Polêmicas lúdicas: IA criativas, direitos autorais e plágio

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Esse texto “Polêmicas Lúdicas: IAs criativas, direitos autorais e plágio de BGs” aborda algumas questões controversas, mas muito interessantes, dentro do universo dos board games.

 

O ser humano é o único animal que lida com conceitos intangíveis, ou seja, que cria coisas a partir do abstrato. Essa é uma constatação revolucionária que mexe com diversos ramos da ciência, e põem em xeque, por exemplo, a noção de “homo habilis”. Isso porque inicialmente se imaginava que apenas o homem usava ferramentas, daí o nome a classificação de hominídeo “homo habilis” ou homem hábil.

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Porém a evolução da ciência, e do conceito de ferramenta, mostrou que outros primatas também fazem uso de ferramentas. Usar um machado de pedra rudimentar ou até mesmo bater uma pedra na outra para obter fogo é usar ferramenta. Mas por esse raciocínio, pedras usadas para quebrar frutas com a casca grossa, ou gravetos usados para pegar insetos dentro do ninho também são ferramentas. E outros primatas usam esses dois recursos. Entretanto, as abstrações são características apenas do homem, e segundo alguns estudos, apenas do homo sapiens.

 

Com isso, o homem de uma época pensava e criava coisas, com base nas ideias de gerações passadas, conforme os meios de transmissão dessas ideias. Inicialmente a transmissão era baseada na tradição e na oralidade, o que levava a muitas variações, modificações e distorções. Posteriormente o advento da escrita veio a reforçar a tradição, porque tornou as ideias mais perenes.

 

Muito eventualmente alguém surgia com uma ideia inteiramente nova, ou com a solução para um problema que ninguém havia pensado antes, o chamado “fator eureca”. Mas como ir contra a tradição alterava o “status quo” da sociedade, e afetava os interesses das classes dominantes, as inovações eram sempre muito perigosas. Galileu, Joana D’arc e Giordano Bruno que o digam.

 

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Imagem Wikipedia: Galileu Perante o Santo Ofício (“Eppur si muove”)

 

Com a chegada dos tempos modernos, a inovação deixou de ser vista como algo ruim e perigoso, e passou a ser algo bom e almejado, principalmente se contribuísse com a manutenção do poder da classe dominante. Com isso, o homem começou a se basear no que as gerações anteriores haviam criado para ir além, nos seus respectivos campos de conhecimento. O pensamento de Sir Isaac Newton “ se vi mais longe foi por estar sobre os ombros de gigantes” é emblemático disso.

 

Esse esquema (o novo como reinvenção do antigo) transcendeu a ciência, atingindo outros campos de criação como filosofia, política e a arte. Em alguns momentos inovação implicava com a ruptura com o passado, principalmente na arte, ou na ciência quando o passado se mostrava errado. Mas até na ruptura o antigo é fundamental, para efeito de se mostrar o quanto o novo é mais correto, melhor ou mais adequado.

 

Essa questão ecoa até hoje, quando se discute se uma IA cria arte ou se a criação é um atributo genuíno e exclusivamente humano. Uma IA pode com toda a facilidade gerar uma versão da Monalisa, mas no estilo de Monet, Van Gogh ou Picasso. Só que há uma grande discussão se, nesse caso, a IA criou uma obra de arte ou não, afinal uma imagem dessas não existia antes.

 

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Imagem Google: Inteligência Artificial

 

Quem defende que IAs não cria arte, alega que a Monalisa e os quadros desses grandes pintores já existiam antes, estando no banco de dados. Quem defende que sim, alega que tanto Da Vinci, Monet, Van Gogh e Picasso, estudaram os gênios da pintura anteriores, forma influenciados e que suas criações apesar de únicas e originais, não são totalmente desvinculadas de coisas que esses mestres viram ao longo da vida.

