensu” de forma muito genérica e “strictu sensu” de uma forma mais específica.
Imagem BGG: Paths of Glory
No seu sentido mais genérico (e abrangente demais), o termo wargame engloba todo e qualquer jogo envolvendo o tema guerra ou o combate militar. Essa forma de utilizar o termo wargame é muito problemática. Ela é tão genérica que inclui muitos jogos claramente diferentes entre si, como se fossem semelhantes o suficiente para fazerem parte da mesma categoria. Isso inviabiliza qualquer esforço de classificação. Isso porque utilizar apenas o tema, ou ambientação, como critério, é muito pouco para determinar que aquele conjunto de jogos que tratam do mesmo assunto compõem um conjunto coeso, e suficientemente distante das demais categorias.
Um exemplo claro dessa utilização amplamente genérica é a categoria “war” do BGG, que abrange os wargames. Segundo essa classificação, alguns jogos completamente distintos, são considerados suficientemente semelhantes para serem agrupados em uma mesma classe. Esse é o caso do oitentista “Combate” (jogo de tabuleiro com peças cartonadas), o “Twilight Struggle” (jogo de tabuleiro com marcadores e cartas). O mesmo ocorre entre o “Warhammer 40K” (jogo de miniaturas sem tabuleiro) e o Space Empires 4x (jogo 4x), muito distantes. Qualquer pessoa há de concordar que, tirando o tema, não existe nenhum outro elemento, capaz de tornar esses quatro jogos nem mesmo próximos. Fica gritante o equívoco de se classificar jogos tão díspares, como partes integrantes de um mesmo conjunto distinto de board games.
Imagem BGG: Queen’s Guard
No sentido mais específico, os wargames englobam os “wargames tradicionais” com tabuleiros de grade hexagonal e aqueles com miniaturas em um cenário (sem tabuleiro). Nesse caso, tais jogos são agrupados por razões históricas e de proximidade de gênero. Quanto à grade hexagonal, uma curiosidade é que o primeiro registro desse elemento em um jogo é do Queen’s Guard de 1842.
O primeioro tipo são aqueles jogos que usam tabuleiros divididos em áreas (tradicionalmente hexágonos), sobre os quais se colocam os marcadores de papelão. Esse é o caso dos jogos da série Axis & Allies (tabuleiros com áreas), o Advanced Squad Leader (tabuleiro com hexágonos) e Paths of Glory (tabuleiro com espaços específicos). O segundo tipo não utiliza tabuleiro, mas sim uma área fixa, como uma mesa, e diversos elementos concretos para compor o cenário. Assim sendo, os wargames de miniatura utilizam réguas e regras próprias de movimentação e alcance de tiro. Esse é o caso de jogos como “Star Wars X-Wing” e o “Warhammer 40K”. bem como
Na verdade a principal diferença em termos práticos é que um tipo usa tabuleiros e mede as distâncias em hexágonos ou espaços. Já o outro tipo não usa tabuleiros, mas sim todo o cenário montado, e mede as distâncias em centímetros ou polegadas. De todo modo, essa distinção é importante, porque nesse texto será utilizado esse sentido mais estrito do termo wargame. Normalmente o termo wargame fará referência aos jogos tradicionais, que utilizam tabuleiro e marcadores de papelão.
A ORIGEM DOS WARGAMES
É muito comum, em filmes de guerra, ver uma cena em que os generais estão em uma sala com um mapa imenso, contendo peças espalhadas sobre ele. Sobre esse mapa estão miniaturas representando unidades reais do exército ou da marinha. Aviões são menos comuns, porque eles se movimentam rápido demais para que a representação seja efetiva. Esses mapas são ferramentas, para que os comandantes dos exércitos envolvidos possam visualizar melhor, o desenrolar de uma batalha, em terra ou no mar. Essa situação não é propriamente um exemplo de wargame, porque nesse caso, os militares não estão simulando. Na verdade eles estão reproduzindo em um tabuleiro, algo que está acontecendo na realidade. Porém essa imagem dá uma idéia aproximada de como eram os primeiros wargames, cujas batalhas fictícias serviam como treinamento nas academias militares.
Imagem Google: WARGAMES retratados no cinema e na vida real, tanto para treinamento, quanto para a guerra
Jogos de tabuleiro ambientados em um cenário bélico são muito antigos, e talvez o mais famosos de todos seja o Xadrez. Devido a sua quase onipresença, o Xadrez acabou se tornando a base para os primeiros wargames e demais jogos assemelhados. No século XVII, merece destaque o jogo Koenigspiel (em tradução livre “Jogo do Rei), criado em 1664, por Christopher Weikhmann. Mesmo usando um tabuleiro maior e mais peças, ainda era semelhante demais ao Xadrez.
Mais de um século depois, em 1780, na Prússia (uma região histórica e um dos reinos do antigo Império Alemão), o Prof. Johann Christian Ludwig Hellwig foi além e criou aquele que é considerado o primeiro wargame da história. Esse novo conceito de jogo, ou Kriegsspiel (“jogo de guerra”, em alemão) foi a primeira tentativa de usar um jogo para simular, da forma mais realista possível, uma situação de conflito bélico, para efeito de instrução e treinamento militar.
O wargame, ou Kriegsspiel de Heelwig foi chamado de “Versuch eines aufs Schachspiel gebaueten taktischen Spiels von zwey und mehreren Personen zu spielen”. Uma tradução aproximada seria “Proposta de jogo tático, baseado no Xadrez em que duas pessoas podem jogar”. Curiosamente, esse termo Kriegsspiel, não ficou associado a um único jogo, como seria de se esperar. Na verdade, o termo deu nome a toda uma nova categoria de jogos, que se diferenciam entre si, pela indicação de seu criador.