 

Além  disso quem contesta a criação de arte pelas IAs defende que essas “inteligêcnais artificais”, pleo menos ainda, não são dotadas de consciência, mas apenas seguem uma programação, mesmo que essa programação implique em gerar outras programações, que não constavam na programação original. Tudo seria uma programação e gerada originalmente por humanos. Só que os defensores das IAs contra-argumentam que a própria noção de consciência é discutível e que seguir uma programação ou algorítimo é justamente aquilo que os humanos fazem, e que a livre escolha é uma ilusão.

 

Recentemente uma corte distrital dos EUA decidiu que a arte gerada por IA não pode ser protegida como direito autoral. Isso implica dizer que a IA não cria arte, mas sim se baseia em uma arte anterior, criada por humano. Porém, essa decisão não é definitiva até que a discussão chegue à Suprema Corte, se chegar. Além disso, evidentemente tal decisão afeta apenas os EUA e não o resto do mundo. Mas, como se vê essa discussão tem argumentos fortes para os dois lados, e que, não obstante o quão seja interessante, foge às possibilidades de espaço e ao escopo desse texto.

 

Faça-se o plágio, ops, a Luz…

 

Nos últimos dois séculos o ser humano perdeu totalmente a vergonha na cara, e se não era possível criar algo novo, era só se aproveitar de uma ideia antiga e apresentá-la como criação sua. Nascia então o plágio, e a Lei Chacrinha, “nada no mundo se cria, tudo se copia”, o nosso “Velho Guerreiro” mesmo, copiando e subvertendo Lavoisier.

 

O plágio, que muito além da mera cópia é efetivamente um roubo, é mais comum na música, na qual o que não falta é exemplo. Partindo de “Taj Mahal” e “Do Ya Think I’m Sexy”, “I Don’t Care” e “ Que País é Esse”, passando pelo baixo de “Under Preassure” e “Ice Ice Baby”, e até a introdução um tanto obscura de “Maria Moira” e o mais famoso riff de guitarra de todos os tempos de “Smoke on The Water”, são diversos os episódios de apropriação do trabalho alheia.

 

Os board games, como toda a criação humana, não poderia ficar de fora dessa contra-dança. Por isso é muito comum que jogos mais recentes sejam reimplementações de jogos mais antigos, o que é natural. Mas comum ainda é que um designer se inspire no trabalho anterior de outro designer para criar um novo jogo. No entanto existem casos, em que o que se vê não é uma inspiração, mas sim uma verdadeira apropriação do trabalho alheio, e sem pagar royalties.

 

Um dos casos mais emblemáticos envolve o Monopoly de 1935 que é uma cópia descarada do Landlord’s Game de 1903. O jogo original foi uma criação da ativista  Elisabeth Magie como crítica ao monopólio da terra e ao sistema de cobrança de impostos. O jogo fez muito sucesso, principalmente entre estudantes universitários dos cursos de economia e administração.

 

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Imagem BGG: Landlord’s Game

 

Quase 30 anos depois um espertalhão copiou o jogo como se fosse seu, mudando o nome para Monopoly, e a Parker Brothers lançou no mercado. Elisabeth Magie processou a empresa, e as partes chegarma a um acordo. Infelizmente para os herdeiros da verdadeira autora do Monopoly, o acordo não previa pagamento de royalties, mas apenas o lançamento do jogo original e o crédito na caixa do jogo.

 

Todo mundo critica, com toda a razão, as práticas de Grow e Estrela que lançavam jogos nos anos 70 com outro nome, para não pagar royalties. Com o processo da Hasbro contra a Estrela essa narrativa mudou e veio à tona que as duas empresas tinham uma parceria desde os anos 70 que se encerrou em 2007, cada uma acusando a outra de quebra de contrato. Por isso é provável que nos casos do Banco Imobiliário e do Detetive talvez tenha havido realmente o pagamento de royalties. O fato das versões brasileiras desse jogos aproveitarem a mesma arte das versões norte-americanas é um forte indicativo, nesse sentido.

 

Com a Grow o caso é mais grave, porque alguns de seus jogos são verdadeiros plágios lúdicos. O WAR baseado no Risk, o Top Secret, cópia do Heimlich & Co. e a confusão entre Interpol e Scotland Yard, são claros exemplos disso.

 

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Imagem Google: Interpol e Scotland Yard e 221b Baker Street

Essas práticas eram mais comuns quando o mundo era menor, e a informação demorava a chegar isso quando chegava. Não havia globalização e nem a Internet, que permite saber em segundos, o que ocorre do outro lado do planeta. Com isso, o que se fazia lá, só se sabia cá, se fosse algo realmente muito importante, capaz de influenciar a todos. Situações mais prosaicas, como o lançamento de um jogo de tabuleiro passavam batido, literalmente. Esse cenário permitia que uma empresa em um país lançasse um jogo estrangeiro, com décadas de tradição em outro país, sem maiores repercussões.

 

A Internet mudou tudo, e hoje em dia todos sabem, instantaneamente, como vivem e o que fazem as pessoas dos lugares mais longínquos e remotos. Assim sendo, atualmente lançar o jogo de outra pessoa e de outro país, no seu próprio país como se fosse seu é bem mais complicado.

 

Em tese, a lei brasileira de direitos autorais não protege nem abrange as regras, o funcionamento nem os esquemas dos jogos. É o que diz o art. 8º, II da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998:

 

Art. 8º – Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

 

II – os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, como jogos ou negócios.

 

Isso impede que algum espertalhão pegue um jogo como o Xadrez, registre como invenção sua, e cobre royalties de quem quiser produzir o jogo. Entretanto, isso também impede que uma pessoa registre, na totalidade, um jogo que ela efetivamente criou, o que, a princípio, permite o plágio. A arte do jogo, e o título (dependendo do nome), até dá para registrar, mas as regras não.

 

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Imagem de um fictício jogo “Central do Brasil”, aproveitando a capa do 1830

 

Na teoria, seria possível lançar uma versão do Ticket to Ride, ou seja, um jogo com tema ferroviário, em que os jogadores precisam criar rotas entre duas cidades, comprando cartas coloridas e usando miniaturas de vagões de trem, chamado Central do Brasil, sem pagar royalties. Só que isso funciona na teoria, porque a lei é criada de forma abstrata, mas aplicada ao caso concreto.

 

 

Assim sendo, muito provavelmente, nesse exemplo acima, a empresa que copiou o Ticket to Ride acabaria perdendo um eventual processo, pelo plágio evidente.

 

Então antes de correr para criar a sua própria versão do Magic: The Gathering ou do Monopoly é preciso ter em mente que, no final, aquilo que a lei diz é interpretado por uma pessoa, cuja leitura pode não ser a mesma que a sua.Porém, isso não impede que empresas continuem plagiando jogos de outras empresas ou pessoas, até porque há sempre uma possibilidade de ganhar uma disputa judicial, ou no mínimo conseguir um bom acordo.

 

No exterior também há esse entendimento, que direitos autorais protegem apenas arte, nomes de personagens e assemelhados, dos jogos, mas não regras, mecânicas e funcionamento. Nos EUA os tribunais de um modo geral seguem essa mesma diretriz, porém cada caso é analisado separadamente. Funciona mais ou menos como aquela decisão histórica do Juiz da Suprema Corte Potter Stewart no caso Jacobellis vs. Ohio, envolvendo pornografia. O caso envolve a exibição de uma obra prima de Louis Male, os “Les Amants” que causou muito furor na época do lançamento (1958).

 

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Imagem IMDB: Les Amants

 

O filme gira em torno de um mau marido relapso e negligente e uma esposa infiel e insatisfeita que resolve ter um caso extraconjugal. Parte da puritana sociedade norte-americana dos anos 50 achou a história totalmente pornográfica, principalmente pela cena insinuando, veladamente, um ato sexual entre esposa e amante.