Imagem BGG: Kriegsspiel de Hellwig
O Prof. Hellwig dava aulas de filosofia, matemática e ciência natural, na academia militar de Braunschweig. O seu “Kriegsspiel”, simulava uma batalha fictícia, utilizando o conceito das peças de Xadrez sobre um tabuleiro quadriculado muito maior e mais amplo. O objetivo era treinar os jovens aristocratas, alunos do Professor Hellwig, e futuros oficiais do exército. O Kriegsspiel de Hellwig tem uma grande importância histórica, porque ele apresentou alguns conceitos fundamentais para os wargames, que são usados ainda hoje. Entre esses conceitos destacam-se a utilização de uma única peça para representar, não apenas um, mas todo um grupo, ou melhor, toda uma unidade contendo diversos soldados e a utilização de quadrados com cores diferentes para indicar tipos diferentes de terreno (azul para rios e lagos, verde para florestas e vermelho para montanhas).
Em 1803 foi publicada uma segunda edição do jogo, porém ele não foi muito bem recebido pelos acadêmicos militares. Isso porque mesmo havendo algum distanciamento, o Kriegsspiel de Hellwig ainda continuava próximo demais ao Xadrez. Além disso, apesar de suas grandes inovações, o Kriegsspiel de Hellwig apresentava algumas deficiências fundamentais. Esses problemas inviabilizavam o jogo enquanto representação realística de um cenário de batalha, a ponto de servir como recurso de treinamento. Nesse primeiro wargame, as unidades eram removidas tão logo fossem derrotadas (seguindo a lógica das peças de Xadrez). Além disso, a movimentação das peças pelo tabuleiro era muito diferente da movimentação das tropas em um situação de combate real. Outro problema era a limitação da representação do cenário, em que por conta da grade quadricular, rios e montanhas faziam curvas de 90º graus.
Imagem BGG: Réplica de Dados utilizados em jogos tipo Kriegsspiel
Alguns anos após a criação desse primeiro wargame, o comerciante escocês John Clerk criou um sistema de regras, para simular a guerra naval. Ele publicou esse sistema no ensaio “An Essay on Naval Tactics, Systematic and Historical”, que incorporava muitas das táticas militares da própria Marinha Real. Reza a lenda, que o próprio Almirante Horatio Nelson utilizou algumas estratégias desse sistema, na Batalha de Trafalgar, contra forças navais francesas e espanholas. Nessa mesma época, em 1796, foi publicado o “Neue Kriegsspiel”, ou Novo Wargame, do militar e teórico tático alemão Johann Georg Julius Venturini.
Essa nova proposta refinou bastante os wargames da época, utilizando um tabuleiro maior que a versão de Hellwig (3.600 quadrados – 60×60, contra 1.600 – 40×40). Ele representou pela primeira vez uma localidade real, ou seja, a região da fronteira entre a França e a Bélgica. Além disso, outro elemento fundamental introduzido por Venturini foram as peças de suprimento, equipamento e suporte, como fortificações, depósitos, arsenais, artilharia, e transportes de carga. Isso adicionou os problemas de logística ao jogo, tornado-o muito mais realista. Outro inovação foi o refinamento na movimentação das peças representando as tropas, que passou a considerar as influências e dificuldades do terreno. Com isso, o conceito de Kriegsspiel deixou de ser visto como um passatempo ou hobby, mas sim como um possível instrumento de treinamento militar. Porém, apesar de promissor, essa ferramenta ainda necessitava de alguns melhoramentos, antes de ser considerada seriamente.
Outro wargame da época que merece destaque foi o Das Opiz’sche Kriegsspiel, de Johann Ferdinand Opiz. As regras desse wargame foram publicadas pela primeira vez em 1806, mas o autor alegou que ele havia sido criado em 1760, o que não pôde ser comprovado. Esse wargame introduziu o uso de dados, para acrescenter aleatoriedade e se distanciar do Xadrez.
Imagem woehammer.com: Reprodução de um Kriegsspiel de 1824
A versão que cativou de vez os corações e mentes dos militares prussianos foi o Kriegsspiel criado pelo Barão George Leopold Von Reisswitz. Georg Heinrich Rudolf Von Reisswitz, filho do autor, aperfeiçoou muito esse wargame, e foi o responsável pela popularização do jogo, nos meios militares. Apesar de ter avançado bastante em relação ao Kriegsspiel de Venturini, o modelo original de Reisswitz (pai) ainda era um tanto o quanto incompleto, principalmente no tocante à resolução dos combates entre algumas unidades. Por fim o criador do jogo perdeu o interesse nele, e o seu desenvolvimento e continuidade ficou por conta exclusiva de seu filho. Reisswitz (filho) era um jovem militar prussiano, e formou um círculo de entusiastas entre seus colegas de caserna, para refinar e melhorar as regras do jogo de seu pai, por volta de 1820.
Em 1827 com o suicídio de Reisswitz (filho), o jogo perdeu bastante de seu prestígio, mas foi mantido vivo por algumas associações e clubes. Dentre estes, merece destaque a Berlim Wargame Association, que publicou um conjunto de regras expandidas em 1846, e uma segunda edição do jogo em 1855. Outro clube de destaque foi o Magdeburg Club, que era administrado pelo General von Moltke. Nessa época o Kriegsspiel de Reisswitz já estava bastante desenvolvido, e a maior complexidade das regras o tornou miuito mais realista. A grade quadrada foi substituída por mapas na mesma escala (1:8.000) e com o mesmo estilo dos mapas militares reais. Isso aumentou muito o valor do jogo, enquanto instrumento de treinamento. Os jovens oficiais jogavam com base em mapas muito próximos, àqueles que utilizariam em batalhas reais.
Imagem BGG: Das Opiz’sche Kriegsspiel
Outra inovação importante do Kriegsspiel de Reisswitz foi a adoção de uma terceira pessoa, normalmente um oficial mais graduado e experiente, para funcionar como árbitro. Essa terceria pessoas seria fundamental, para resolver as disputas, e eventuais questões, ao longo da partida. Esse árbitro também poderia receber as instruções de cada jogador e em seguida fazer as devidas alterações no tabuleiro do jogo. Essa inovação possibilitou simular o “fog of war”, ou seja, as unidades só entravam no tabuleiro, quando pudessem ser realmente vistas por seus adversários. Esse novo elemento aproximava ainda mais a situação do jogo, com o o que acontecia em uma batalha real. Com isso, não era possível saber, antecipadamente, em que ponto se concentrariam as forças inimigas. Da mesma forma, o jogador não sabia as movimentações de seu adversário, nem poderia traçar estratégias com bases apenas nas peças já lançadas no tabuleiro.
Além disso, o Kriegsspiel de Reisswitz também trouxe uma outra grande inovação, especificamente na resolução dos combates. Como os Kriegsspiel, tanto de Hellwig quanto de Venturini ainda eram muito próximos do Xadrez, quando uma peça era atacada e derrotada, ela era imediatamente retirada do jogo. Só que isso não era realista, porque uma peça representa uma unidade inteira do exército, composta de grande números de soldados. Desse modo, ela poderia ser apenas parcialmente derrotada, mas ainda continuar na batalha. Com isso, mesmo enfraquecida ela continuava influenciando a partida de alguma maneira. Essa unidade também poderia se retirar, após sofrer uma quantidade suficiente de danos, mas não a ponto de aniquilá-la. Para melhorar esse aspecto o Kriegsspiel de Reisswitz, foi o primeiro a adotar, um sistema de “pontos de vida”, para cada unidade.
Imagem BGG: Kriegsspiel simplificado de Verdy du Vernois de 1897
Desse modo, só quando uma unidade perdesse todos seus “pontos de vida” é que ela estaria completamente derrotada e seria retirada da partida. Do mesmo modo, o Kriegsspiel de Reisswitz também foi o primeiro a resolver os ataques e defesas com uso de dados Isso adicionava alguma aleatoriedade, que representasse tantos os ataques mal sucedidos, quanto as defesas mais vigorosas, bem como imprevistos e o “imponderável da guerra”. Assim sendo, ainda em meados do século XIX, o Kriegsspiel de Reisswitz já possuía muitas das características dos wargames modernos.
Por volta de 1860, após algumas exibições perante a realeza e o alto comando do exército prussiano, o Kriegsspiel de Reisswitz passou a ter seu valor reconhecido. Com isso ele se tornou uma importante ferramenta de treinamento nas academias militares, e o principal wargame da época. Desse mesmo período também merece destaque o Kriegsspiel de Wilhelm Von Tschischwitz, que incorporou diversos avanços tecnológicos da época (ferrovias, telégrafo, etc). Isso simplificou relativamente as regras, o que tornou o jogo mais acessível para jogadores leigos e não-militares. Com o grande sucesso da Prússia nas Guerras Austro-Prussiana e Franco-Prussiana, em que derrotou a Áustria e a França, os métodos de instrução e treinamento militar prussianos passaram a ser adotados pelos exércitos de diversos outros países, o que incluía os wargames.
Logo em seguida, os wargames extrapolaram os meios militares e passaram a ser jogados também por civis por todo o mundo. Rapidamente eles se tornaram um hobby popular também entre a população em geral. O escritor Robert Louis Stevenson (“A Ilha do Tesouro” e “O Médico e o Monstro”) foi a primeira pessoa, de que se tem registro, a utilizar miniaturas de soldadinhos de chumbo, para simular um combate entre dois exércitos adversários.
Imagem Google: Ilustração de um Jornal da Época retratando H.G. Wells e seu wargame
Todavia, apesar desse pioneirismo ter sido registrado, o mesmo não pode ser dito das regras que o escritor utilizou, por que elas não foram publicadas. Um pouco mais tarde, outro escritor, H. G. Wells (“A Máquina do Tempo” e “O Homem Invisível”), publicou um conjunto de regras, para simulação de combates, em um livro chamado “Little Wars”, de 1913. Esse não chega a ser considerado o primeiro wargame moderno, porque não era um jogo criado especificamente para esse fim.
Na verdade o texto descrevia um conjunto de regras, que estavam mais para uma brincadeira, do que para uma tentativa séria de simular um combate militar de forma realista, com parâmetros baseados nas tropas da época. Basta dizer que as miniaturas só poderiam entrar em combate corpo a corpo, mesmo que portassem armas de fogo de longo alcance. Independentemente de seu jogo não ser tão preciso, outro mérito de H. G. Wells, é que ele foi o primeiro a utilizar terrenos de alturas diferentes, bem como árvores e edificações, como cenário de um wargame.
Em seguida vieram as duas Grandes Guerras e as batalhas perderam toda a sua aura, pretensamente romântica, se mostrando como a verdadeira carnificina que são. Isso ocorreu especialmente após a I Guerra Mundial. Nesse conflito morriam centenas de milhares de soldados, às vezes em uma única batalha, às vezes em um único dia. Esse receio e aversão da opinião pública, às campanhas militares em larga escala, ficaram muito claros na relutância de Inglaterra e França em declararem guerra à Alemanha, no final dos anos 30. A guerra passou a ser encarada como uma coisa trágica, cruel, e maléfica, de modo que os assuntos bélicos perderam muito do seu prestígio.
WARGAMES MODERNOS
Em 1954, quase dez anos após o fim da II Guerra Mundial, e logo após o armistício da Guerra da Coreia, quando o mundo já vivia os terrores da Guerra Fria, surgiu o jogo “Tactics”. Esse wargame do famoso designer Charles S. Roberts simulava um combate fictício entre dois exércitos de forma realista. O “Tactics” de Charles Roberts é considerado o primeiro “wargame moderno” da história, e seu designer foi reconhecido como o criador de uma nova categoria de jogos. Esse tipo de jogo, mais acessível ao público em geral, fez muito sucesso nas décadas seguintes. Posteriormente Charles Roberts também fundou a Avalon Hill, que durante décadas foi a principal editora de wargames do mundo. Na sua cola, surgiram as rivais Simulations Publications inc. (PSI) e a britânica Games Workshop Group PLC (GW).