 

O gerente de um cinema de arte, em Ohio, chamado Niko Jacobellis resolveu exibir o filme. Por isso, ele foi processado e condenado a pagar uma multa altíssima, ou passar alguns meses no xilindró, por posse e exibição de material pornográfico. Jacobellis foi condenado por um juiz, recorreu para a Suprema Corte de Ohio, perdeu, e recorreu para a Suprema Corte Americana finalmente ganhando o processo.

 

Nesse caso ficou famoso o voto do Ministro Stewart Potter que disse mais ou menos, “eu não consigo definir completamente o que é pornografia, mas eu sei que é quando vejo, e esse filme não é”. Isso quer dizer que mesmo que haja total clareza, no que é protegido por lei, em termos de jogos, e o que não é, o juiz pode muito bem decidir que não pode definir precisamente o que é plágio, mas que sabe que é quando vê. Nesse caso o plagiador e ao autor original, podem vencer ou podem perder, e por isso em muitos casos tudo termina em acordo.

 

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Imagem BGG: BANG! e Legends of the Three Kingdoms

 

Só para ficar em três casos apenas vale citar o seguinte. O primeiro caso envolve o Bang! e outro jogo chamado Legends of the Three Kingdoms. A editora Ziko Games resolveu pegar o Bang!, copiou praticamente tudo do jogo, as regras, as mecânicas e o papel de cada personagem. Só que ao invés de utilizar o velho oeste como cenário ela usou uma lenda chinesa e mudou os nomes da cartas. Todo o resto era igual.

 

A Da Vinci Editrice, editora do Bang! não pestanejou e processou a Ziko Games porque o plágio era evidente. Só que o Tribunal do Texas, que julgou o processo, entendeu justamente que os direitos autorais não protegem regras, mecânicas e funcionamento de jogos. Com isso a Da Vinci Editrice perdeu o processo e a Ziko Games não precisou pagar nada para, praticamente lançar o Bang! com outra roupagem

 

O segundo caso envolve o Tetris, da Tetris Holding LCC, e outro jogo chamado Mino, da Xio Interactive Inc. A empresa Xio Interactive resolveu lançou um clone do Tetris, mas com uma arte diferente. A Tetris Holding processou a empresa plagiadora alegando violação de direitos autorais.

 

O tribunal decidiu em favor da Tetris Holding, e a Xio Interactive precisou pagar uma pesada indenização, parar de produzir e recolher o Mino. O fundamento da decisão foi no sentido de que, mesmo que a arte fosse ligeiramente diferente, entre os dois jogos, não havia como distinguir onde terminava a parte protegida pelos direitos autorais e onde começava a parte não protegida, em virtude da natureza do jogo. Essa foi a decisão em termos gerais, e quem quiser saber mais basta pesquisar na internet. Nesse caso, a empresa plagiou e no final se deu mal.

 

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Imagem Google: comparação entre Tetris e Mino

 

O terceiro caso envolve nada mais, nada menos que o Magic: The Gathtering, da Wizard of the Coast, e um de seus diversos clones, o Hex TCG da Cryptozoic. Esse jogo era um card game digital, que utilizava um layout, que não era o mesmo do Magic, mas era muito parecido.

 

Além disso, as regras eram muito parecidas, como ocorre com diversos clones do Magic. O Hex TCG começou no Kickstarter, em 2014, fez muito sucesso e os desenvolvedores ganharam uma bolada. O problema é que o povo da Wizard of the Coast (leia-se Hasbro), não gostou nadinha dessa história, e processou a Cryptozoic.

 

Logo no início do processo as duas partes pesaram suas chances de vitória e preferiram não correr o risco de derrota, chegando a um acordo amigável. A Hasbro não queria correr o risco de continuar lidando com mais um clone de sucesso, praticamente igual ao Magic, com as mesmas cartas com nomes diferentes, que seria uma novidade e perdendo fãs e dinheiro no processo. A Cryptozoic já havia ganho um bom dinheiro, já havia entregue o jogo, e não queria correr o risco de pagar uma indenização milionária.