Os primeiros wargames utilizavam marcadores, para representar as unidades, que eram pequenas peças quadradas de papelão, contendo as características de cada uma dessas unidades. Essa opção era evidentemente para baratear o custo de produção do jogo. Além disso, isso servia para diferenciar esse tipo de wargame, das simulação de batalhas históricas com exércitos de miniaturas de chumbo. Esse hobby já existia desde o início do séc. XX, com regras mais simples, tendo como cenário as Guerras Napoleônicas e a Guerra Civil Americana.
Imagem BGG: Tactics de 1954
Um dado curioso é que em sua primeira edição, o “Tatics” usava um tabuleiro com os espaços quadrados. As famosas e muito características grades hexagonais só vieram alguns anos depois. Esse uso da grade quadricular, remonta ao “Kriegsspiel” de Hellwig, de 1780, baseado em quadrados, para se aproximar do “Xadrez”, e atrair mais jogadores.
Outra curiosidade é que após a substituição da grade quadrangular por uma grade hexagonal, ainda assim os marcadores de papelão foram mantidos no formato quadrado, por serem mais baratos de produzir. Segundo a biografia de Charles Roberts, após o lançamento do “Tactics”, ele foi procurado por alguns pesquisadores e generais do exército americano. Esses militares estavam muito preocupados com o fato do “Tatics”, aparentemente reproduzir de forma muito próxima, alguns esquemas táticos de documentos militares ultra-secretos. Charles Roberts então esclareceu aos militares, quais foram as fontes de pesquisa, que levaram à criação do “Tatics”, principalmente algumas batalhas históricas célebres, que certamente também influenciaram os estrategistas militares.
Imagem BGG: D-Day
Esclarecido o engano, Charles Roberts acabou inclusive tendo acesso a alguns materiais e documentos menos sigilosos, e, percebeu, que os mapas militares reais usavam uma grade hexagonal, e não quadrangular. Após refletir bastante, ele concluiu que hexágonos eram realmente melhores que quadrados. Isso por incluírem a possibilidade de uma miniatura ou marcador de unidade, continuar em frente, ou virar para diagonal esquerda ou direita, sem ter de sair do local ocupado.
Nesse aspecto os octógonos apresentam duas direções a mais (90º graus para um lado ou para o outro além das diagonais), o que, em tese faria deles uma opção melhor. Entretanto, diferentemente da grade hexagonal, no caso da grade octogonal não há um encaixe perfeito dos hexágonos, restando um espaço entre eles. Por esse motivo, já em 1961, a Avalon Hill lançou os wargames D-Day (II Guerra Mundial), o Chancellorsville, a nova edição do Gettysbury, Civil War, (esses três sobre a Guerra Civil Americana) e o Nieuchess (abstrato). Todos eles já utilizavam a grade hexagonal, tão característica dos wargames.
Dez anos após o lançamento desses wargames hexagonais, em 1971, Gary Gygax criou o seu próprio wargame, chamado “Chainmail”. Na verdade esse jogo era um sistema de regras, publicado em formato de livro, que simulava batalhas em um ambiente de fantasia medieval. A enorme influência do clássico “O Senhor dos Anéis”, de J. R. R. Tolkien, no Chainmail é muito marcante. Por isso, além dos guerreiros medievais de praxe, o “Chainmail” também incluía dragões, magos, elfo, anões e orcs.
Imagem BGG: Gettysburg de 1958
Além do combate entre unidades de exército, havia também uma variante das regras do Chaimail para o combate corpo-a-corpo, envolvendo miniaturas individuais. Alguns anos depois, Gary Gygax e Dave Anderson criaram um sistema dando liberdade total ao jogador, e resolvendo nos dados, o resultado das suas ações. Eles acrescentaram a variante de combate individual do Chaimail, e assim, em 1974, surgiu o primeiro RPG do mundo “Dungeons & Dragons”. O resto é história.
O RPG era um formato inteiramente novo de jogo, que fez um sucesso estrondoso, e se transformou em um verdadeiro fenômeno cultural. Ele influenciou, sobremaneira, praticamente tudo aquilo que surgiu, dentro do gênero da fantasia medieval, nas décadas seguintes. A influência do RPG se estendeu por jogos, brinquedos, livros, filmes, séries, shows, músicas, eventos, etc. Com isso, é possível dizer que, mesmo sendo muito diferentes, os wargames também influenciaram, e praticamente levaram à criação do RPG, através do Chainmail.
Imagem BGG: Primeiras Edições de Chainmail e Dungeons & Dragons
Outro fator interessante é que dentro mundo dos wargames, alguns jogos são apenas um livro contendo um conjunto de regras, para simulação de combates. Estas regras especificam o tamanho necessário para montagem do cenário e a escala das miniaturas envolvidas, etc. Desse modo os jogadores podem usar peças, miniaturas e materiais de qualquer fabricante, desde que respeitada a escala adequada.
Além de possuir partidas muito longas (uma partida rápida normalmente dura entre 4 e 5 horas), os wargames também exigem muito de seus jogadores. De um certo modo, dá para dizer até que os wargames fogem um pouco do escopo dos jogos de tabuleiro. Isso porque normalmente eles exigem toda uma estrutura, uma disponibilidade, uma dedicação e um empenho, muito maiores que os board games em geral. E isso mesmo considerando os jogos 4x mais pesados. O tamanho do tabuleiro de um wargame pode variar bastante, envolvendo desde uma escaramuça muito localizada, que ocupa uma mesa normal, até “teatros de guerra” inteiros, representando toda uma região geográfica, e que usam mesas enormes.
Imagem BGG: Fletcher Pratt Naval Wargame
Alguns wargames, principalmente os de combate naval, vão além, e precisam do chão de uma sala grande, para se jogar. Isso porque mesmo as maiores mesas não são grandes o suficiente para acomodar todo o espaço necessário. Nesse caso, os jogadores teriam inclusive de conseguir subir na mesa, para poder movimentar e posicionar seus navios, e fazer as marcações necessárias. Nas convenções e eventos de wargame, é possível ver mesas enormes com centenas (e às vezes até milhares) de miniaturas. Aqueles que já tiveram a oportunidade de ver uma mesa dessas, em algum evento, com certeza concordam que é algo verdadeiramente impressionante.
Aparentemente, a maior partida de um wargame (em quantidade de miniaturas) já registrada, foi uma simulação da Batalha de Waterloo. Essa partida aconteceu na Galeria Kelvin do campus da Universidade de Glasgow, na Escócia, em 15 e 16 de junho de 2019. O evento contou com a participação de 120 pessoas, mais de 22.400 miniaturas, e dois anos de preparação. O link do Youtube é: https://www.youtube.com/watch?v=ZTlDWIYPDlg.
Imagem Google: Reencenação da Batalha de Waterloo na Universidade de Glasgow
Algumas partidas podem durar, dias ou semanas. Por isso, ao final de cada jogatina, os jogadores tiram fotos para saberem com exatidão, em que situação interromperam a partida. Assim, na jogatina seguinte é possível retomar exatamente o mesmo ponto, e condições, do fim da partida anterior. Por outro lado, apesar de alguns wargames terem realmente essas proporções “gargantuescas”, nem todos os wargames requerem toda essa infra-estrutura para se jogar. No seu início, os wargames eram jogos com um tamanho muito próximo de um jogo moderno comum.
Também é preciso lembrar, que nos início dos anos 50, não haviam as modernas técnicas, materiais e ferramentas de produção. Desse modo, os wargames inicialmente utilizavam apenas um tabuleiro hexagonal, um livro de regras, e diversos marcadores de papelão. Esse marcadores representavam as unidades combatentes, fossem elas um pequeno grupo de soldados, ou brigadas e exército inteiros, conforme as regras de cada wargame.
WARGAMES E BOARD GAMES
A complexidade nos wargames normalmente é muito alta e, em geral, eles possuem uma enorme quantidade de regras. É claro que existem alguns wargames menos complexos, mas esses são a exceção e não a regra. Só para comparar, enquanto na maioria dos board games modernos, as regras utilizam um folheto apenas, nos wargames as regras normalmente ocupam livros inteiros. Evidentemente, com o passar do tempo, as regras parecem ficar menos complicadas, conforme a familiaridade com elas aumenta. Mas é uma ilusão, achar que isso torna as regras mais simples.
Para ficar em um exemplo mais próximo, o “Twilight Imperium 4” é um jogo excelente, mas bastante complexo, e que tem uma grande base de fãs. De tanto jogarem o “TI4”, os fãs acabam desenvolvendo um considerável domínio das regras. Com isso, após algum tempo, elas não parecem mais tão complicadas. Apesar disso, é muito pouco provável que se encontre alguém que diga, de forma séria, que as regras de “Twilight Imperium 4” (peso 4,24 no BGG) são simples. Isso é ainda mais evidente quando se leva em consideração a média de complexidade dos board games, em geral.
Acontece exatamente o mesmo com os wargames, mas em alguns casos, em um nível de complexidade ainda maior. Esse é o caso dos wargames “Advanced Squad Leader“, “A World at War” e “Europa Universalis”, com pesos no BGG de 4.73, 4.84 e 4,85. Tais jogos têm um nível de complexidade superior ao “TI4”, que tem peso 4.24.
Imagem BGG: Avanced Squad Leader
E para se ter uma idéia, da diferença de escalas de complexidade, basta comparar a quantidade de regras, entre um e outro. De um lado está o “Twilight Imperium 4”, que é um board game mpoderno reconhecidamente complexo. Do outro lado está o “Advanced Squad Leader” que é um wargame reconhecidamente complexo. A diferença é que enquanto o “Twilight Imperium 4” tem um conjunto de regras robusto, para os padrões atuais de board games, no caso do “Advanced Squad Leader” original, o livro de regras é uma verdadeira monstruosidade de mais de 400 páginas. Fica até difícil imaginar ter de ler tanto conteúdo, só para poder aprender a jogar um jogo.
Isso é complicado até para os padrões de wargames. Por conta disso, o “Advanced Squad Leader”, posteriormente foi dividido em três “kits”, para amenizar a complexidade do jogo e torná-lo mais atraente para os jogadores. Mantendo ainda o exemplo do “Twilight Imperium 4”, segundo o BGG o seu tempo de partida varia de 4 a 8 horas. Por outro lado o tempo de partida do “A World at War” varia de 24 a 48 horas. Já no caso do “Europa Universalis” esse tempo atinge uma média de impressionantes 60 horas de partida.
Imagem BGG: Europa Universalis
Claro que o fato dos wargames serem restritivos, de forma alguma, querem dizer que eles não valham a pena. Os wargames têm uma altíssima complexidade. O acesso a esses jogos é bastante difícil porque muitos não são editados há décadas. E para piorar, a base de fãs que já não é tão grande, é muito concentrada nos USA e no Reino Unido. Mas, apesar desses pontos negativos, os wargames são jogos muito interessantes e compensam o esforço. Aqueles que conseguirem experimentá-los certamente terão uma excelente experiência lúdica. E isso não apenas por conta da qualidade dos jogos, como também do ponto de vista histórico dos board games.
Além disso, mesmo sendo difícil encontrar grupos de wargamers em condições viáveis de acesso, proximidade e disponibilidade, especialmente no Brasil, a base de fãs dos wargames costuma ser muito fiel, jogando esses jogos a vida toda. Não é difícil imaginar uma entusiasta de wargames, que simplesmente não tenha atualmente com quem jogar, e que receberia de braços abertos um ou dois parceiros de jogatina novatos, mesmo diante da necessidade de ensinar as regras.