 

Com isso, provavelmente a Wizard of the Coast pagou uma compensação à Cryptzoic (os termos do acordo não foram divulgados) e a Cryptozoid concordou em explorar o jogo por apenas mais cinco anos, de 2015 a 2020, quando a plataforma foi encerrada. Nesse caso, mesmo sem ganhar o processo, o plágio compensou.

 

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Imagem BGG: Magic the Gathering e HEX TCG

 

Portanto, direitos autorais, seja em jogos digitais, ou em jogos de tabuleiro físicos, ainda constitui um assunto bastante nebuloso, e depende de cada caso. Mas existe um outro tipo de plágio, que nem sempre é aparente, e que ao invés de envolver as mecânicas, envolve o cenário do jogo. Alguns board games são praticamente versões não oficiais de filmes de sucesso, com algumas alterações para não pagar os royalties, ou o licenciamento.

 

Um desses jogos é o Last Friday, que é mais do que baseado, mas uma verdadeira versão não oficial do filme Sexta-Feira 13. Esse é um jogo baseado em movimento oculto, no estilo Fury of Dracula. Porém, o nome do acampamento é Camp Apache e não Crystal Lake, e o psicopata é apenas o “Maníaco” e não Jason Vorhees.

 

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Imagem Lud: Last Friday edição de 2016

 

Do mesmo modo, a caixa do jogo, nas duas edições e na expansão, não mostra o rosto do maníaco com a máscara de hóquei. Na caixa do jogo base da primeira edição normal de 2016 e da revisada de 2021, o maníaco está de costas. Já na caixa da expansão o rosto do maníaco está oculto pela sombra. Curiosamente, na caixa da expansão aparece uma mão com aspecto queimado (Freddy Kruger???), e com três garras de osso (Wolverine???).

 

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Imagem Ludopedia: Last Friday Expansão

 

Outro caso de plágio, menos escancarado, envolve outro jogo cuja produção nacional causou verdadeira comoção e muitos debates, chamado Nemesis. Esse jogo já começou chamando a atenção pelo seu preço altíssimo, que representou um novo patamar dos preços dos jogos lançados depois. Além disso, o trabalho de tradução recebeu muitas críticas, por algumas escolhas infelizes, tomadas a serviço da agenda política e da militância da tradutora.

 

Só para deixar claro, estas questões polêmicas já foram discutidas à exaustão, e fogem ao escopo desse texto, que trata de outros aspectos do Nemesis. Assim sendo, o mais adequado é discutir questões envolvendo “Intrusora” e “a pessoa que está jogando” como tradução de “jogador”, nos fóruns específicos desse assunto.

 

No Nemesis os jogadores estão presos dentro de uma nave e são perseguidos e mortos por seres alienígenas. Isso é basicamente um resumo do roteiro do aclamadíssimo filme “Aliens, o 8º Passageiro” do mestre Ridley Scott, um marco da história do cinema. As miniaturas dos alienígenas, as tais “Intrusoras”, possuem uma cabeça alongada e uma cauda articulada parecendo muito com os Xenos do filme.

 

Do mesmo modo, o jogo também trás aliens muito menores, exatamente como no filme. Até a imagem da caixa do board game lembra muito os Xenos e se estivesse escrito Alien ao invés de Nemesis, absolutamente ninguém iria estranhar. Na verdade o Nemesis é uma adaptação melhor do filme Alien, do que os board games oficiais “Aliens” (1989) e “Alien: Fate of Nostromo (2021).

 

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Imagem Ludopedia: Nemesis

 

O lançamento do Nemesis foi muito polêmicoe o jogo conta com alguns fãs muito fervorosos, que não lidam bem com críticas, bem embasadas ou não. Assim sendo, algumas pessoas vão enxergar um plágio evidente enquanto outras vão achar que o jogo e o filme não têm nada a ver.  Desse modo, é sempre complicado falar desse jogo, se não for para elogiá-lo, o que inclusive é natural porque o Nemesis é um bom jogo. Mas apenas ser bom, não torna o Nemesis imune a críticas, especialmente quanto ao preço, muito alto para o que entrega e a sofrível tradução.