Do mesmo modo, se a alta complexidade dos wargames, por um lado pode espantar jogadores novatos, por outro lado, ela também pode servir como um desafio. Esse é outro motivo para experimentá-los. Não se pode esquecer que essa é uma linha de jogos que está firme e forte, mesmo 70 anos após o seu surgimento, tendo sobrevivido e triunfado no teste do tempo.
Talvez seja um exagero dizer que os wargames são os pais dos ameritrash e avós dos dungeon crawlers, até pela distância dos temas e estilos. Mas também não se pode ignorar o quanto os wargames influenciaram os ameritrash e dungeon crawlers.
Imagem BGG: Gloomhaven
Os wargames são mais sérios, mais calcados na realidade histórica e mais preocupados com os aspectos técnicos e específicos das unidades de combate, enquanto que os ameritrash e dungeons crawlers são muito mais voltados para o lado da fantasia heróica. Outra diferença fundamental é que os wargames utilizam cenários abertos e muito amplos, enquanto os ameritrash e dungeons crawlers são o oposto, ou seja, utilizam como cenário locais mais restritos e fechados (áreas pequenas ou dungeons).
Por outro lado, conforme dito anteriormente, é impossível negar a grande influência dos wargames, não apenas em relação aos ameritrashs e dungeons crawlers, mas também em relação aos board games em geral. Os tabuleiros de wargames utilizam a grade hexagonal, e mesmo que os ameritrashs e dungeons crawlers usem mais a divisão por locais, salas e corredores, vários jogos, especialmente euros, que também retratam áreas muito maiores se utilizam da grade hexagonal, como Catan, Castles of Burgundy, Twilight Imperium, Terraforming Mars, Scythe, Terra Mystica, Gaia Project, entre outros (todos eles sempre em excelentes posições nos rankings de board games).
Imagem Ludopedia: Jogos Euros com Grade Hexagonal (Terra Mystica, Terraforming Mars, Castles of Burgundy e Tikal)
Além disso, mesmo não sendo a regra, alguns ameritrash/dungeons crawlers também têm tabuleiros baseados em hexágonos como o “Clash of Cultures” e o “Gloomhaven”. Porém, mesmo não usando tabuleiros hexagonais, existem diversos elementos importantes dos ameritrash/dungeons crawlers que vieram diretamente dos wargames, tais como pontos de movimentação, posição no tabuleiro, alcance das armas e linha de tiro. Isso demonstra claramente o tamanho da influência dos wargames sobre os jogos que vieram depois.
Uma das grandes polêmicas que envolvem os wargames diz respeito à disputa entre realismo e jogabilidade, na medida em que quanto mais próximo de uma situação de combate real, maior a quantidade de variáveis e de detalhes específicos. Isso leva a uma maior complexidade e a mais regras, o que dificulta a jogabilidade. Para melhorar o entendimento, basta imaginar uma partida de WAR, ou de Risk, em que ao invés de exércitos genéricos, os jogadores dispusessem de infantaria, cavalaria e artilharia, e cada uma dessas três forças composta por elementos com parâmetros diferentes entre si, como tamanho, alcance, poder de fogo e necessidade de suprimentos.
Imagem Ludopedia: WAR
Tomar um único território que fosse seria um verdadeiro caos de contabilidade, porque seria preciso calcular minuciosamente o efeito de cada uma dessas variáveis, tanto para o lado atacante, quanto em relação aos defensores, e isso se repetindo a cada lançamento de dados. Uma unidade atacante poderia ser maior ou ter mais poder de fogo, mas necessitaria de mais suprimentos, de modo que ela poderia conquistar mais facilmente um território, mas ficaria impossibilitada de prosseguir para um território adjacente.
Por maior que seja o mérito de se chegar o mais próximo possível de uma situação real, essa infinidade de cálculos tornaria praticamente inviável uma jogatina. As pessoas querem ter a sensação de controlar vastos exércitos sem ter que com isso, se transformarem em verdadeiros generais ou comandantes profissionais em uma campanha militar fictícia. As pessoas querem apenas jogar e se divertir, não ficar a maior parte do tempo, apenas fazendo cálculos. Foi mais ou menos para atender essa demanda, por um jogo focado na guerra, com alguma complexidade, mas que não fosse tão exagerada que a editora Milton Bradley lançou o “Axis & Allies”, em 1981, quando os wargames começavam a mostrar sinais de “cansaço” e declínio. O “Axies & Allies” fez um enorme sucesso comercial e deu origem a toda uma série de jogos, com o mesmo nome e no mesmo estilo e premissa.
Imagem BGG: Axis & Allies 1941
Um outro problema dos wargames, em relação ao realismo, mas que tem mais a ver com a questão histórica é que existe a real possibilidade de eventualmente, Napoleão vencer em Waterloo, os confederados saírem vencedores da Guerra Civil Americana e as potências do Eixo derrotarem os Aliados na II Guerra Mundial.
Em relação a essa questão, a comunidade wargamer contra-argumenta no sentido de que o fato de uma pessoa já saber como termina a II Guerra Mundial ou a Batalha de Waterloo, não a impede de apreciar um bom livro ou um bom filme a respeito, e muito menos de reencená-las. Além disso, com os wargames é sempre possível explorar um realidade alternativa, na qual por exemplo, os exércitos alemães não tivessem invadido a Rússia, concentrando sua forças para derrotar a Inglaterra, antes de tentar sua expansão para o leste.
Outra coisa importante a se comentar sobre os wargames é que eles não envolvem apenas combates terrestres, e nem mesmo apenas as guerras modernas e contemporâneas. Desse modo, em se tratando de wargames, existem algumas variantes que cobrem os conflitos navais e os conflitos aéreos.
No caso dos wargames navais, mesmo com a mesma escala das miniaturas, o terreno necessário para a acomodar o jogo é muito maior, que os wargames “terrestres”. Isso porque uma simulação de guerra no mar, requer uma área muito mais ampla. Basta imaginar o espaço necessário para manobrar um tanque ou um pequeno grupo de soldados, e no espaço necessário para manobrar um navio grande como um encouraçado ou um porta-aviões.
Imagem BGG: Wargame Naval
No caso dos wargames envolvendo combates aéreos, existe uma outra particularidade, porque diferentemente dos wargames terrestres e navais, os wargames aéreos ocorrem em três dimensões, o que torna necessário considerar a altitude das miniaturas. Por isso, os wargames aéreos utilizam suportes e armações plásticas ou de metal, para mostrar a diferença de altitude em que os aviões estão. Essas estruturas também mostram se as miniaturas estão mergulhando ou ascendendo, o que influencia diretamente no seu desempenho, durante a partida. Outra variante dos wargames são os que se passam na idade média e antiguidade, envolvendo impérios e civilizações ancestrais, com os armamentos correspondentes a cada período histórico.
Fechando essa questão de variantes de cenários dos wargames, não se pode deixar de mencionar, mais uma vez o famosíssimo “Warhammer”, com a sua versão fantasia medieval (Warhammer Fantasy Battle), e a sua versão futurista de ficção científica (Warhammer 40K), melhor explicado a seguir.
Imagem BGG: Rise and Decline of the Third Reich
Os wargames tiveram o seu apogeu nos anos 70, especialmente no período 75-80, mas logo em seguida foram decaindo, com muitas pessoas migrando para outros jogos, como o o “Warhammer 40K” ou o “Axies & Allies”. Esse board game também retratava um cenário de guerra, usava miniaturas, mas era bem menos complicado, mais barato e muito mais prático, necessitando de muito menos espaço, para se jogar.
Claro que se pode alegar que o “Warhammer 40K” também é um wargame, mas o fato é que os entusiastas, que antes jogavam diversos wargames, após terem migrado para o “Warhammer 40K” passaram a jogar exclusivamente esse jogo, abandonando os wargames mais tradicionais. Além disso, nessa época os vídeo games, surgidos poucos anos antes, começaram a ganhar força, fazendo com que muitos fãs de wargames, principalmente os mais jovens, migrassem para esse novo tipo de diversão.
Isso gerou uma diminuição e envelhecimento na base de fãs de wargames, nas décadas seguintes. Mesmo tendo sofrido uma drástica redução, ainda existe uma quantidade considerável de praticantes, e uma estrutura muito sólida, com organismos internacionais e diversos eventos ao redor do mundo inteiro. A recriação da Batalha de Waterloo, em 2019, na Universidade de Gasglow, citada acima, é uma prova inconteste disso.
Alguns exemplos de wargames: Tatics, Warhammer 40K, Advanced Squad Leader, Gettysburg, Rise and Decline of the Third Reich, série Combat Commander, D-Day, Bismarck, Paths of Glory, Wings of Glory (combate aéreo), Dawn Patrol (combate aéreo), Richthofen’s War (combate aéreo), Don’t Give Up The Ship (combate naval), Chancellorsville, Stalingrad, Fletcher Pratt’s Naval War Game (combate naval), Civil War.
WARHAMMER
Em 1983, quase dez anos após o surgimento do RPG, Rick Priestley, um designer de uma subsidiária da Games Workshop, criou um jogo que é um verdadeiro marco na história dos wargames que é o “Warhammer Fantasy Battle”. Ele era um jogo de miniaturas no estilo de wargame, mas ambientado em um cenário de fantasia medieval. Em 1987, surgiu uma nova versão do jogo, em um ambiente de ficção científica, que se passa em um futuro longínquo e violento, muito violento, o “Warhammer 40.000”.
O “Warhammer 40K”, como o jogo também é conhecido, fez tanto sucesso e cresceu tanto, que muitas pessoas não o consideram nem um wargame, nem um boardgame, mas sim um tipo único e completamente independente de jogo, e até mesmo um hobby independente. Já outros que entendem o jogo como um wargame chegam a defender que o ”Warhammer 40k” é um dos únicos motivos pelo qual o hobby do wargame não desapareceu por completo, o que é veementemente contestado pela pequena, mas ainda assim muito resiliente comunidade wargamer.
Essa discussão, sobre como classificar corretamente o “Warhammer” é muito interessante, porque aqueles que o consideram um wargame, defendem que ele é um jogo que simula um combate entre exércitos formados de diversas miniaturas (algumas individuais). Seguindo esse raciocínio, o “Warhammer” obviamente não funciona da mesma forma que wargames tradicionais, porque retrata situações de fantasia e ficção científica (dragões e alienígenas) que não possuem contrapartes na vida real, mas ainda assim é um wargame.
Imagem BGG: Warhammer 40K
Curiosamente essa segunda parte do argumento anterior (o fato do “Warhammer” estar baseado em cenários fantásticos, tanto no passado quanto no futuro), é justamente um dos principais fundamentos daqueles que defendem que o “Warhammer” não é um wargame. Essa discussão é muito similar àquela que acontece envolvendo alguns jogos, que algumas pessoas defendem ser dungeon crawler e outras juram de pé junto que não são.
O “Warhammer” foi o primeiro jogo do gênero wargame a contar com miniaturas exclusivas, produzidas e vendidas pela mesma empresa que produzia o próprio jogo. Anteriormente, os wargames que incluíam miniaturas, indicavam apenas a escala das miniaturas, e o jogador poderia comprar e jogar com a miniatura da empresa que quisesse, desde que respeitada a escala prevista naquele jogo. O “Warhammer” mudou isso, para o bem e para o mal, porque agora o jogador precisava comprar as miniaturas específicas do próprio “Warhammer”.