 

O terceiro caso é esse novo lançamento Go Ahead Punk, da Next Dimension Games. Provavelmente a editora não pagou um centavo de royalties, apesar do jogo ser uma clara versão board game de “Dirty Harry” estrelado por Clint Eastwood.

 

Tal qual o Last Friday, o Go Ahead Punk é um jogo de movimento oculto. Os jogadores são investigadores que precisam localizar (neutralizar) um bandido chamado Stinger (para diferenciar do Scorpion do filme), que aterroriza a cidade de São Francisco. Isso é basicamente um resumo do filme. O próprio título do jogo mistura duas famosas falas de “Dirty Harry” (“do you feel lucky, punk”) e “Sudden Impact” (“go ahead, make may day”).

 

Essas três versões não oficiais não são plágios no sentido stricto sensu, porque elas não copiaram especificamente um jogo pré-existente. Mas o espírito é o mesmo, ou seja, se aproveitar para ganhar dinheiro em cima de algo criado por outra pessoa, sem pagar nada.

 

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Imagem Ludopedia: Go Ahead Punk!

 

Isso levanta sérios questionamentos a respeito de onde a inspiração termina e onde o plágio começa e até mesmo pirataria de board games. Uma empresa lançar uma versão pirata de um jogo, e vende-la em sites chineses de compras é errado e não tem discussão a esse respeito. Mas muitas pessoas também defendem que copiar e imprimir as cartas de um jogo, quando não se tem dinheiro para compra-lo também está errado.

 

Há uma grande discussão se a cópia sem intenção de venda é pirataria ou não, mas, no geral, a comunidade board gamer condena essa prática. Só que essa condenação meio que perde o sentido, quando as mesmas pessoas compram jogos que são verdadeiras versões “não oficiais” de filmes.

 

Nesse raciocínio, se um sujeito faz uma cópia não autorizada, somente para uso pessoal é pirataria. Mas se uma empresa fizer isso, e com intuito de venda, está tudo bem porque é uma editora. Em outras palavras é o faça o que digo e não o que eu faço, ou, quando eu copio está OK, mas quando os outros copiam está errado.

 

Muitas pessoas que compraram o Nemesis ou o Last Friday, e possivelmente comprarão o Go Ahead Punk, talvez achem errado copiar o Coup ou o Love Letter, para dar de presente ou para não desgastar as cartas originais. Só que isso não faz o menor sentido, porque elas apoiaram jogos que, na verdade, são cópias não autorizadas, feitas sem licenciamento ou pagamento de royalties.

 

Independente da divergência de entendimento (se cópia para uso próprio constitui ou não pirataria), o fato é que pirataria e plágio são assuntos muito próximos. Além do que é muito tênue a linha que separa o plágio da mera inspiração ou influência artística.

 

Um forte abraço e boas jogatinas!

 

Iuri Buscácio

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Iuri Buscácio

Leitor voraz de filosofia, teatro, literatura brasileira e estrangeira, suspense, e de romances históricos, de fantasia e ficção científica, além de ser fã de quadrinhos americanos e europeus, desde os tempos da saudosa Ebal, amante do cinema e das séries, e também um grande entusiasta e pesquisador dos jogos de tabuleiro, tanto clássicos quanto modernos, cuja trilha sonora é o bom samba, a MPB de qualidade, black music e música pop dos anos 70 e 80.

2 thoughts on “Polêmicas lúdicas: IA criativas, direitos autorais e plágio

    1. Cara Laiz

      Muito obrigado, e muito me alegra que você tenha gostado.

      Um forte abraço e boas jogatinas!

      Iuri Buscácio

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