Isso obviamente trouxe alguma padronização, mas também fez com que o “Warhammer” se tornasse um passatempo muito caro. A cada nova edição do jogo, surgiam novas regras, novas habilidades e novas raças mais poderosas. Funcionava mais ou menos do mesmo modo como a Wizard of the Coast faz em relação ao “Magic: The Gathering”. Mantém-se as regras gerais, e se adiciona alguns novos elementos fundamentais a cada edição. Claro que isso não impede que dois jogadores se enfrentem usando exércitos de edições diferentes, mas essa situação causa um forte desbalanceamento e desequilíbrio ao jogo, exigindo diversas “house rules” e adaptações, que nem sempre funcionam muito bem.
Imagem BGG: Warhammer Fantasy Battle
Só para se ter uma idéia, a primeira edição do “Warhammer 40k”, a “Rouge Trader”, era mais próxima do RPG do que do wargame. Conforme “reza a lenda”, essa primeira edição previa inclusive o papel de uma terceira pessoa neutra, que atuasse mais ou menos como um Game Master ou Mestre do Jogo (o que de certa forma, remonta aos árbitros dos Kriegsspiel). Era mais ou menos como uma partida de RPG, mas em que o jogador tivesse que controlar uma dúzia de personagens simultaneamente.
A segunda edição do “Warhammer 40K”, de 1993, alterou as regras e tornando-o muito mais próximo dos wargames, e eliminando uma série de elementos que o aproximavam do RPG. Tanto assim é, que alguns jogadores, consideram que a primeira edição é um jogo à parte, enquanto que a segunda edição do jogo seria a verdadeira primeira edição de toda a linha “Warhammer 40K”. Em 1998 a Game Workshop lançou a terceira edição do jogo, que introduziu os Dark Eldar. Essa era uma raça nova, com poderes que a tornava muito mais forte, em determinados aspectos. Isso se tornou uma prática comum, nas edições posteriores do jogo.
Obviamente, quando a editora lança uma nova edição de um jogo, é natural que a nova versão traga algumas inovações. Do mesmo modo, devido a interesses comerciais da editora, é natural que uma edição mais nova seja eventualmente incompatível, com a versão anterior. Foi mais ou menos o que aconteceu com a segunda edição do Zombicide, por exemplo. O problema é que no caso do “Warhammer 40K”, você compra a oitava edição (edição atual), e depois tem de comprar cada miniatura em separado para compor o seu exército. E mesmo que cada miniatura não fosse tão cara individualmente, no cômputo geral o custo seria altíssimo.
Imagem Goolge: Warhammer 40K Rouge Trader
Dependendo da miniatura R$ 30,00, não é um preço caro, mas se foram necessárias 100 delas para poder jogar um jogo (50 para cada exército, o preço total da brincadeira fica em R$ 1.500,00, para cada jogador). Só para comparar com a realidade do boardgame, para jogar o “Blood Rage” (que vem com algo em torno de 50 miniaturas), com mais três amigos, uma pessoa teria de comprar o jogo gastando mais ou menos de R$ 400,00 a R$ 500,00, no mercado de usados (preço de 2021). Porém, se o Blood Rage fosse uma edição do Warhammer 40K, essa mesma pessoa teria de gastar R$ 500,00 pelo jogo, e depois mais R$ 1.500,00 pelas miniaturas (mantendo o preço de R$ 30,00 do exemplo acima).
Só que não é apenas isso. Depois de gastar todo esse dinheiro, o sujeito ainda teria de encontrar outra pessoa, que tivesse gasto mais ou menos esse mesmo valor, para poder jogar uma partida. E isso apenas para a Games Workshop lançar uma nova edição alguns anos depois, com novos poderes, novas habilidades e raças mais poderosa, tornando o seu exército obsoleto e todo o seu investimento iria por água abaixo.
Isso faz com que o Warhammer 40K, seja um hobby considerado elitista e muito caro, mesmo para os padrões norte-americanos e europeus. Aqueles que quiserem maiores detalhes a respeito do custo para se montar um exército de Warhammer 40K, de tamanhos variados, vale dar uma olhada nesse excelente artigo (em inglês), no link: “https://creativetwilight.com/how-expensive-is-warhammer-40k/”.
Imagem BGG: Warhammer 40K – Mesa em Evento
Apesar de todas as dificuldades, listadas anteriormente em relação aos wargames, e ainda ter o problema do seu alto preço, o fato é que o “Warhammer 40k” constitui praticamente um hobby independente, tendo uma verdadeira legião de fãs, não tanto no Brasil (até por conta do preço), mas com certeza no resto do mundo. Existem centenas de campeonatos e dezenas de convenções grandes, acontecendo anualmente, tudo envolvendo um único jogo, o que dá uma idéia de toda a magnitude do “Warhammer 40K”. Além disso, não se pode deixar de mencionar que, se hoje as pessoas ficam cada vez mais maravilhadas com os jogos de tabuleiro, que envolvem diversas miniaturas, isso se deve em boa parte ao Warhammer, e quanto a isso não há nenhuma discussão possível.
Por fim, esses são os wargames, apresentados no sentido de auxiliar os novos jogadores a compreender, um pouco melhor, esse maravilhoso hobby, dos jogos de tabuleiro modernos.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
Iuri Buscácio
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o antigo Supremacia que a Grow ou Estrela vendeu no Brasil é um Wargame? e o The Grizzled, é um wargame?
Cara Marina
Na verdade há uma diferença entre jogos com o tema “guerra” e wargames. Um jogo com tema de guerra é qualquer jogo que explore essa temática, inclusive os wargames. Já um wargame é um tipo de jogo muito específico, normalmente para duas pessoas, com altíssima complexidade e que procura repoduzir da maneira mais aproximada um teatro bélico. O WAR por exemplo é um jogo com tema de guerra, mas não é um wargame. O mesmo se aplica ao Supremacia e ao The Grizzled.
Espero ter esclarecido sua dúvida.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio